O professor Lejeune Mirhan, em artigo publicado no Brasil 247, defendeu a tese de que o novo governo de Donald Trump será “o mais fascista e sionista de toda a história dos EUA”. Para justificar tal afirmação, Mirhan faz uma análise dos primeiros indicados pelo presidente eleito sem, no entanto, conseguir explicar sua conclusão.
Mesmo reconhecendo a total decadência do domínio imperialista mundial atualmente – “o império segue forte e pode infernizar a vida de bilhões de pessoas”, diz -, o artigo de Lejeune é repleto de contradições, expressas quando afirma, por exemplo, que “as 836 bases militares espalhadas em 106 países não serão desmontadas na gestão Trump e nem acho que ele sairá da OTAN, ainda que aumentem as chances de que isso ocorra até o final da sua gestão”.
O professor assume que existe uma possibilidade (que ele acha não ser viável, e pode estar certo) de que “aumentem as chances” dos EUA saírem da OTAN, a organização mais fascista do mundo. Ora, se existe a possibilidade de Trump enfraquecer a OTAN (e, na verdade, uma saída dos EUA acabaria definitivamente com a organização militar), a declaração de que seu governo será o “mais fascista” da história dos EUA é, essencialmente, errada.
A OTAN foi estabelecida após a Segunda Guerra Mundial com o objetivo, expresso publicamente, de “combater o comunismo”. Existe algo mais fascista do que isso? A aliança militar imperialista tem o objetivo claro de promover as guerras desumanas do imperialismo e foi organizada com notórios generais nazistas da época da Alemanha Nazista: Adolf Heusinger, que chegou a ser secretário-geral da organização; Hans Speidel, entre outros.
Atualmente, além do governo sionista de “Israel” – responsável pelo pior genocídio do século XXI contra os palestinos -, a OTAN patrocina os nazistas puro-sangue que lutam contra os russos na Ucrânia. Se Trump, de fato, enfraquecer a OTAN — por mais que não saia da aliança, algo pouco provável — isso, em si, já não poderia caracterizá-lo como o governo “mais fascista” da história dos EUA.
Lejeune justifica seu argumento com base no problema ideológico e, por isso, faz uma análise ideológica dos trogloditas indicados por Trump. O problema, no entanto, é que o marxismo nos ensina que uma análise classista da situação política (e o fascismo só pode ser avaliado nessa perspectiva) não pode se centrar na questão ideológica, mas na situação política concreta.
Por isso, pouco importa se os indicados por Trump “têm um perfil amplamente conservador, direitista, de sionistas cristãos (à exceção dos judeus propriamente ditos) e de baixo perfil profissional, ou seja, pessoas quase que sem experiência em suas áreas de indicação”. Aliás, essa última afirmação, contra as “pessoas quase que sem experiência em suas áreas de indicação”, é uma idiotice. Lejeune, porém, insiste nesse argumento, e diz em seguida:
“Ele rompe normas e exigências para a ocupação de vários cargos e funções, indicando pessoas que não possuem qualificações para exercerem as funções”.
O problema desse argumento é que ele é o mesmo frequentemente utilizado pela imprensa imperialista para criticar os governos que ela não apoia. Pois, claramente, quando se estabelece esse critério de “pessoas aptas” ou não, o que se coloca é que esses cargos deveriam ser exercidos pelos profissionais pagos do imperialismo. No Brasil, por exemplo, ninguém criticou Michel Temer por colocar o skinhead Alexandre de Moraes no comando do Ministério da Justiça — simplesmente a pessoa que mais quebrou burlou leis no País nos últimos 20 anos, no mínimo.
Por outro lado, quando Bolsonaro indicou o colombiano Ricardo Vélez Rodríguez — um olavista — para o MEC, a imprensa caiu matando, destacando uma suposta falta de qualificação, mesmo ele sendo professor. Portanto, esse argumento é simplesmente idiota e, ainda menos do que as outras questões apresentadas, não pode servir para caracterizar um governo.
Na sua análise dos ministros, Lejeune coloca, claramente, a ênfase nas seguintes questões: eles são contra a imigração, profundamente sionistas (alinhados com o setor mais direitista do sionismo israelense), fascistas e “negacionistas”. Mas aqui vale a pergunta: o governo do Partido Democrata não era, mais ou menos, do mesmo jeito?
Na questão da imigração, por exemplo, a mesma política fascista de Trump foi mantida, lembrando aqui o episódio de brutal repressão a imigrantes haitianos logo no início do governo Biden, e a manutenção das jaulas para crianças imigrantes na fronteira.
Em relação ao sionismo e ao fascismo, já destacamos: o governo Biden é patrocinador do fascista Netaniahu na Palestina e dos nazistas na Ucrânia. A diferença, essencial, é que, ideologicamente, os sionistas de Trump seriam mais alinhados com a extrema direita israelense. Na prática, porém, isso não muda nada significativamente: até porque os grandes responsáveis pela limpeza étnica na Palestina desde a nakba em 1947 foi o setor “democrático” do sionismo, o Partido Trabalhista de Ben Gurion, Golda Meir, Isaque Rabin, etc.
Sobre o “negacionismo”, Lejeune, aqui, mostra uma total convergência com a política do imperialismo para a saúde — o total desastre que foi durante a pandemia da Covid-19. “Calem-se todos: apenas o Ministério da Ciência e da Verdade pode dizer o que é e o que não é. O debate deve ser evitado!”.
Essa acusação de “negacionista” surge, principalmente, por conta da indicação de Roberto Kennedy Jr. para secretário da Saúde e Serviços Humanos. “Sua marca maior é o negacionismo científico. Ele é dos maiores combatentes das vacinas.
Ataca a FDA, a agência que regulamenta alimentos e medicamentos. Entre outras polêmicas, além de antivax, como são conhecidos, ele defende a comercialização do leite in natura (sem pasteurização), que se receite a ivermectina para combater a COVID tratamento do tal oxigênio hiperbárico.”
O que tem em atacar a FDA? O que tem em questionar a vacina? Qual o problema de defender a tese da ivermectina para combater a Covid? A ciência só evolui com a apresentação de teorias divergentes. O que se viu durante a Covid foi uma total proibição do debate público — proibição essa que serviu para esconder mazelas claras, uma delas, algumas reações negativas resultantes das vacinas.
Mas, enfim, Lejeune, ao avaliar os secretários de Trump, acaba se autocontradizendo quando fala em Tulsi Gabbard, indicada para Diretora da Inteligência Nacional. “Ela defende a saúde universal, apoiou Bernie Sanders como pré-candidato à presidente em 2020. Apoia o direito integral ao aborto, assim como o casamento homoafetivo. Na guerra contra a Síria em 2017, ela se ofereceu a ir ao país dialogar com o presidente Bashar e jamais aceitou a versão de que ele disparou armas químicas contra seu povo”.
“É a favor da descriminalização das drogas. Como se vê, uma deputada com posições progressistas e nada conservadoras, mas que se converteu ao Partido Republicano. O tal mundo da espionagem está profundamente irritado com a sua indicação”.
Quer dizer, Trump colocou no controle da espionagem norte-americana uma pessoa totalmente oposta à CIA. É uma decisão que joga uma bomba da política de espionagem dos EUA, o instrumento mais contrarrevolucionário da história.
Além disso, colocou o capitão troglodita Pete Hegseth na Defesa, rompendo com a política de colocar alguém diretamente indicado pelo Pentágono, algum general que responde diretamente ao complexo industrial-militar. E, assim, jogou uma bomba também nesse setor. Vê-se, então, que Trump ainda atacou o chamado “Estado profundo” dos EUA: espionagem e defesa.
Naturalmente, teve que conceder posições-chave para o mesmo “Estado profundo” — isto é, a máquina imperialista que independe de governo. Por exemplo, Marco Rubio como secretário de Estado. Rubio deve intensificar a pressão contra os países do bloco contra o imperialismo na América Latina: Venezuela, Nicarágua, Cuba, etc.
Essa análise, porém, passa longe do artigo de Lejeune, que busca a simplificar as coisas em sua conclusão. Ele se resume a dizer que “o que podemos esperar são tempos sombrios. Uma disputa acirrada, muito além da política, uma disputa ideológica. No campo das ideias”. Como vimos acima, o problema da análise de Lejeune é justamente essa: colocar o problema ideológico acima das condições políticas concretas.
Ele ainda diz que “não tenho dúvida que Trump e seu grupo e apoiadores em todos os países irão fortalecer as correntes mais à direita e o fascismo onde isso for possível”, no que ele está certo. E conclui: “mas a correlação de forças no mundo está e alterando rapidamente. (…) Não há por que temer esse imperialismo. Ele não é um tigre de papel, como Mao Zedong dizia, mas também não é um monstro que não pode ser abatido. A vitória está ao alcance das nossas mãos.”
Por mais que a avaliação seja positiva — e, de fato, o imperialismo está na sua maior crise desde a Segunda Guerra Mundial — devemos avisar o professor que uma luta concreta contra o imperialismo só pode ser feita mediante uma análise científica dos fatos para poder estabelecer um programa concreto de luta. Análises como essa sobre o governo Trump, pelo contrário, é carregado de preconceitos da política oficial do imperialismo.