Em poucos dias, o ministro dos Direitos Humanos do governo Lula, Silvio Almeida, sofreu o que se costuma chamar de “fritamento”. Após acusações de ter cometido assédio sexual contra algumas mulheres, incluindo a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, Almeida passou a ser alvo de uma campanha para que saísse do governo. A campanha surtiu efeito, e o presidente acabou demitindo o ministro.
Lula tem todo o direito de demitir quem bem entender em seu primeiro escalão. Ainda mais uma figura tão negativa quanto Silvio Almeida, um dos seus ministros mais direitistas, que foi incapaz de, em quase um ano de genocídio na Faixa de Gaza, defender explicitamente o povo palestino. Um ministro que, mesmo comandando a pasta de Direitos Humanos, foi incapaz de tomar qualquer medida diante das chacinas promovidas pela polícia. Um homem que, durante um ano e meio, não tomou uma única iniciativa para diminuir o sofrimento da população carcerária.
Silvio Almeida não só é um direitista como é parte da constelação de identitários que sabota o governo. Isto é, que defende uma política contrária aos interesses do governo e, ao mesmo tempo, “levanta a bola” para que a extrema direita o ataque. O Ministério de Almeida, por exemplo, foi responsável por envolver o governo Lula em uma polêmica absurda sobre o chamado “banheiro trans”.
O problema de Lula se livrar de Silvio Almeida neste momento é que o presidente não está reagindo à sabotagem dos identitários. Lula não está varrendo o identitarismo para fora da Esplanada dos Ministérios e trazendo pessoas de sua confiança, que estejam alinhadas aos interesses dos BRICS. Lula simplesmente demitiu Almeida porque a grande imprensa, em conjunto com os outros identitários de seu governo, pediram a cabeça do autor de O que é racismo estrutural.
Seja Almeida um péssimo ministro ou não, tenha ele assediado alguém ou não, o fato é que a sua demissão quase que instantânea revelou que o governo Lula é muito vulnerável a qualquer pressão. Não foram apresentadas provas contra o ministro, mas apenas acusações de uma Organização Não Governamental (ONG) bastante suspeita, que recebe financiamento da federação dos banqueiros, a Febraban. As acusações podem muito bem ser verdade, mas podem também ser mentira. Fato é que o governo não teve condições de fazer uma investigação a respeito.
Se Lula demitiu Silvio Almeida automaticamente porque identitários como Anielle Franco gritaram, porque a imprensa fez um escândalo e porque uma ONG de nome estrangeiro endossou a campanha, então a coisa mais fácil do mundo, daqui para frente, será intervir no primeiro escalão do governo. O que fará Lula quando surgirem acusações não contra um traste como Silvio Almeida, mas contra uma peça importante de seu governo, como a atual presidente da Petrobrás, que é uma aliada dos planos econômicos do petista? O que fará Lula quando acusações grotescas surgirem contra o seu ministro do Trabalho, que é o único sindicalista no primeiro escalão? E, pior ainda, o que fará a esquerda quando um colunista peçonhento como Merval Pereira começar a acusar o próprio Lula de ter assediado alguém?
O maior problema da decisão é, como se pode ver, que ela abriu um precedente para que novas interferências ocorram. Em um passado não muito distante, as acusações do Mensalão serviram para que os principais dirigentes do Partido dos Trabalhadores (PT), como José Dirceu e Delúbio Soares, perdessem influência sobre o partido e sobre os governos petistas. Algo semelhante poderá ocorrer se o governo continuar capitulando diante desse tipo de pressão.