Há muitos anos, o imperialismo vem promovendo uma campanha contra o governo de Bashar al-Assad, acusando este de ser impopular e antidemocrático. A mesma campanha que se vê na Venezuela, na Coreia do Norte e na Nicarágua. Mas que, curiosamente, não se vê na Ucrânia e na Arábia Saudita.
Qualquer característica do governo Assad, no entanto, era secundária diante do pano de fundo da crise síria: o cerco imperialista. Desde 2011, como resultado da contrarrevolução do imperialismo em resposta à Primavera Árabe, a Síria é vítima de um bloqueio econômico criminoso e de uma guerra civil bastante sangrenta. Com uma destruição dessa natureza, não há governo que não se desgaste.
No dia 8 de dezembro, quando Assad entregou seu cargo de presidente, os militares não lutaram. Na verdade, se recusaram a enfrentar os mercenários que já haviam sido derrotados anteriormente. Os militares, portanto, decidiram derrubar o governo Assad.
Desculpas não faltaram. Na hora do golpe, os militares se abraçaram à campanha pseudonacionalista que, havia anos, o imperialismo promovia, de que era necessário “libertar o país”. A questão é: libertar de quem?
Nas condições em que a derrubada de Assad ocorreu, o golpe de Estado foi, indiscutivelmente, uma vitória do sionismo e do imperialismo. Horas depois, o Estado terrorista de “Israel” aproveitou a situação para ocupar parte do território sírio. Os líderes imperialistas, incluindo o presidente norte-americano Joe Biden, comemoraram a queda de Assad.
A ação dos militares, portanto, não visava libertar o país do cerco imperialista. Não foi uma resposta às sanções criminosas. Foi uma colaboração direta com aqueles que já vinham sufocando o país.
Uma capitulação dessa envergadura, por parte dos militares, indica que estes já estavam cooptados havia muito tempo. O imperialismo, além das sanções e da ofensiva por meio de mercenários, ainda corrompeu os generais sírios.
Em artigo de 2020 publicado na revista Atlantic Council, a deterioração das forças armadas sírias já era notória. No texto Não mais confiável? O estado atual das forças armadas sírias, Abdulrahman al-Masri afirmava que:
“Ao longo dos últimos nove anos de conflito, os militares sírios têm sido fundamentais para garantir a sobrevivência do regime de Bashar al-Assad – não por causa de seu desempenho no campo de batalha, mas sim devido à sua lealdade consistente. Ao contrário de outras forças armadas estatais que enfrentaram desafios do regime pelos levantes da Primavera Árabe de 2011, as forças armadas sírias mantiveram a lealdade institucional. Desde que a família Assad assumiu o poder na década de 1970, os militares passaram por uma transformação estrutural que, por meio de mecanismos de controle e da posição hegemônica da minoria alauita, garantiu a lealdade da força e manteve o papel central dos militares na durabilidade do regime autoritário da Síria.
No entanto, o conflito atual realmente impactou a configuração do regime de Assad, bem como a estrutura e orientação de sua instituição militar, colocando em questão a lealdade deste último. As forças armadas sírias de hoje estão fragmentadas, a tomada de decisões é contestada e cada vez mais descentralizada, e o círculo de lealdade se ampliou de maneira sem precedentes. Além disso, uma multiplicação de atores de segurança e o envolvimento estrangeiro entrincheirado apenas complicaram a condição precária do setor de segurança e defesa da Síria, tornando as relações civis-militares menos previsíveis e mais vulneráveis aos desafios do regime.”
Ainda que a publicação tivesse o objetivo de desmoralizar o governo, preparando a investida contra Assad, ela já mostrava que, para o imperialismo, os militares eram um flanco descoberto do regime sírio.