Não me causou espanto a notícia veiculada em reportagem do portal Opera Mundi do último dia 16 de março sobre um debate realizado no Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) Unicamp intitulado O IEL deve cancelar Lobato?. Menos surpresa ainda me causou saber que o fato que gerou tal debate tenha sido uma pichação num cartaz de Monteiro Lobato colocado nas dependências do Instituto.
Nada disso causa espanto porque já se tornou corriqueiro nos meios universitários e acadêmicos manifestações de total ignorância desse tipo, guiada, como sempre, pela ideologia identitária.
Não fossem essas manifestações rotineiras de inferioridade espiritual e intelectual, é certamente espantoso que numa faculdade de Letras, de uma das universidades mais importantes do País, um escritor do quilate de Monteiro Lobato seja objeto não de um estudo sério, mas alvo de acusações histéricas.
Impossível não destacar, também, que não parece nada sério uma faculdade promover um debate sobre “cancelamento”, termo moderníssimo que está mais próximo de revistas de fofoca atuais do que propriamente de qualquer discussão literária séria.
De qualquer modo, ao ler a reportagem de Opera Mundi, ao menos uma coisa boa. A maioria dos depoimentos citados, ainda que não inteiramente corretos ou muito defensivos, eram favoráveis ao escritor. Fica, claro, inclusive, que a discussão foi incentivada pela histeria identitária que, no frigir dos ovos, tem muita opinião e nenhum conteúdo. Por isso mesmo, para o identitarismo, melhor uma fofoca (ou “lacração” segundo a linguagem moderninha ridícula) de Internet ou de corredores do que o debate público de ideias.
O acontecimento revela a pressão do identitarismo contra as personagens da história e da cultura do Brasil. Uma pressão reacionária que normalmente tem como principais vítimas justamente os mais inocentes, se é que podemos usar esse termo quando tratamos de história.
O lema dos identitários é a avacalhação geral do Brasil. Se é importante para o País, lá está um identitário ignorante para caluniar o defunto, às vezes morto há séculos. Lobato, por exemplo, hoje caluniado de racista, morreu em 1948, há 76 anos.
Enquanto esteve vivo, Lobato não foi menos caluniado. Chegou a ser preso pela ditadura do Estado Novo em 1941, justamente por sua insistência em defender uma política nacional para a exploração dos minérios, incluindo o petróleo.
Sua luta para o desenvolvimento nacional, principalmente com seus escritos sobre o ferro e o petróleo, foi fundamental para que, anos depois, o Brasil passasse a explorar tais minérios. Ou seja, Lobato foi um grande visionário, um homem progressista.
Com o fim do Estado Novo, foi convidado por Luís Carlos Prestes, assim como aconteceu com muitos intelectuais da época, a ingressar no PCB. Chegou a ser candidato pelo partido em 1945. A entrada desses intelectuais no PCB era uma expressão da política de alinhamento do stalinismo com a democracia imperialista. Mas isso não importa aqui, o importante é notar o espírito progressista de um homem como Lobato.
Os ataques atuais contra Lobato mostram o nível de reacionarismo dos identitários. E esses ataques são mais intenso quanto mais intensa é a ligação do personagem histórico com os interesses nacionais. Isso não é estranho se sabemos que a ideologia identitária foi criada e difundida pelo imperialismo para atentar contra a soberania nacional de países como o Brasil.
Tudo isso já seria suficiente para mostrar que as acusações contra Lobato são mentirosas. Mas mesmo se não fosse isso, bastaria dizer que Monteiro Lobato está entre os maiores escritores do início do século XX. Talvez ele seja o maior contista do que se convencionou chamar pré-modernismo. Uma faculdade de Letras deveria não apenas estudá-lo, como exaltá-lo como o herói de nossa língua, de nossa literatura.
Chama-o de racista quem nunca o leu, quem não chorou, por exemplo, com o conto Negrinha, apenas para ficar no exemplo mais dramático de sua denúncia social. Aliás, ao retratar tão bem a vida e os personagens do interior, do homem do campo, os contos de Lobato são denúncias sociais quase espontâneas, como uma fotografia de miséria que, por si só, denuncia as mazelas do mundo.
Não devemos esquecer sua contribuição para o desenvolvimento de uma literatura infantil nacional. Lobato certamente está entre os maiores do mundo nesse quesito.
Lobato tinha ideias confusas? Certamente. Mas não faz sentido medir o artista como se fosse um teórico de sociologia. O eugenismo, uma das acusações feitas pelos identitários, era moda na época, que tinha como adeptos inclusive homens negros.
Lobato, no entanto, como vimos, abandonou tais ideias no decorrer da vida.
E se tudo isso não bastasse, muito interessante o relato de Vanete Santana-Dezmann, pós-doutora em tradução pela USP e que, segundo a reportagem do Opera Mundi, afirmou no debate que Lobato “alfabetizou diversos homens pobres e negros” enquanto estava preso. Que racista é esse?
Chamar Monteiro Lobato de racista não é apenas demonstração de ignorância. É uma calúnia reacionária a serviço de interesses anti-nacionais, ou seja, contrários ao povo brasileiro.