Os atos de 1º de Maio de 2024 foram algo escatológico por si só. Em São Paulo, onde tradicionalmente ocorre a manifestação mais importante do Dia Internacional dos Trabalhadores, o público não chegou a três mil pessoas. Centenas de manifestantes foram impedidos de entrar por causa de banalidades como trazer uma garrafa de água ou um guarda-chuva. Outros tantos tiveram de se deslocar por horas, uma vez que o ato foi em um local distante do centro. Nada disso, no entanto, se compara ao mais grave erro de seus organizadores: a total ausência de um programa de luta por reivindicações dos trabalhadores da cidade e do campo.
Foi tudo tão negativo que nem mesmo os setores governistas da esquerda pequeno-burguesa saíram em defesa da manifestação. Nem mesmo os mais otimistas conseguiram apresentar o fiasco do 1º de Maio como um grande feito. No entanto, na tentativa de mostrar que tudo vai muito bem, apesar do fiasco, o blogueiro Eduardo Guimarães encontrou uma forma de dizer que a correlação de forças segue favorável.
No texto Madonna compensou o primeiro de maio, publicado pelo Brasil 247, Guimarães afirma que a apresentação musical protagonizada pela artista norte-americana Madonna “desesperou o bolsonarismo e fez os crentes de fancaria arrancarem as calças pela cabeça“.
Essa seria, então, a comparação da apresentação da artista norte-americana com o 1º de Maio. Ao ter “desesperado o bolsonarismo”, Madonna teria conseguido o que o 1º de Maio não conseguiu. E, portanto, teria “compensado” o fiasco naquela data histórica.
Que uma ampla mobilização por salário, terra e emprego seja compensado por uma apresentação musical é realmente uma ideia de quem já se perdeu completamente na situação política. De quem, diante do avanço da extrema direita, prefere negar até o fim que a situação chegou a um patamar gravíssimo. Guimarães, embora aqui se manifeste de maneira muito extravagante, é apenas o reflexo do conjunto da esquerda pequeno-burguesa, que, diante da ofensiva da direita, adere ao total desespero político, abraçando-se à direita “democrática”.
Vejamos, contudo, quais seriam os grandes motivos de Guimarães para defender que Madonna teria colocado os bolsonaristas na defensiva.
“O que chocou a extrema-direita e lavou a alma da esquerda foram Paulo Freire, Marielle Franco, Che Guevara e a Pablo Vittar e Madonna vestindo a camisa da Seleção e empunhando a bandeira do Brasil, mostrando que esses símbolos não têm dono.”
Pelo que fala Guimarães, fica claro o que teria acontecido de tão “esquerdista”. O grande feito de Madonna teria sido, ao lado de Pablo Vittar, em algum momento, fazer referência a Marielle Franco, que, embora não fosse uma liderança importante em vida, se tornou um símbolo de uma difusa oposição à extrema direita; a Paulo Freire, que simboliza uma luta difusa pela educação; e Che Guevara, esse, sim, um revolucionário, mas cuja morte ocorreu há mais de 50 anos.
O que a apresentação de Madonna teria a dizer sobre a luta dos trabalhadores hoje? No que contribui efetivamente para uma mobilização contra o genocídio do povo palestino? No que contribui para a luta contra a sabotagem do Banco Central? No que contribui para a luta pela reestatização da Eletrobrás? No que contribui para o aumento do salário mínimo?
Em absolutamente nada. O que Guimarães faz ao rasgar elogios políticos à apresentação de Madonna é substituir a luta dos trabalhadores por suas reivindicações concretas por um ativismo de caráter “simbólico”, que tem o mesmo valor da atuação parlamentar na política burguesa. Ou seja, nenhum.
Quanto a isso, é incrível que Guimarães realmente acredite que a apresentação de Madonna teria a capacidade de mudar a mentalidade de mais de um milhão de pessoas. Diz ele:
“Madonna indicou o caminho para a esquerda brasileira, sobretudo para esse sindicalismo mais perdido que cego em tiroteio, incapaz de fazer o que Madonna fez com um pé nas costas: pôr gente na rua – ou melhor, na praia. Madonna fez política na melhor acepção da palavra. Muita política. E esfregou na cara amarrada da extrema-direita aquele 1,6 milhão de potenciais esquerdistas vibrando com as performances orgásticas LGBTQIA+, hétero, queer etc., etc.”
A verdade é que Madonna não indicou o caminho de nada. Ninguém que tenha ido à sua apresentação deixou de ser bolsonarista e passou a ser lulista por causa do que fez no palco. Quem foi para o evento, foi para ver Madonna e ponto. A artista é, no final das contas, parte de um fenômeno que poderia ser classificado como “subcultura”. Seu objetivo não é convencer ninguém, não é politizar ninguém. Pelo contrário: é dar vazão aos aspectos mais decadentes da sociedade.
O artigo de Guimarães falha miseravelmente ao apresentar Madonna como uma nova liderança operária brasileira, mas diz muito sobre ele e sobre quem defende as mesmas ideias. O artigo mostra que, na medida em que a extrema direita avançar, haverá um setor da esquerda disposto a tudo, menos levar adiante uma luta política real.