O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, decidiu arquivar o inquérito contra a deputada Clarissa Tércio (PP-PE), investigada por incitação ao protesto bolsonarista de 8 de janeiro de 2023. Segundo a Procuradoria-Geral da República (PGR), não houve indícios suficientes para incriminá-la, apesar de Tércio ter publicado em suas redes sociais um vídeo exaltando a invasão do Congresso Nacional. O episódio ilustra um duplo padrão da Justiça. Enquanto Tércio foi poupada, centenas de pessoas sem poder político ou apoio de partidos seguem presas em condições precárias.
A investigação contra Tércio teve início após uma postagem em que uma manifestante dizia que “tomaram o poder” durante a invasão do Congresso. A deputada justificou que o vídeo foi repostado por um de seus assessores e que estava com sua família em um resort no litoral de Pernambuco no dia dos atos. A PGR aceitou a explicação, o que contribuiu para o arquivamento do inquérito. Clarissa Tércio se declarou tranquila com a decisão, reafirmando seu compromisso com a Constituição e os valores cristãos, enquanto sua defesa preferiu não comentar o caso.
Em contraste, cerca de 1.430 pessoas foram presas por envolvimento nos atos de 8 de janeiro. Desse total, mais de 900 continuam detidas, acusadas de vandalismo e tentativa de golpe de Estado, sem as flexibilidades concedidas à deputada.
Esses presos, em sua maioria indivíduos sem grandes recursos, não possuem a proteção de cargos políticos ou o apoio de partidos poderosos. A prisão em massa foi apresentada pela Justiça como necessária para a manutenção da ordem, mas a seletividade com que se aplica a lei é evidente.
Essa decisão de Moraes em arquivar o caso de Tércio reflete uma abordagem cautelosa quando se trata de figuras políticas de maior relevância no bolsonarismo. A repressão tem sido rigorosa apenas contra os apoiadores de menor expressão, enquanto parlamentares e autoridades continuam a desfrutar de certa impunidade. Ao longo do ano, apenas 88 mandados de prisão foram cumpridos em operações relacionadas aos atos, e a maioria dos denunciados — incluindo financiadores e organizadores intelectuais do movimento — segue impune.
Essa seletividade expõe a ingenuidade dos setores da esquerda que clamaram por uma repressão judicial mais severa contra o bolsonarismo. Acreditavam que a prisão de apoiadores menores abriria caminho para a detenção dos líderes da extrema direita, mas o que se vê é que apenas os bolsonaristas sem influência continuam na mira de Moraes. Os principais articuladores do movimento permanecem ilesos, protegidos por seus cargos e conexões.
Não que alguém devesse ser punido por algo além do que comprovadamente fez e nos termos da lei existentes, ou por uma opinião política como apoiar um ato. É preciso, no entanto, usar o duplo padrão para lembrar os setores desorientados da esquerda brasileira sobre o que estão ajudando a construir, de fato, quando apoiam o ataque aos direitos democráticos do povo. Estão criando os mecanismos pelo qual a própria esquerda será reprimida.
A lição que fica é clara: o poder judiciário não está disposto a enfrentar a estrutura de poder da direita organizada. A repressão judicial, que pretendia garantir a “ordem”, mostrou-se limitada, ineficaz e altamente seletiva.
No fim das contas, o apoio irrestrito da esquerda à repressão judicial foi um erro estratégico grave. Ao promover o ataque aos direitos democráticos do povo, esses setores desorientados ajudaram a criar os mecanismos pelos quais a própria esquerda será futuramente reprimida.