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Ric Jones

Médico homeopata e obstetra. Escritor, palestrante da temática da Humanização do Nascimento no Brasil e no exterior.

Medicina privatizada

Medicina de primeiro mundo

Quais os riscos do neoliberalismo à saúde

 

“Quando criança eu adorava ver os filmes de médicos, como Dr. Kildare e Marcus Welby Md e depois os seriados como Plantão Médico e Gray’s Anatomy. Eu queria ser o Dr. Doug Ross, o George Clooney de estetoscópio no pescoço. Meu sonho sempre foi ser um médico americano rico, como nas fantasias das séries e dos filmes que assisti”

Quando alguém me disse contou essa fantasia eu imediatamente lembrei do meu colega Erick, com quem conversei em Cleveland, um jovem médico de família que trabalhava no hospital de clínicas da Case Western Reserve University. Perguntei a ele como eram as atribulações jurídicas dos profissionais do hospital, pois a ideia geral no Brasil é de que os médicos americanos passam boa parte do seu tempo preocupados com isso. Ele respondeu que os processos são o cotidiano de qualquer profissional. Todos passam por isso, sem exceção. Contou de um recente caso em que esteve envolvido no qual o hospital acabara de pagar 8 mil dólares num acerto pré-judicial entre as partes como indenização por uma cirurgia de circuncisão que havia feita em um recém-nascido.

Eu ja escrevi vários textos sobre cirurgias ritualísticas e mutilatórias da medicina ocidental” exatamente para falar sobre a obsessão americana por esta operação, que não apresenta nenhuma vantagem para os pacientes e pode produzir sérios danos para os meninos, em especial na queda da sensibilidade e no desempenho sexual. É a “episiotomia” dos meninos. Perguntei a ele a razão do processo, e pensei em uma tragédia como infecção, necrose, amputação, etc.

– Não, nada disso. Foi algo bem tranquilo, mas a família reclamou porque julgou que eu havia cortado muito pouco.

Perguntei se ele acreditava que um juiz daria ganho de caso para um pedido tão absurdo dos familiares como este, ao que ele respondeu: “Não, nós certamente ganharíamos, mas as custas judiciais chegariam a 9 mil dólares, então preferimos pagar 8 mil para a família. Assim ficou melhor, não acha?”

Não, não ficou melhor, pensei eu. Esse tipo de atitude aparentemente conciliatória estimula a famigerada indústria dos processos médicos que têm na medicina americana o seu local de maior florescimento. Esses dólares gastos com processos fúteis na verdade alimentam bancas de advogados que enriquecem às custas da exploração destes casos. É por histórias como essa, que colhi de muitos médicos que conheci nos Estados Unidos, é que tenho certeza que jamais me adaptaria a trabalhar um contexto médico como o americano. Lembro de conversar com estudantes de medicina de lá que me contavam que a lógica para montar um consultório era a mesma que era utilizada para abrir uma sapataria. O mesmo tipo de publicidade, o oferecimento de “modelos da moda”, a mesma busca por doenças atuais, a febre por equipamentos sofisticados, a publicidade abusiva, a busca por soluções químicas ou tecnológicas, etc. Dinheiro, essa era a palavra mágica.

Não apenas isso. Os médicos contratados por clínicas ou hospitais se tornam escravos de luxo do sistema, mas precisam dar lucro para as instituições e para a indústria – farmacêutica, hospitalar, de insumos, etc. O médico não recebe nenhum respeito destas instituições contratantes; ele é estimulado para que seu trabalho gere dividendos para a empresa. A comparação com o futebol faz todo sentido: “você vai jogar no nosso time, mas tem que fazer gol. E o gol não é a saúde do paciente, mas o lucro de quem lhe paga. Não pense que poderá tratar seus clientes como deseja; você é uma engrenagem da nossa máquina”.

A qualidade de vida do médico americano não é nada boa. De acordo com pesquisas, 1 entre 15 médicos tem ideias suicidas. O stress jurídico, a carga horária, o distanciamento afetivo dos pacientes, os custos de um consultório, etc, tornam essa profissão algo que os próprios americanos não desejam mais. Pense bem: por que 27% dos médicos americanos não estudaram medicina nos Estados Unidos? Estima-se que os estados Unidos deverão enfrentar uma enorme escassez de médicos para os próximos anos, chegando a uma falta de 124.000 médicos no ano de 2033. A propósito, um fenômeno importado da Inglaterra, onde 37% dos médicos ingleses não são formados no Reino Unido. Também a Austrália, com 22% de estrangeiros e o Canadá com 17% seguem esse caminho – todos países desenvolvidos e com o mesmo problema de uma medicina altamente judicializada. Mais ainda: por que estão convidando médicos de outros países para trabalharem lá? As propagandas nas redes sociais chamando profissionais da medicina para vagas nos Estados Unidos são uma clara demonstração desse problema. Estão oferecendo vantagens para que médicos aceitem trabalhar num modelo de saúde que, apesar se ser altamente tecnológico, tem os piores resultados entre todas as nações industrializadas do planeta. Os Estados Unidos estão além do 50º lugar em mortalidade neonatal, e um dos poucos lugares onde a mortalidade materna aumenta. Os custos para os pacientes são impactantes, e milhares de americanos vão à falência por transtornos médicos que, no Brasil, seriam financiados pelo Estado. Nos Estados Unidos 500 mil famílias por ano perdem tudo por dívidas com os hospitais. Meio milhão de famílias! Este é o lugar onde as pessoas se recusam a chamar uma ambulância por medo dos custos, e onde a saúde não é um direito universal de todo cidadão, mas um produto que é comprado apenas por quem tem dinheiro.

Sim, os americanos que vivem no país (ainda) mais rico do planeta têm um sistema de saúde caótico, totalmente privatizado, de resultados tremendamente ruins, onde os médicos são maltratados e se tornam reféns de uma estratégia de atenção à saúde baseada no lucro. Nesse modelo a saúde dos pacientes não é a prioridade. Não esqueçam que lá, em especial, o bem-estar das pessoas é contraproducente: não gera lucro, não movimenta a economia e não produz riqueza. Por outro lado, uma população doente lota os consultórios, consome consultas de emergência, realiza internações e compra remédios. Esta é a mesma lógica capitalista usada em qualquer sociedade baseada no consumo: a infelicidade é estimulada pela propaganda porque se descobriu que gente feliz não precisa comprar coisas.

É preciso muita coragem para se aventurar na medicina americana, o pior sistema de saúde jamais gerado pela humanidade.

*A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, as do Diário Causa Operária

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