O governo golpista de Javier Milei decretou, no último dia 20, uma ampla reforma no papel das Forças Armadas argentinas, conferindo-as atribuições que ultrapassam os limites impostos pela legislação anterior, de 2006. A medida, concretizada por meio do Decreto 1112/2024, institui a intervenção militar contra o país, autorizando a atuação dos militares em casos de ameaças de “terrorismo”, controle de fronteiras e proteção de infraestruturas estratégicas. O decreto, publicado no Boletim Oficial, marca uma mudança do papel militar no país, antes restrito a conflitos armados entre Estados.
Segundo o texto oficial, as Forças Armadas estão autorizadas a intervir em espaços terrestres, marítimos, aéreos, cibernéticos e no espectro eletromagnético, tanto em tempos de paz quanto em situações de conflito. A colaboração no controle de fronteiras é uma das novidades mais significativas, visando reforçar a vigilância em áreas consideradas críticas e supostamente combater atividades como narcotráfico, contrabando e o ingresso de grupos armados. Ademais, a nova regulamentação permite a participação militar na proteção de instalações essenciais, como represas e centrais nucleares, declaradas “zonas militares”.
O golpista Milei afirmou que: “o terrorismo e o crime organizado transnacional são ameaças reais que requerem respostas contundentes”. A ministra de Segurança, Patricia Bullrich, também defendeu a medida como uma necessidade frente a ameaças internas e externas.
A resistência à medida tem sido enfática por parte de entidades como as Madres e Abuelas de Plaza de Mayo, que denunciaram o impacto sobre as liberdades da população. Essas organizações também criticaram a demissão de mais de 2.400 trabalhadores do Ministério da Justiça, medida que enfraquece a Secretaria de Direitos Humanos.
A reforma não é um fato isolado, mas parte de um conjunto de políticas de austeridade e repressão que fazem parte do programa do governo Milei desde sua posse, em novembro de 2024. Ao mesmo tempo em que foi anunciado o decreto, ocorrem protestos contra cortes sociais, privatizações e a destruição dos direitos trabalhistas, nos quais a repressão estatal tem sido uma constante.
Historicamente, o termo “terrorismo” é usado para justificar intervenções autoritárias e repressões políticas. Durante as ditaduras militares sul-americanas dos anos 1970, qualquer oposição ao regime era rotulada como “terrorista”, legitimando sequestros, torturas e assassinatos em massa.
Organizações como os Montoneros, na própria Argentina, foram alvo de campanhas sistemáticas com base nisso. A mesma estratégia foi empregada em outros países do Cone Sul, como Brasil, Chile e Uruguai, sob a égide do Plano Condor, uma aliança repressiva coordenada pelas ditaduras militares da região com apoio dos Estados Unidos.
Na Europa, a Resistência Francesa, que lutou contra a ditadura nazista durante a Segunda Guerra Mundial, também foi chamada e como “terrorista” pelos nazistas e tornada ilegal. Esse rótulo buscava desmoralizar suas operações de inteligência e guerrilha urbana contra a ocupação nazista.
Nos anos 1970 e 1980, o mesmo expediente foi empregado contra movimentos de esquerda em diversas partes do mundo, incluindo organizações que lutavam contra o apartheid na África do Sul, como o Congresso Nacional Africano de Nelson Mandela, e movimentos de libertação nacional na Ásia e na África. No caso do Mundo Árabe, a luta contra a ocupação da Palestina pela ditadura sionista de “Israel” exemplifica essa estratégia.
Grupos como o Hesbolá e o Hamas, que resistem à ocupação e defendem o direito à autodeterminação, são frequentemente classificados como “terroristas” por “Israel” e o imperialismo. A Organização de Libertação da Palestina (OLP) também enfrentou esse rótulo durante anos, enquanto liderava a luta do povo palestino contra a invasão sionista.
Também cabe ressaltar as semelhanças entre a Argentina de Milei e outras ditaduras atuais. Em El Salvador, Nayib Bukele utiliza o pretexto do combate ao crime para justificar uma repressão em massa. Dina Boluarte, no Peru, reprime manifestações populares com extrema truculência, enquanto no Equador, Daniel Noboa adota medidas que centralizam o poder e enfraquecem a oposição. No entanto, não é preciso ir longe. No Brasil, o mesmo ocorre como foi demonstrado pelos casos de Lucas Passos e do marroquino Abdelkrim Ennahi.