Em 11 de abril, o portal Esquerda Diário, editado pelo Movimento Revolucionário dos Trabalhadores (MRT), publicou o artigo Ex-ministra de Lula votou pela soltura do acusado de ordenar assassinato de Marielle. O objetivo do artigo é claro. Sendo o MRT um dos primeiros grupos da esquerda golpista que queimou a largada da campanha “Fora Lula”, tendo chegado ao absurdo de culpar o governo pelo Marco Temporal, de autoria do Congresso Nacional, e não do Poder Executivo, o artigo é um típico texto para “jogar lama” na gestão do Partido dos Trabalhadores (PT).
Maliciosamente, o MRT indica, por seu título, que o governo Lula seria um gabinete de cúmplices de um assassinato. Isso porque uma ex(!)-ministra teria votado a favor da soltura do “acusado de ordenar o assassinato” da ex-vereadora Marielle Franco (PSOL).
Se o MRT quer mostrar os limites da política de frente ampla do governo, tudo bem. Se quer mostrar o quanto os “aliados” do governo são criminosos, uma vez que a direita é intrinsecamente criminosa, também não há problema algum. O que chama a atenção neste caso é que, na ânsia de apresentar o governo Lula como uma gangue de “milicianos”, o MRT omite o principal debate do caso.
Assim o MRT resume os acontecimentos:
“O plenário da Câmara dos Deputados aprovou, por 277 votos favoráveis, que Brazão continue preso […] É fato que ‘Daniela do Waguinho’ representa os setores mais reacionários da política brasileira. 129 contrários foram contrários à manutenção da prisão, destes dois deputados do Partido Verde, parte da frente ampla, e ainda 28 abstenções, sendo 4 destas por parte de deputados do próprio PT, incluindo o vice-presidente do partido, Quaquá […] Do mesmo partido de Sergio Moro e uma série de golpistas, possui vínculos históricos com a milícia carioca e compõe a Frente Parlamentar contra o Aborto […] Novamente fica nítido que essa mesma política de conciliação de classe que nos 13 anos de governo petista pavimentaram o caminho do golpe e a ascensão da extrema direita bolsonarista é repetida hoje, levando os setores mais reacionários a se fortalecerem […] Desde o assassinato de Marielle, viemos colocando desde o Esquerda Diário, que não seria possível resolver efetivamente este caso sem uma luta massiva, que impusesse uma investigação independente e uma efetiva luta pelo fim da impunidade.”
Segundo narra o Esquerda Diário, teria acontecido, na Câmara dos Deputados, uma votação que seria a seguinte: você é a favor de um bando de milicianos assassinar uma vereadora que denunciou publicamente crimes cometidos por policiais? E, segundo o Esquerda Diário, vários aliados do governo e até mesmo integrantes do partido do governo teriam dito: “sim, sou a favor do assassinato de vereadores“.
O debate naquela votação, ainda que a Câmara dos Deputados seja uma instituição onde vigora o fisiologismo, era sobre o regime jurídico no Brasil. O debate é: um deputado eleito pode ser preso durante o seu mandato, como resultado de uma investigação policial? Os parlamentares podem ter as mais diversas opiniões sobre isso. No entanto, a opinião deles não têm importância, pois a própria Constituição Federal já tem uma posição sobre isso.
Em seu artigo 53, a Constituição afirma que:
“Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 35, de 2001)
§ 1º Os Deputados e Senadores, desde a expedição do diploma, serão submetidos a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 35, de 2001)
§ 2º Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 35, de 2001)
§ 3º Recebida a denúncia contra o Senador ou Deputado, por crime ocorrido após a diplomação, o Supremo Tribunal Federal dará ciência à Casa respectiva, que, por iniciativa de partido político nela representado e pelo voto da maioria de seus membros, poderá, até a decisão final, sustar o andamento da ação. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 35, de 2001).”
O debate, no final das contas, não era um debate de opiniões. O debate era se a Constituição seria respeitada – mais precisamente, se um dispositivo democrático da Constituição seria respeitado – ou não. E o MRT, no que omite esse debate e ainda sai acusando o governo de abrigar supostos cúmplices de supostos mandantes de assassinato, deixa claro que, para ele, as questões democráticas não têm a menor importância.
Desse mesmo jeito, apelando para casos de repercussão nacional e omitindo informações diversas, a Rede Globo, há não muito tempo, convenceu todo um setor da esquerda a apoiar a Operação Lava Jato.