Neste artigo, continuamos a série de entrevistas com militantes do coletivo de mulheres Rosa Luxemburgo que participaram da manifestação do Dia da Mulher Trabalhadora na Avenida Paulista, em São Paulo.
Agora, entrevistamos, em conjunto com a Causa Operária TV (COTV), Maya Bastos, militante da Aliança da Juventude Revolucionária (AJR) e do Coletivo Rosa Luxemburgo. Bastos esteve presente no ato do começo ao fim, e relata, em primeira mão, detalhes acerca das conversas que as mulheres do PCO tiveram com a autoproclamada organização do ato e das agressões sofridas pelas militantes do Rosa.
Confira, abaixo, a entrevista na íntegra, a qual também será disponibilizada no canal no YouTube da COTV:
O que as mulheres do PCO fizeram assim que souberam que o PCO não ia falar, que o pessoal que se diz a organização do ato disse que o PCO não falaria de jeito nenhum naquela manifestação? A Izadora [Dias, coordenadora do coletivo de mulheres Rosa Luxemburgo] percebeu que não conseguiria falar pacificamente de maneira tranquila. O primeiro contato já foi um contato meio hostil, o pessoal já começou a falar meio passivo-agressivo, parecia que eles estavam tratando com um lunático, quando a pessoa não leva a sério e fica chamando a atenção do resto das pessoas, [como se dissesse] “está vendo esses malucos aqui?”.
Tudo estava com muito tom de deboche, muita grosseria. Alguns companheiros vieram chamar o resto das companheiras do Rosa e do Partido para ir lá ajudar a Izadora, conversar com o pessoal da organização, porque finalmente uma pessoa sozinha é uma coisa, várias pessoas é outra coisa.
Então, eu cheguei lá, estava com a Izadora, falando um pouquinho mais intensamente com a organização, perguntando novamente e novamente e novamente por que o pessoal não poderia falar no ato de jeito nenhum. E elas continuaram falando “não vai, não vai de jeito nenhum, você pode fazer o que você quiser, vocês não vão falar de jeito nenhum”.
Até que a Izadora perguntou qual era o motivo, perguntou o porquê, por que não podemos falar. Aí, o pessoal da organização, as moças ali presentes falaram – um velho truque – que a gente não tinha participado das reuniões de organização. Então a gente não pode falar.
Você, como militante da juventude e do Rosa Luxemburgo, em algum momento ficou sabendo de alguma reunião de organização? Segundo elas, foram três meses de organização de ato e em nenhum desses três meses o PCO, o Rosa Luxemburgo e nem nenhuma militante do PCO ficou sabendo, nem remotamente, dessas reuniões, mesmo procurando.
Tem várias companheiras que estão nesses grupos aí da esquerda, ninguém ficou sabendo de nada, absolutamente nada. Seriam reuniões realmente escondidas, porque ninguém ficou sabendo de nada. Eles só chamam quem eles querem chamar, quem é do interesse deles. Às vezes, eles chamam alguns militantes mais avulsos de algumas organizações para fazer aquela média falando “não, mas ela não é coordenadora de nada, está aqui participando porque é uma reunião aberta, uma reunião livre para todas falarem”.
E se vocês, que são militantes, que tem uma organização de mulheres, não ficaram sabendo, imagina o resto da população. E é interessante porque elas já conhecem as organizações do PCO, já sabem quem é do Rosa Luxemburgo. Tanto é que, previamente, quando alguma de nós chegava falando que queria se inscrever enquanto membro do Rosa Luxemburgo, elas já sabiam quem era e não deixavam falar.
E foi assim, elas não deixaram de jeito nenhum […] A gente falava com elas e era como se não tivesse ninguém falando. Elas começaram a fingir que não existíamos.
Começamos a falar mais alto para ver se ouviam – porque talvez possa ser algum problema de audição -, começou a juntar mais gente, mais militantes do PCO, do Rosa Luxemburgo ali em volta. E aí elas começaram a [nos] ouvir e o interessante é que, como já tinha várias militantes do Rosa, algumas pessoas da organização, não as que estavam no carro de som, viravam para essas coordenadoras e falavam “deixa elas então, coloca elas no final”.
Mas não quiseram nem dar esse golpe. Não, nosso nome não poderia estar lá. Uma senhora um pouco mais velha começou a falar “por que não colocar? Qual é o problema? Elas só querem falar, é dois minutinhos, é bom que acaba com a confusão”. Mas as coordenadoras continuaram falando não.
Isso aconteceu várias vezes com várias pessoas diferentes, inclusive que não eram nossas militantes. Então, uma das coordenadoras explicou um conceito novo de democracia para essa senhora, de que a democracia acontece assim, a gente decide na reunião e todos têm que acatar uma reunião que a gente não sabia que existia.
Foi acontecendo até que a companheira Roseli, que é membro da corrente sindical Educadores em Luta e da APEOESP, tentou se inscrever em nome dessa corrente. A representante da organização colocou o nome dela no final da lista, mas não apresentou qualquer problema de permitir a sua inscrição no carro de som.
Entretanto, quando essa organização descobriu que a corrente Educadores em Luta é ligada ao PCO, cortaram de vez a sua fala.
Nesse primeiro momento em que estavam tentando falar, em que estavam protestando, houve alguma agressão por parte de vocês? Nenhuma. No primeiro momento, estávamos conversando normalmente, mas depois que elas começaram a fingir que a gente não existia, começamos a conversar um pouquinho mais alto, mas nada agressivo e, muito menos, fisicamente agressivo.
Passamos muito tempo ali na frente, conversando com as coordenadoras. Então, mais pessoas começaram a se reunir ao nosso redor e continuamos insistindo. Como elas perceberam que só sairíamos dali caso nos inscrevêssemos, elas [a organização] começaram a dar uma de “você me bateu, você me empurrou”.
Mas nós fomos muito insistentes ao ponto delas fazerem um cordão de isolamento, o primeiro cordão de isolamento.
Mas enquanto estávamos falando com elas, não estávamos agredindo ninguém, não estávamos empurrando. E aí elas falaram que iriam chamar a segurança, então falamos que chamaríamos a bateria [Zumbi dos Palmares].
A bateria começou a tocar, começamos a fazer efetivamente um pequeno protesto ali contra a censura que elas estavam promovendo. Juntou um pessoal ali em volta e essa tal “segurança” chegou: eram várias mulheres que fizeram um cordão em volta da porta do carro de som – isso tudo aconteceu na porta do carro de som.
Então, essas mulheres vieram e fizeram um cordão em volta da porta do carro de som, nos isolando das coordenadoras e do carro de som a uma distância que não conseguíamos mais conversar com ninguém.
Esse cordão permaneceu durante um curto período de tempo. Mas é incrível como, quando o cordão se formou, “de repente”, o pessoal do lado da organização começou a bater em todo mundo. Segundo eles, fizeram isso porque o cordão se formou e porque, segundo eles, teríamos começado a empurrar todo mundo.
Como percebemos que eles estavam tentando nos empurrar para fora do ato com esse cordão, ficamos parados e não deixamos eles nos empurrarem para fora do ato. Ficamos parados e, com isso, virou um “empurra-empurra”, é claro.
E quando começou o “empurra-empurra” deles, tentando nos empurrar para fora, a coordenação falou “vocês estão criando muita confusão, vocês estão agredindo as pessoas, teremos que chamar a polícia contra vocês. E eles ficaram meio que se gabando disso, inclusive para a gente, como se fosse uma coisa bonita.
Eles [a organização] viravam para os militantes do Rosa que estavam em volta fazendo um segundo cordão para tentar passar o isolamento e ficaram falando “chamamos a polícia para vocês, vocês vão ver” e “olha só, a polícia está chegando para vocês, olha só, tivemos de chamar a polícia para vocês”. Como se o errado fossemos nós por estarmos tentando falar.
Mas foram eles que chamaram a polícia para reprimir um ato, uma manifestação. Chamaram a polícia dentro de um ato para reprimir um partido de esquerda. Isso foi antes de anunciarem [a solicitação à PM] no carro de som e, nisso, chegaram alguns guardas, algumas pessoas da polícia, que começaram a ficar com o cassetete na mão.
Até porque a PM age assim: bate primeiro, depois pergunta. A polícia chegou, meio que tentou nos separar e saiu por um breve momento.
A primeira vez que a polícia veio aconteceu uma coisa interessante: aconteceu que surgiram seguranças, aqueles caras que você olha e vê que foram contratados. Uns homens altos, fortes, de camisa preta e tudo mais, surgiram para ficar na porta do carro de som.
Seguranças homens? Seguranças homens que, inclusive, não tinham aparecido antes da polícia chegar. Depois que a polícia chegou e saiu, ficaram esses seguranças que surgiram de repente. Eles eram meio truculentos, meio agressivos. Se você chegava perto demais do carro de som, eles não tinham muito escrúpulos para empurrar você com força.
Então, continuamos nosso protesto e elas começaram a nos empurrar muito, muito mesmo. Começamos a fazer um esforço para não perdermos o lugar, porque elas estavam querendo realmente tirar a gente dali.
Elas começaram a apelar para algumas coisas como chamar uma companheira nossa de racista – ela é negra -, puxaram o cabelo dela. E com isso começou um embate físico de maneira mais decidida, com trocas de acusações de “racismo”, “machismo” etc.
Um companheiro nosso estava ali parado no meio da confusão segurando, inclusive, alguns cartazes. Ele foi chamado de “machista” pelas pessoas da “organização”, que ficaram afirmando que iriam chamar a polícia contra ele porque ele estaria supostamente agredindo mulheres.
Eles continuaram com essa, insistiram e usaram essa manobra para chamar a polícia de novo. E dessa vez, quando chamaram a polícia, a polícia ficou. Ficaram mais alguns policiais ali e aí eles ficaram tentando separar e tudo mais. Com isso, eles surgiram com um novo cordão de isolamento.
Era um cordão de homens e mulheres? Era um cordão essencialmente de homens e eram poucas mulheres. Tinham mulheres, mas eram poucas. E aí, ao aparecer de repente com esse cordão, eles começaram a fazer um movimento ainda maior para nos expulsar do ato. Ou seja, eles chegaram com o cordão como se fosse uma roda punk. Eles chegaram nos empurrando, todo mundo, homem, mulher, idosa, qualquer pessoa. Eles só estavam empurrando, tirando do ato.
E eles eram bem truculentos, inclusive empurravam, chacoalhavam, gritavam com as companheiras.
E você, em toda essa história, acabou também sendo agredida? Eu acabei sendo bastante empurrada, o pessoal era meio desleal. Tinha esse cordão que seguiu a gente, inclusive durante muito tempo, e, na frente, um cordão da PM. O pessoal que estava no cordão não batia em mulher, mas o pessoal que estava lá atrás sim. Eu levei um monte de mochilada na cabeça, o pessoal puxava cabelo. Era um negócio meio feio, totalmente desleal.
Recentemente descobrimos que o “faixão” do PCO é um ser vivo, que pode cometer crimes, então ele pode ser preso. Quando a polícia foi prender a faixa, esse cordão da UP parou para aplaudir a polícia batendo nos militantes do PCO.
Mais para frente, mais perto do carro de som, a companheira Natália [Pimenta], por exemplo, pegou um cartaz e tentou entrar no ato. E o cordão? Inclusive homens que estavam nesse cordão começaram a empurrá-la com o pé com muita força.
Nos momentos em que a polícia partia para cima, inclusive das companheiras – eu, por exemplo, levei um cassetete, levei uma porrada de cassetete no braço – o pessoal da UP aplaudia e falava “isso aí, tá vendo seus otários? Apanharam foi pouco e tudo mais”.
No carro de som, falaram várias vezes contra o Partido, falando que o Partido bateu em mulher, que o Partido estava lá para destruir o ato, que eles tinham chamado a PM para o pessoal porque o pessoal é muito truculento, enfim, várias calúnias.
Percebemos que o cordão era principalmente feito por secundaristas e, na hora, como o pessoal parecia bem balançado em bater em mulher, empurrar a mulher e tudo mais, o coordenador da UP que estava ali cuidando do cordão ficava falando para não ligarem para eles [o PCO], eles são vermes, eles são a escória, eles não são nada. Um negócio muito feio.
E o interessante é justamente que, depois do ato, eles tentaram, num primeiro momento nas redes sociais, “pagar de fortões”, falando que bateram no PCO, que o PCO apanhou foi pouco, o que, na verdade, foi o contrário: na hora que eles tentaram realmente vir para a porrada, não deu muito certo para o lado deles, porque o nosso pessoal é muito convicto no que faz e estava pronto para se defender.