O resultado das eleições francesas continua gerando debates no país devido ao golpe de mão sofrido pela esquerda francesa. Recentemente, o pai do presidente francês, Emmanuel Macron, deu entrevistas à imprensa francesa indicando que um dos principais objetivos do presidente ao antecipar as eleições teria sido de impulsionar o campo de Le Pen.
“Se o RN mostrar em dois anos que é perfeitamente incapaz de governar, podemos esperar que não vá mais longe. Foi mais ou menos o que meu filho me disse dois meses antes das eleições europeias” (“Vu du Royaume-Uni. Législatives : les résultats du 7 juillet sont “du pain bénit pour Marine Le Pen””, Courrier International, 8/7/2024), relatou Jean-Michel Macron, pai do mandatário.
Se era a intenção mesmo ver o RN ganhar e cair em desgraça nesses dois anos, é difícil saber, mas outros movimentos, como o do partido LR, indicam um deslocamento da direita francesa à extrema direita que tornaria o cálculo do imperialismo ligeiramente diferente. Em vez de desmoralizar o RN, desmoralizaria o que resta de esquerda na França hoje (principalmente, o partido França Insubmissa), já com vistas às eleições gerais previstas para ocorrerem em 2026.
No entanto, puxados principalmente pelo partido de esquerda França Insubmissa (FI), a extrema direita (representada pelo partido Reagrupamento Nacional), acabou terminando em terceiro lugar no segundo turno, após demonstrar grande vitalidade no primeiro turno e chances de dominar completamente a Assembleia Nacional (câmara baixa do parlamento francês, similar à Câmara dos Deputados do Brasil).
Pressionados a evitar a ascensão do partido da extrema direita, o FI entrou para uma coalizão formal com os direitistas Europa Ecologia – Os Verdes e o Partido Socialista, que juntos também ao Partido Comunista Francês formaram a Nova Frente Popular, o que evoluiu para uma aliança informal com o Juntos (a coalizão alinhada a Macron). A extrema direita seria derrotada, mas o resultado ainda é visto de maneira muito negativa pelo povo francês.
Conforme pesquisa de opinião divulgada em um dos principais órgãos do imperialismo francês, o Le Figaro (“Insatisfaits du résultat des législatives, les Français rejettent très largement un gouvernement du NFP”, Martin Lagrave, 11/7/2024), seis franceses em cada 10 (60%) consideram que a dissolução da Assembleia Nacional foi uma “má decisão”. A mesma pesquisa aponta ainda que a maioria dos franceses (61%) declara-se “insatisfeita” com a configuração do parlamento, que torna a formação de uma maioria muito difícil. Importante destacar: tudo isso menos de uma semana após o segundo turno das eleições legislativas.
Por fim, a pesquisa demonstra que, entre os mais politizados, portanto mais propensos a agir, a insatisfação é muito maior. Entre a base do RN, 91% se declaram insatisfeitos com o resultado das urnas. Já entre os direitistas mais próximos do RN, o partido Republicanos (LR), 83% estavam na mesma. Entre os simpatizantes do Juntos, um expressivo contingente de 54% não estavam contentes com o resultado.
O jornal imperialista destaca que a esquerda seria a única “satisfeita” com o resultado das urnas do dia último dia 7. “A vitória da Nova Frente Popular (NFP) é percebida como uma coisa boa”, diz Le Figaro, “os ‘satisfeitos’ são 82% entre os insubmissos, 70% entre os socialistas e 62% entre os ecologistas”, conclui.
Com tanta ilusão difundida e acriticamente aceita pela esquerda, é possível que a configuração entre as bases eleitorais de cada um dos três campos seja muito próximo disso. A esquerda, sobretudo, foi levada a crer que a votação obtida pela NFP implicava em uma vitória para o campo, o que está se mostrando falso.
Principal líder do França Insubmissa, o deputado Jean-Luc Mélenchon já exigiu, ainda no dia 7 de julho, que Macron “renuncie ou nomeie um primeiro-ministro proveniente da coalizão”.
O jornal continua dizendo que “a hipótese de ver as [agremiações de] esquerdas governarem sozinhas é rejeitada por quase três quartos (73%) dos franceses”, e que “diante dessa crise política emergente e de um risco de bloqueio institucional, 43% dos franceses favorecem a solução, expressa por Emmanuel Macron nesta quarta-feira em sua carta, de um governo de coalizão”. Aqui, naturalmente, Le Figaro fala o que seus representados (o imperialismo) querem que seja difundido. Macron tem um completo descrédito do povo francês, tanto que precisou recorrer a golpes e manobras para se manter com algum controle da situação.
O posicionamento, no entanto, serve para reforçar que, a despeito de toda a histeria com a extrema direita, a esquerda (e em especial o FI) continua sendo o principal alvo do imperialismo francês. Percebendo que foi golpeado, Mélenchon já pediu a renúncia do presidente e afirma intenção de aplica integralmente seu programa, que tem gerado ojeriza no imperialismo, ou não fará nada, aparentemente não deixando espaço para qualquer tipo de compromisso.
Macron, por sua vez, mostra-se resoluto em impedir Mélenchon, fazendo com que a artilharia da propaganda imperialista francesa esquecesse Le Pen e centrasse fogo no esquerdista. É preciso agora acompanhar o desfecho da situação criada pela eleição parlamentar e saber como o líder da FI reagirá aos golpes que tem sofrido, e até onde irá para atender a vanguarda que o apoia.