O ano de 1968 foi marcado por um período de convulsão social e política em várias partes do mundo, com eventos notáveis dessa turbulência, como o famoso Maio de 1968, que irrompeu na França e rapidamente se espalhou para outras partes do planeta, entre elas o Brasil.
Um mês antes, em 22 de abril, mil e quinhentos estudantes marchavam em Paris contra a prisão de colegas envolvidos com a organização de protestos, que pediam o fim da guerra no Vietnã. Terminava na década de 1960 a euforia da chamada “Era de Ouro”, um período de prosperidade decorrente da reconstrução da economia mundial após a Segunda Grande Guerra, dando lugar à transição entre esta etapa e a retomada da crise histórica do capitalismo, resultando em um período de intensa agitação, marcado por uma série de movimentos sociais e protestos em todo o mundo.
No Brasil, vivia-se um período de mobilizações contra o endurecimento da Ditadura Militar, ela própria reflexo dessa transição. Nos EUA, o movimento pelos direitos civis estava em pleno andamento, expressando a radicalidade da comunidade negra norte-americana e também o acirramento das tensões sociais. Enquanto isso, a Guerra do Vietnã despertava uma onda global de oposição à intervenção militar americana no sudeste asiático. Na França, a conjuntura política era especialmente tensa. O país estava sob o governo do presidente Charles de Gaulle, um governo repressor, dedicado a conter a crise social que já aumentava, alimentada pela insatisfação com os desarranjos econômicos do período.
A conjuntura política e econômica da França na segunda metade do século XX era marcada por uma série de eventos significativos, destacando-se as derrotas militares na Indochina e na Argélia, bem como o envolvimento na Guerra do Vietnã. Esses episódios não apenas abalaram a posição da França como potência imperialista, mas também tiveram sérias repercussões econômicas e sociais.
Após a Batalha de Dien Bien Phu, em 1954, o império colonial francês dá seu mais contundente sinal de esgotamento. Após anos de conflito com os nacionalistas vietnamitas liderados por Ho Chi Minh, as forças francesas foram finalmente derrotadas pelo Viet Minh, resultando na assinatura dos Acordos de Genebra e na divisão do Vietnã em dois países, o Estado Operário do Vietnã do Norte e o Vietnã do Sul pró-imperialista. Além da perda de prestígio internacional, a derrota na Indochina teve um impacto significativo na economia francesa, levando ao aumento dos gastos militares e ao desvio de recursos que poderiam ter sido investidos em programas de desenvolvimento doméstico.
Principal colônia francesa na Ásia, a perda da Indochina acabou tendo implicações ainda mais amplas, estimulando os movimentos de libertação nacional em todo o mundo colonial e inspirando outros povos colonizados a buscar a independência de seus governantes europeus. Além disso, foi vista como um sinal de fraqueza da Europa Ocidental diante do avanço dos movimentos comunistas e de libertação nacional na Indochina, alimentando os temores de uma eventual expansão soviética na região.
No entanto, a Indochina foi apenas o primeiro de uma série de reveses coloniais para a França. Na década de 1960, o país se viu envolvido em outro conflito prolongado, em sua colônia na Argélia, onde enfrentou uma sangrenta insurgência nacionalista liderada pela FLN (Frente de Libertação Nacional). A guerra na Argélia foi marcada por uma brutalidade sem precedentes, com ambos os lados cometendo atrocidades em nome de suas respectivas causas. No entanto, apesar do apoio maciço do governo francês e do uso de métodos fascistas de repressão, as forças francesas foram incapazes de subjugar o movimento de independência argelino.
A derrota na Argélia teve consequências ainda mais devastadoras para a França. Além do custo humano e material do conflito, a guerra minou a legitimidade do governo francês e exacerbou as divisões internas na sociedade francesa. Ao longo dos anos, a resistência argelina ganhou apoio crescente no mundo inteiro, inclusive na França, levando a uma pressão internacional cada vez maior pela independência do país. Em 1962, após o Acordo de Evian, a França finalmente foi forçada a conceder a independência da Argélia, pondo fim a oito anos de guerra e, também, ao seu império colonial na África.
Além das derrotas militares na Indochina e na Argélia, a França também se viu envolvida na Guerra do Vietnã, um conflito prolongado entre o Estado Operário do Vietnã do Norte e o Vietnã do Sul pró-imperialista, apoiado pelos Estados Unidos e seus aliados. Embora a França tenha se retirado da Indochina após a derrota em Dien Bien Phu, ela continuou a fornecer apoio político e militar ao governo do Vietnã do Sul durante a guerra, na esperança de conter a luta de libertação nacional do povo do Vietnã e da Indochina.
No entanto, a participação do imperialismo francês na Guerra do Vietnã foi controverso e impopular, especialmente devido aos custos significativamente altos para a economia francesa, que já estava sob pressão devido às despesas crescentes com defesa e à perda de recursos naturais em suas colônias.
Nesse cenário, os eventos que desencadearam o Maio de 1968 começaram a se desenrolar. Tudo começou com uma série de protestos liderados por estudantes universitários em Paris, que inicialmente se opunham às políticas educacionais do governo, mas rapidamente se transformaram em uma revolta mais ampla contra o poder político. Os estudantes foram apoiados por trabalhadores, que organizaram greves em solidariedade aos seus colegas estudantes.
No caso do Maio de 1968, vemos uma convergência de interesses entre os estudantes, muitos dos quais vinham de origens trabalhadoras, e a classe operária. Ambos os grupos compartilhavam o ônus de uma crise que não lhes dizia respeito, mas que tinha origem na derrocada do império colonial francês. Os estudantes questionavam a autoridade das instituições educacionais e o papel da universidade na reprodução das desigualdades sociais, enquanto os trabalhadores reivindicavam direitos trabalhistas e democráticos.
Essa aliança entre o setor mais radicalizado da pequena-burguesia (os estudantes) e a classe operária foi fundamental para o sucesso da mobilização. As greves organizadas pelos sindicatos paralisaram setores-chave da economia francesa, causando transtornos significativos e exercendo pressão sobre o governo para que cedesse às demandas dos manifestantes. Durante várias semanas, Paris foi palco de confrontos violentos entre manifestantes e o aparato de repressão francês, com barricadas erguidas nas ruas e slogans revolucionários ecoando por toda a cidade.
No entanto, apesar do ímpeto inicial do movimento, o Maio de 1968 acabou perdendo força à medida que as divisões internas entre os diferentes grupos envolvidos se acentuaram.
Três grupos destacavam-se na luta revolucionária de então: os anarquistas, o Partido Comunista Francês (PCF) e os partidos trotskistas. Entre os últimos, a divergência fundamental vinha da tentativa do PCF stalinista conter o movimento e, assim, manter sua influência junto ao governo e aos sindicatos, e o deslocamento à esquerda representado pelo particularmente efervescente movimento estudantil, onde os trotskistas eram a maioria. Partidos orientados pela IV Internacional, como Liga Comunista Revolucionária, se destacaram como a ala mais revolucionária, mas terminaria jogada na ilegalidade por De Gaulle em 12 de junho.
O governo francês conseguiu recuperar o controle da situação, oferecendo concessões limitadas às demandas dos manifestantes e mobilizando o apoio da opinião pública contra o movimento. A repressão policial e as sabotagens do stalinismo desempenharam um papel importante na redução da influência dos manifestantes, culminando na restauração da ordem social, mesmo após mais de 10 milhões de trabalhadores terem feito uma greve geral histórica no país imperialista.
No entanto, embora o Maio de 1968 tenha sido reprimido pelas autoridades, seu legado perdurou muito além dos eventos daquele ano. O movimento inspirou gerações posteriores de ativistas, alimentando uma superação do conservadorismo dos anos 1950 e um renovado interesse nas mobilizações estudantis, e operárias.
Finalmente, mesmo derrotado, o Maio de 1968 desencadeou uma mudança no estado de espírito social, refletida em uma grande efervescência artística e cultural. Ainda, as lições do período revolucionário foram fundamentais para vitórias que viriam posteriormente, como a Revolução dos Cravos em Portugal (1974), e a impossibilidade de o imperialismo sustentar a invasão do Vietnã, uma derrota que, por sua vez, daria origem a uma longa sequência de derrotas da ditadura imperialista mundial.
Por fim, o contraste entre o ativismo trotskista e a sabotagem dos stalinistas sepultou definitivamente os ganhos políticos acumulados pela burocracia soviética após a Segunda Grande Guerra. Nunca mais teriam qualquer autoridade sobre estudantes e trabalhadores novamente.





