Após mais de um século de abnegada luta, a Revolução Palestina foi novamente colocada em marcha com a Operação Dilúvio de Al-Aqsa, no último dia 7 de outubro. A operação, liderada pelo Hamas, consistiu em uma incursão militar, minuciosamente preparada, contra os territórios ocupados (leia-se, “Israel”).
Durante a incursão, foram lançados entre 3 mil e 5 mil foguetes contra o território “israelense”, um ataque que teve como objetivo sobrecarregar o mecanismo “Domo de Ferro”, tanto para que mísseis atingissem cidades israelenses, quando para desmoralizar o todo poderoso sistema de defesa de “Israel”.
E funcionou. Cidades foram atingidas, e a fraqueza e a decadência do Estado sionista foi exposta para todo o mundo. Assim como serviu para mostrar que a política sionista do “Muro de Ferro” está com seus dias contados.
Essa política foi elaborada por Vladimir Zev Jabotinski, judeu russo fundador da corrente revisionista do sionismo, uma corrente de extrema direita dentro de um movimento que já era de extrema-direita.
Jabotinski também foi o fundador do Betar, uma milícia fascista fundada na Latvia, em 1923, aos moldes dos camisas negras (Milizia Volontaria per la Sicurezza Nazionale), de Mussolini e dos camisas marrons (Sturmabteilung), de Hitler. Organizada a partir da Polônia, em seu auge a organização chegou a ter 70 mil membros. Conforme já exposto em matérias publicadas neste Diário, o Licude, partido de Benjamin Netaniahu, atual primeiro-ministro de “Israel”, tem o Betar em sua origem.
Pois bem, “O Muro de Ferro” é o nome de um ensaio escrito por Jabontiski no ano de 1923, no qual a política de mesmo nome foi desenvolvida.
À época, a Palestina estava sob o domínio do imperialismo britânico. Era o Mandato Britânico da Palestina, fundado em 1920 em decorrência da derrota do Império Turco-Otomano na Primeira Guerra Mundial. Os ingleses já estavam financiando e impulsionando o sionismo e sua colonização da Palestina. Era um projeto dos próprios britânicos para dominar o Oriente Médio utilizando aquele território como ponta de lança, e foi consolidado com a Declaração de Balfour, de 1917.
O revisionismo sionista, como o nome indica, não é a principal corrente do sionismo. Igualmente, Jabotinski não era o principal líder do movimento sionista, apesar de ser uma das figuras mais importantes do movimento. Quem liderava a vertente principal do sionismo era Chaim Weizmann, através da Organização Sionista Mundial. Era esta a vertente impulsionada pelo imperialismo britânico, por ser baseada mais em uma política aproximações sucessivas, ao contrário do revisionismo sionista, que pregava desde o início que o movimento sionista dominante reconhecesse como objectivo declarado o estabelecimento de um Estado judeu em ambas as margens do Rio Jordão.
E o que levou Jabotinski a escrever “O Muro de Ferro” foi a decisão tomada por Winston Churchill, então secretário colonial do Império Britânico, de proibir assentamentos judeus (sionistas ou não) na margem leste do Rio Jordão.
Confrontado com a política de aproximações sucessivas do imperialismo e da corrente majoritária do sionismo para dominar a Palestina, política esta que impunha a necessidade de fazer uma demagogia de convivência pacífica com a população da região, Jabotinski, ao elaborar a política do “Muro de Ferro”, frisou que “é impossível um acordo com os árabes”.
Antes de explicar o porquê disto, esclarece que sua política é “determinada por dois princípios”, quais sejam:
- “É totalmente impossível expulsar os árabes da Palestina. Sempre haverá duas nações na Palestina – o que não é um problema para mim, desde que os judeus sejam a maioria.
- Que defende os direitos iguais para todas as nacionalidades dentre de um Estado e está “preparado para fazer um juramento, vinculando a nós e aos nossos descendentes, de que nunca faremos nada contrário ao princípio de direitos iguais e de que nunca tentaremos expulsar ninguém.”
Quanto a este segundo princípio, logo ele mesmo se trai e revela sua hipocrisia. Ao dizer que este seria um objetivo pacífico, questiona se sempre seria possível concretizar objetivos pacíficos através de meios pacíficos. Ao fazer esse questionamento, concluiu que a resposta “não depende de nossa atitude para com os árabes, mas inteiramente da atitude dos árabes conosco e com o sionismo”.
Jabotinski, então, afirma que não é possível um acordo voluntário entre os palestinos e os sionistas: “não pode haver nenhum acordo voluntário entre nos e os árabes palestinos. Nem agora, nem no futuro”. E, ao dizer isto, expõe que mesmo os sionistas da corrente majoritária (por exemplo, Weizmann, Ben Guirion e outros) sabem disto:
“[Os sionistas moderados] perceberam há muito tempo que é totalmente impossível obter o consentimento voluntário dos árabes da Palestina para transformar Palestina de um país árabe em um país com maioria judaica”.
Fundamenta sua tese deixando claro que o sionismo é uma empreitada de tipo colonial, e que nenhuma colonização ocorreu com o consentimento das populações locais:
“[…] a história da colonização […] veja se há casos de alguma colonização sendo realizada com o consentimento da população nativa. Não existe esse precedente. As populações nativas […] sempre […] resistiram […] Toda população nativa, civilizada ou não, considera sua terra como sua casa […] ela não irá permitir não apenas novos mestres, mas até mesmo novos parceiros ou colaboradores”
Jabotinski explica, então, que isto é válido também para os árabes (palestinos). E que, apesar das tentativas de sionistas “moderados” tentarem enganá-los com demagogia, os “árabes não são tolos” e irão resistir aos colonizadores. Nesse sentido, esclarece que apesar de haver árabes que aceitam suborno, isto “não significa que os árabes da Palestina irão vender seu patriotismo fervilhante que eles mantém tão zelosamente […] Toda população nativa no mundo resiste aos colonizadores enquanto houver a menor esperança de se livrar do perigo de ser colonizado. Isso é o que os árabes na Palestina estão fazendo, e é o que continuarão a fazer […]”
Uma análise precisa da tenacidade da resistência do povo palestino ante a ditadura do sionismo e de “Israel”. Curiosamente feita por um dos principais nome da história extrema-direita sionista.
Após essas explicações, Jabotinski passa a expor os aspectos práticos da política do “Muro de Ferro”. E um deles é a questão demográfica, isto é, os sionistas eram minoria na palestina e os árabes, maioria. Para erguer um Estado judeu, os sionistas precisam se tornar a maioria, e que isto é feito através da imigração massiva de judeus para a palestina. Como os “árabes não são tolos”, eles não querem isto, pois reconhecem o projeto colonial por trás dessa empreitada:
“Os sionistas querem apenas uma coisa, e é exatamente essa coisa que os árabes não querem, pois é dessa forma que os judeus gradualmente se tornariam a maioria, e então um governo judaico seguiria automaticamente; e o futuro da minoria árabe dependeria da boa vontade dos judeus; e ter um status de minoria não é algo bom, como os próprios judeus nunca se cansam de apontar. […] Os sionistas querem apenas uma coisa, imigração judaica; e essa imigração judaica é o que os árabes não querem. […] A colonização só pode ter um objetivo, e os árabes da Palestina não podem aceitar esse objetivo. Isso está na própria natureza das coisas, e nesse aspecto particular, a natureza não pode ser mudada”.
Ante essa contradição, Jabotinski esclarece que eles jamais poderiam comprar toda Palestina dos árabes, jamais poderiam oferecer algum tipo de compensação pela colonização das terras. Sendo assim, nenhum acordo entre palestinos e sionistas seria possível. Diante disto, o líder sionista expõe que só há dois caminhos: “a colonização sionista deve parar ou então prosseguir independentemente da população nativa”.
E se prosseguir? Bom, tendo em vista que irá se deparar com a resistência dos palestinos, Jabotinski explica que só pode se desenvolver “Sob a proteção de um poder independente da população nativa – atrás de um muro de ferro, que a população nativa não pode ultrapassar”.
Conclui, então, que “esta é nossa política para os árabes”.
A colonização da palestina pelo sionismo foi concretizada em 1949, com o reconhecimento da legitimidade “Israel” pela ONU. Vale ressaltar, essa colonização só foi possível com a ajuda do imperialismo britânico, norte-americano e do stalinismo. Durante o processo de colonização, em especial no ano de 1948, os sionistas foram relativamente bem sucedidos em resolver o problema demográfico: expulsaram quase 1 milhão de palestinos de suas terras, e se tornaram a maioria da população.
Contudo, jamais conseguiram acabar com a luta dos palestinos pelo seu direito de retornar. Organizando-se dentro e fora do país, a resistência travou décadas de luta abnegada contra a ditadura de “Israel”, que criou muros, postos de controles, tornando Gaza e Cisjordânia verdadeiros campos de concentração, com direito a administrador próprio (Autoridade Palestina – Mahmoud Abbas). Impulsionou os colonos fascistas para fragmentar o território palestino, em especial o da Cisjordânia. Todas essas medidas foram uma manifestação da política do “Muro de Ferro”, idealizada por Jabotinski, e posta em prática de forma sistemática a partir da década de 1970, quando o Likud subiu ao poder para destruir a OLP.
Apesar disto, “Israel” não conseguiu barrar o avanço da resistência e o desenvolvimento da Revolução Palestina.
De forma que a partir de 2011, os sionistas tiveram que intensificar a aplicação dessa política: criaram o “Domo de Ferro”, um sistema de defesa aérea projetado para interceptar e destruir foguetes de curto alcance e projéteis de artilharia disparados de distâncias de 4 a 70 quilômetros (2–43 milhas) de distância e cuja trajetória os levaria aos territórios ocupados por “Israel”.
Como se fosse um escudo blindando “Israel” da resistência palestina
Por anos propagandeado como infalível, foi exposto pelo Hamas, perante todo o mundo, como um sistema vulnerável, mostrando a força dos palestinos. Da mesma forma, o Hesbolá vem, nesse ano de 2024, sobrecarregando o “Domo de Ferro” com ataques frequentes, a partir do sul do Líbano.
Conforme exposto pelo próprio Jabotinski, tanto a política do “Muro de Ferro” é uma manifestação do próprio sionismo e de seu Estado, “Israel”. Ambos estão vinculados. Se essa política for derrotada, o Estado sionista também será. E os ataques vitoriosos da resistência palestina contra o “Domo de Ferro” são derrotas dessa política.
Assim, se o “Muro de Ferro” está com seus dias contados, “Israel” e o sionismo estão.
Graças ao Hamas e demais partidos e grupos que travam a luta armada na palestina, não irá demorar para o que a Alemanha Nazista e o nazismo do séc. XXI sejam destruídos para sempre.