Desde o final de abril, a população do Rio Grande do Sul vive uma catástrofe praticamente sem precedentes na história do estado. As fortes chuvas em conjunto com a política neoliberal de Eduardo Leite e dos governadores que o precederam resultaram em uma das maiores calamidades de todos os tempos. Segundo a Defesa Civil, até o fechamento desta edição, já haviam sido confirmados 161 óbitos.
Para retratar o que de fato está ocorrendo no Rio Grande do Sul, bem como entender a culpa que o governo estadual e as prefeituras têm nessa catástrofe, o Diário Causa Operária (DCO) entrevistou Neimar de Oliveira Lima. Membro do Comitê Central Nacional do Partido da Causa Operária (PCO), Neimar mora em Pelotas, na parte sul do estado gaúcho. Desde que as águas começaram a invadir a sua cidade, ele foi obrigado a deixar a sua casa.
“Eu tive que sair. Os piores momentos são sempre discutir para onde vamos. A tendência da gente é não querer sair, sabe? Ou então retira as coisas e fica em casa. Muita gente ficou em casa no segundo piso. Fica no segundo piso, mas aí desce com água pelo pescoço. Como é que fica numa situação dessas?”, disse Neimar ao DCO.
O militante trotskista também detalhou a situação em sua cidade, relembrando o legado deixado por Eduardo Leite que foi prefeito de Pelotas entre 2013 e 2017. Além disso, Neimar detalhou algumas das dificuldades pelas quais o povo do Rio Grande do Sul está passando neste momento.
Confira, abaixo, a entrevista na íntegra:
Os primeiros alertas de chuvas intensas foram dados pelo Inmetro por volta do dia 26 de abril. De lá para cá, o governo do estado teve uma ação efetiva para socorrer as pessoas? Os alertas eu acho que são anteriores a isso. Davam conta de que ia chover bastante no Rio Grande do Sul, que haveria uma enormidade de chuvas. O próprio governador disse que foi alertado sobre isso, mas que preferiu as questões fiscais e não deu bola. Então, em vez de prevenir a tragédia, ele simplesmente se viu em outras pautas. Não se interessou para fazer uma defesa do povo, na verdade, fazer um ato de governo.
Aliás, não é a primeira vez. Quando ele era prefeito dessa cidade aqui que estou falando, Pelotas, houve uma enchente em 2015, também provocado lá pela alta da Lagoa dos Patos do Canal São Gonçalo. A enchente ocorreu no sábado, ele só foi agir na terça-feira. Já no ano passado, em 2023, houve duas [enchentes], em setembro, depois novembro. Na primeira, ele também só foi agir no outro dia. As pessoas passando em cima de árvores, em cima de torres totalmente desesperadas, tentando viver. E ele nem bola. Porque ele como governador, ele tem autoridade, ele pode pedir ajuda no mínimo, seja para as Forças armadas, o Corpo de Bombeiros. Ele não fez nada disso em setembro do ano passado.
Têm relatos de uma senhora que ficou mais de 24 horas em cima de uma árvore. E aí passou uma laranja, ela pegou a laranja, ela não tinha nem como nem como beber, porque não tinha água potável, nem se alimentar. Ela estava extremamente desesperada, e isso foi esquecido. Dessa última vez, ele veio até uns dias antes para a imprensa dizer para as pessoas que ocorreria um evento Ele poderia ter prevenido isso. Houve coisas como as comportas do Guaíba, não quiseram deter as águas. E tudo foi uma negligência, tanto do governo estadual, do Eduardo Leite, como do prefeito de Porto Alegre.
Essa região aqui é um pouco diferente porque como o Guaíba encheu d’água, se esperava que uma enchente viesse para cá também. O que houve aqui foi que as pessoas se alertaram antes e, por isso, não houve vítimas fatais. Lá, diferente da região onde houve os afluentes do Guaíba, há serra, então há deslizamento, a água vem numa maior velocidade. Por exemplo, tem cidades que as pessoas não acreditavam que a tragédia viesse ocorrer, que a água fosse invadir. Então, foram pegas de surpresa. Tem cidades como Canoas em que não houve um alerta das pessoas, as pessoas foram pegas de surpresa, o que é um absurdo.
É uma inércia total. O governo sucateou a Defesa Civil, fez o que não poderia fazer. Ele escolheu entre fazer outras pautas, como ele mesmo disse, do que prevenir esse desastre no Rio Grande do Sul. E hoje ele posa aí como vítima. As pessoas até tentam resgatar ele porque aparece como um bom moço, bem-vestido, uma fala fácil, fala um português correto. Então dá a impressão de que as pessoas estão criticando ele, que isso poderia ocorrer em qualquer parte do mundo. Em qualquer parte do mundo pode chover, mas, hoje, existem elementos tecnológicos, ferramentas tecnológicas que são capazes de prevenir em situações como essas que dá os governantes, a população, formas de agir, de saírem da área de risco.
Ele não fez nada disso. O que ele fez agora é chamar o governo federal e, não contente disso, muitas vezes criticou o governo federal. Ele também criticou parte da população que ajudou o Rio Grande do Sul. Ele disse que os donativos, as doações, estavam prejudicando o comércio das pequenas empresas, os pequenos comércios. Depois, ele teve que pedir desculpa disso. Nesse sentido, ele está meio parecido com o Bolsonaro, um Bolsonaro de terno e gravata. Porque ele faz uma afirmação, depois diz “ah, eu não afirmei isso, eu não disse não, foi tirado de contexto do que eu falei”.
Essa é a postura dele. E conta com a simpatia da grande mídia golpista, que tenta salvar sempre o Bolsonaro. Inclusive, há uma pesquisa que diz que ele [Leite] está na frente do Tarcísio, na preferência da população do Brasil para dirigir o nosso país. Imagina ele, que dirigiu tragicamente uma cidade, o estado. Quantas coisas ele já fez, por exemplo, nessa política neoliberal em que ele diz que ele não é negacionista, que ele é pela ciência? Não, ele é neoliberal. Ele entregou o estado do Rio Grande do Sul. Todo mundo está falando que os Estados Unidos doaram R$750.000,00 para o Rio Grande do Sul, o que é um absurdo. Mas o Eduardo Leite vendeu a Companhia Estadual de Energia Elétrica, que tinha sido estatizado pelo governo Brizola. Entregou ela para a iniciativa privada por R$100.000,00. Talvez um carro valha mais que a Companhia Estadual de Energia Elétrica. E deu bem para comprovar o que é uma empresa pública e uma empresa privada. Porque nas primeiras chuvas que houveram, as pessoas ficaram 15, 20, 30 dias sem energia elétrica em casa, as pessoas reclamando. Então, essa companhia botou gente despreparada para atuar, simplesmente subiram no poste para tentar consertar o fio. Houve, inclusive, acidentes com trabalhadores que não eram preparados para atuar. Então deu bem para ver o que é a empresa privada, o interesse ganancioso do governador. Ele é, na verdade, um grande neoliberal.
Como as pessoas reagem às declarações de Leite, como a que você citou, de que “não erramos pela negligência, omissão e negacionismo”? É um momento de muita confusão ainda, as pessoas querem voltar à normalidade quanto antes, então as pessoas querem uma ação do governo. Agora, essa afirmação dele de que não é negacionista, que não houve negligência, houve negligência. Ele mesmo disse que teve outras pautas e não a pauta da prevenção. Ele falou isso abertamente, confessou, ele é réu confesso. Então, na verdade, isso aí já é uma grande mentira, né? Houve negligência dele. Não importa se ele estava com problemas fiscais, como ele mesmo alega que não podia pagar o funcionalismo. Se ele trabalhasse na prevenção, a prevenção custa muito mais barato do que reconstruir. Imagina o que vão gastar agora para reconstruir, por exemplo, cidades como Eldorado do Sul que sumiu do mapa, basicamente 100% da cidade foi atingida. Então, o que custa mais? Deixou de defender o povo e agora tem que buscar dinheiro no governo federal para tentar solucionar minimamente essa situação do povo, que é dramática. As pessoas perderam quase tudo. Tem pessoas que destruiu a casa inteira e outras tragédias que a gente vê todo dia.
Você citou que Leite já foi prefeito de Pelotas. Você acha que o que ele está fazendo agora com o Rio Grande do Sul, ele fez com a sua cidade? Na cidade, como ele era jovem, sabia se posicionar, havia uma certa blindagem tanto do Ministério Público como do Poder Judiciário, da imprensa. Todos blindaram ele. Ele foi alçado a uma liderança emergente, tanto que ele tentou ser presidente da República. Como ele foi para o segundo turno junto com o candidato de extrema direita, muita gente da esquerda acabou votando nele, mas a gente sabia quem ele era, sabia o que ele traria de danos.
Eu fiz uma representação na enchente de 2015 contra ele. O promotor disse que não havia elementos para puni-lo. Se tivesse punido lá em 2015, talvez ele não tivesse causado tantos transtornos para a população, né? Eles são blindados, com eles nada ocorre. Ele disse uma coisa, depois disse que não disse, que tiraram de contexto, não é bem assim, a gente fez o possível. Ele vende o Estado dizendo que vendeu o Estado para tratar bem das pessoas. Olha o que está ocorrendo, está tratando muito bem das pessoas.
Quem você considera ser a força mais importante no que diz respeito ao apoio à população atingida pelas enchentes? Acho que é um esforço geral, porque muita gente, até os bombeiros, foi afetado. Claro que a população veio de todo o País para ajudar. O governo federal mobilizou para cá não só as Forças Armadas, como carros de combate, caminhão, para poder entrar nas zonas. E o movimento popular também se organizou. Inclusive, companheiros nossos fazem parte do movimento sindical ajudam a coordenar os comitês de forma organizada, que não tem nada a ver com os governos.
Há ainda pouca gritaria contra o governo [estadual]. Eu acho que o governo está passando meio que ileso sobre isso, sabe? A esquerda não bate no governo, se preocupa se está havendo abrigo para as mulheres, abrigo para crianças, essas coisas de caráter assistencial, mas uma firme contestação ao governo Eduardo Leite, acho que é muito pouco ainda. Acho que nós, na medida do possível, a gente vem fazendo esse papel, mas por parte do PT, não. O que houve, na verdade, foi a colocação do ministro Paulo Pimenta como secretário da Reconstrução do Rio Grande do Sul, uma forma que o PT houve de enfrentar, mas um enfrentamento por parte do Lula. Mas o PT, de uma forma geral, está parado, não está exercendo uma crítica mais contundente ao governo do Eduardo Leite.
Dizem que é fruto do aquecimento global e que não tem nada a ver com isso. Como não? As comportas não abriram sozinhas, elas não deixaram vazar águas sozinhas. Houve uma negligência ali. Foram feitas nos anos 70, sim, mas não foram reforçadas. Se não foram reforçadas, também não acreditavam que isso pudesse ocorrer dessa forma. Embora os centros meteorológicos afirmavam que seria uma chuva de proporções muito grandes. Então houve, por parte do governo, essa paralisia, e por parte da esquerda não há uma contestação mais contundente. Acho que contribui para resgatar o Eduardo Leite. É um clube de amigos, na verdade, um clubinho de amiguinhos. Eu não te ataco, tu não me ataca. Aconteceu comigo, mas podia acontecer contigo. E, na verdade, a gente vê que quem fica à margem disso é o povo, porque se gastassem dinheiro com prevenção não seria necessário tantas famílias na tristeza da perda, as cidades destruídas e todo o esforço de reconstrução.
São realidades diferentes. Essa normalidade vai custar ocorrer. Como era antes, a gente sabe que não volta, vai voltar diferente. Esperamos nós que com mais prevenção sobre tudo isso. Essa história de atribuir tudo ao aquecimento global é uma história que tira a culpa dos entes políticos. E, na verdade, há culpados nessa tragédia, há culpados nesse desastre. Pelo menos por negligência, por imperícia, por imprudência. Mas há culpados.
Pode falar mais sobre as outras grandes enchentes que já ocorreram no Rio Grande do Sul? Na verdade, as cheias daqui não são ocasionadas por chuvas, as cheias aqui são ocasionadas pelo Guaíba. Na verdade, há muitas teses, algumas têm que ser comprovadas. Por exemplo, na saída, a Lagoa dos Patos deve ter uns 300 quilômetros, tem mais de 60 km de largura, é quase que um mar de água doce dentro do estado do Rio Grande do Sul. A Lagoa dos Patos é alimentada não só pelo Guaíba, pelo Camaquã, por outros rios. E mais, tem o canal de São Gonçalo que liga a Lagoa Mirim à Lagoa dos Patos. A Lagoa Mirim também é uma que deságua na Lagoa dos Patos e vai desaguar no mar. Eles fizeram os Molhes da Barra, em Rio Grande, que é mais de quatro de quatro quilômetros de pedras, uma obra gigantesca. Só que a saída dessa água para o mar dá pouco mais de 500 metros. Então, quando há cheia em Porto Alegre, a gente já se prepara aqui porque sabe que a coisa vai vir. Nunca tinha vindo nessa grandeza, nessa magnitude toda.
Mas 2015 foi assim, a água do Guaíba cresceu, eles fecharam as comportas em Porto Alegre, ela não chegou a transbordar, mas atingiu Pelotas. Pelotas tem uma característica que ela é banhada pelo canal São Gonçalo, que deságua na Lagoa. Então a Lagoa dos Patos faz parte daqui também. Ela é um L e, quando a Lagoa está muito cheia, o canal de São Gonçalo transborda. Esse é o problema aqui. E, na verdade, enquanto não houve modificação na saída da água para o mar, esses molhes que foram amplificados de lá para cá, houve vários problemas. Então a gente não sabe direito. Tem que ter uma maneira tecnológica de não ferir o meio ambiente, mas, de outra forma, ter uma solução.
A gente não sabia que isso ia ocorrer agora, se preparava lá para setembro, outubro, que as chuvas ocorrem com mais intensidade em setembro, outubro, é um período de chuvas aqui na região. Mas a gente sabia que quando ocorresse uma cheia grande em Porto Alegre, a gente acabaria pagando por isso. E a gente dizia “não é sorte, mas como está atingindo a capital, talvez eles se movimentem para impedir que isso ocorra”. E a capital agora está sofrendo isso muito de uma maneira como eu acho que nem em 1941 sofreu dessa forma de enchente.
Então, a gente espera que alguma coisa seja feita, não só simplesmente reconstruir o estado, que é importante, dar casa para as pessoas, pagar, quem sabe, uma indenização, um tipo de abono às pessoas que necessitam disso, dessa ajuda, mas também ver uma outra forma, seja de escoamento dessa água. Porque se essa água ficar presa aqui, esse fenômeno tende a se repetir em igual tamanho. Talvez não esse ano, mas quem sabe esse ano, já em outubro, novembro ocorra de novo.
Estamos sujeitos a isso porque houve uma mexida na saída da água em Rio Grande e, de lá para cá, a gente vem sofrendo isso com mais intensidade. Há uma forma de escoamento mais racional e que não interfira tanto no meio ambiente, porque, de qualquer forma, o homem já meteu a mão ali. Se está certo, está errado, isso aí a ciência pode dizer, um estudo mais apurado pode dizer. Mas o que não pode é as pessoas pagarem e achar que isso é natural. “Aconteceu nesse governo, mas poderia ter acontecido no outro”. Não! Houve uma falha dos governos, não só do governador Eduardo Leite, mas como dos prefeitos, que não agiram para impedir essa catástrofe da forma que ocorreu.
Em relação aos efeitos dessas enchentes. Você sabe de casos de pessoas que foram demitidas desde que começou essa catástrofe? Com certeza há pessoas que foram demitidas. Mas nossa região aqui é uma região diferente. O bairro mais atingido, que é onde eu moro, que é o Laranjal, são três praias. É uma colônia que tem basicamente apenas pescadores e já está quase 100% no abrigo. O Laranjal, que é formado pela praia de Balneário dos Prazeres, em que não sofre tanto, mas a água atingiu, já não existe mais margem, subiu bastante, mas é mais alto; o Valverde; e o Santo Antônio. Essas, sim, essas estão tomadas pela água da Lagoa e pela água do São Gonçalo que deságuam na Lagoa. Então está tudo cheio, tudo em baixo d’água. Mas é um bairro, não é a cidade toda. O que estava preocupando é porque essa subida nas águas, principalmente São Gonçalo, poderia atingir a toda a cidade, como atingiu em 1941. Mas, até o momento, as águas estão altas, mas estão estáveis ainda no meio. De hoje para amanhã vai chover cerca de 100 milímetros, mais a água que está baixando, a perspectiva é que mais pessoas sejam atingidas. Tomara que não. Tomara que isso não ocorra, que as comportas, que os diques deem conta, que a água não atinja a cidade.
Mas é bem possível de atingir, fruto do tamanho das águas que vem descendo pela lagoa e que deve atingir entre amanhã e quinta-feira a cidade de Pelotas. Pelotas, Rio Grande e São José do Norte. Rio Grande, ao contrário de Pelotas, já é o centro da cidade, o porto Velho. Quando os portugueses entraram aqui na primeira vez no Rio Grande do Sul. Eles acharam que a Lagoa era um Rio Grande, por isso que deram esse nome de Rio Grande do Sul. E de lá para cá, a primeira cidade do estado, a Rio Grande, ela foi atingida fortemente por essa alta na Lagoa dos Patos. Então, claro, ali no Mercado, Porto Velho, tudo atingido pela água da Lagoa. E em São José do Norte, que fica ao lado, para ter acesso a São José do Norte, que é a primeira cidade da BR 101, tem que ser por balsa, não existe como chegar lá de maneira rodoviária. São José do Norte também está sofrendo. A balsa já está fora de ação porque a lagoa está muito alta, ela não pode funcionar nesse nível. Então, a comunicação pela BR 101, só Porto Alegre, não tem mais como chegar em Pelotas porque não tem condição, não tem viabilidade de transporte. É bem complicado.
Segundo um balanço divulgado pela Defesa Civil, no dia 21 de maio, foram confirmados 161 óbitos. Você acha que esse número é próximo da realidade ou existe uma subnotificação? Eu acho que vai ocorrer mais porque o número de desaparecidos é muito grande. Nas cidades em que houve deslizamento, desmoronamento, as pessoas ficaram soterradas. Algumas, eles não acharam. Tem pessoas que estão desaparecidas desde a enchente de novembro do ano passado que eles não acharam ainda. Então o número de mortos, infelizmente, vai crescer. Não é questão de subnotificação, é questão de que as pessoas estão desaparecidas mesmo. As águas começaram a baixar e, aí, talvez alguns corpos apareçam. Outros, infelizmente, nem vão aparecer porque vão ficar soterrados. Apesar de todo esforço da população em ter seus entes queridos de volta, para poder enterrá-los, fazer uma cerimônia, seja lá o que for. Mas não tem como, porque é muito grande, então muita gente vai ficar desaparecido.
A imprensa noticia que as águas do Guaíba estão avançando sobre a Lagoa dos Patos. Qual é a situação geral de Pelotas neste momento? Apenas os pescadores do bairro Laranjal mais Pontal da Barra que foram atingidos. O resto, todo mundo está apreensivo, esperando o que pode ocorrer. Uma característica dessas cidades como Caxias, Pelotas é que são cidades governadas pelo PSDB. Então, a prática não difere muito de uma cidade para outra, ou da cidade para o governo do Estado. Mas a gente espera que aqui não ocorra [o mesmo], a situação da população é apreensiva, procurando saber, procurando se informar. As pessoas saíram de suas casas, até quem morava na zona do Porto aqui da cidade saíram da área. Alguns já voltaram, mas está todo mundo apreensivo ainda com essa vinda das águas. A gente espera que os diques consigam conter, mas é esperança, não se tem certeza de nada.
Quais foram os piores momentos que você passou até agora? Você teve que sair da sua casa? Você tá em algum outro local? Eu tive que sair. Os piores momentos são sempre discutir para onde vamos. A tendência da gente é não querer sair, sabe? Ou então retira as coisas e fica em casa. Muita gente ficou em casa no segundo piso. Fica no segundo piso, mas aí desce com água pelo pescoço. Como é que fica numa situação dessa? Então a gente tem que, às vezes, optar em sair. É muito ruim, é muito triste. Principalmente o povo trabalhador que, às vezes, passa uma vida inteira, como é o meu caso, construindo a casa, deixa a casa do jeito que quer e, de repente, vem uma tragédia dessa, uma calamidade dessas e desconstrói tudo que tu construiu, acaba com teu chão, tu fica sem saber para onde ir, né? E a gente até tem um certo recurso porque tem filhos, mas muita gente não tem para onde ir, tem que ir para os abrigos. E a pior coisa que tem é ficar sem privacidade nos abrigos, sujeito a todo tipo de enfermidade, de doença. Então é muito ruim, é muito triste isso, a gente não deseja para ninguém.
Existem relatos de que o nível da água em Porto Alegre está começando a diminuir. Você considera que há um deslocamento das águas para Pelotas, para o sul do estado? A água vem para cá com certeza. Ela chega aqui, vai em direção ao Rio Grande. Depende muito dos ventos, vento é uma coisa que pode contribuir favoravelmente. Então o vento Oeste, que toca a água para o mar, depende da maré. Se a maré não estiver alta, a água flui. Para Porto Alegre, o vento sudeste é ruim, para nós é bom porque meio que paralisa o Guaíba. E, então, as águas vão vindo mais devagar. E o vento nordeste, que é o vento que está se aproximando aqui, o vento leste, são ventos ruins que podem ocasionar uma tragédia pior ainda do que já ocorreu. Mas vamos fazer a luta. O que nós vamos fazer é tocar o barco para frente.