O governo do primeiro-ministro francês Michel Barnier, indicado por Macron após as eleições legislativas deste ano, chegou ao fim na última quinta-feira, após sua renúncia. Um dia antes, a Assembleia Nacional aprovou uma moção de censura, semelhante a um impeachment, contra Barnier, com 331 dos 574 deputados votando contra ele, ultrapassando os 288 votos necessários.
Essa é a primeira vez desde 1962 que um primeiro-ministro é derrubado por uma moção de censura. Além disso, Barnier entra para a história como o primeiro-ministro que permaneceu menos tempo no cargo na história da Quinta República, com apenas 91 dias.
A derrota de Barnier ocorreu após anos de políticas que atacaram os direitos da população e impuseram austeridade, em um cenário de fracasso para o imperialismo francês. Entre as derrotas significativas estão a impossibilidade de vitória na Rússia, o genocídio na Palestina e as vitórias do chamado Eixo da Resistência contra “Israel”. Além disso, a crise em países como os Estados Unidos, com a ascensão de Donald Trump, e o fracasso do governo de Olaf Scholz na Alemanha, cujas novas eleições estão previstas para o início de 2025, também contribuíram para o agravamento da situação.
No entanto, o que resultou na queda do governo de Michel Barnier foi a tentativa de aprovar um orçamento excessivamente oneroso para a população francesa, dedicado a cortar 60 bilhões de euros (mais de R$381 bilhões na cotação do último dia 5). Considerando que o déficit orçamentário da França atingiu 6%, o dobro do limite imposto pelas normas fiscais neoliberais da União Europeia, e que a dívida pública do país chegou a 112% do PIB, as políticas de austeridade se tornaram insustentáveis. Barnier tentou negociar com Le Pen, oferecendo a retirada do aumento nos preços da energia elétrica e o fim do auxílio na compra de medicamentos, mas essas concessões não surtiram efeito.
Como seu governo era minoritário no parlamento, Barnier tentou utilizar a lei 49.3 da Constituição francesa, que permite a aprovação de leis sem a necessidade de votação no parlamento. No entanto, isso também abriu a possibilidade de uma moção de censura, que foi inicialmente apresentada pela esquerda. Em seguida, uma segunda moção foi apresentada pela extrema direita, o que indicava que, embora ideologicamente opostas, as duas facções se uniriam para votar contra Barnier.
Segundo o sítio francês Le Figaro, 59% da população apoiou a moção de censura, com esse número elevando-se para 88% entre os simpatizantes da Nova Frente Popular e 67% entre os eleitores de Marine Le Pen. A maioria absoluta também atribui o caos político da França a Macron.
Após a queda de Barnier – que permanecerá no cargo como primeiro-ministro interino até que um novo seja indicado -, Macron fez uma declaração aos canais de televisão franceses, atacando a esquerda e a extrema direita, afirmando que se formou uma aliança de extremistas contra os princípios republicanos. Segundo o representante dos bancos franceses no Palácio do Eliseu (sede do governo francês), “a extrema direita e a extrema esquerda se uniram em uma frente antirrepublicana”. Macron disse ainda:
“Eles não votaram para construir, mas para destruir, para criar desordem. Por que agiram assim? Não cabe ao Parlamento proteger vocês [franceses], proteger seus salários? Eles só estão pensando nas eleições presidenciais. Estão preparando o terreno para as eleições presidenciais. Eles querem criar caos.”
O presidente também declarou que não renunciará, apesar das manifestações nas ruas da França que exigem sua renúncia. Macron cumpre seu mandato até a metade de 2027 e não poderá convocar novas eleições legislativas até a metade de 2025, quando completará um ano desde as últimas eleições.
Os principais meios de comunicação apontam para um fracasso generalizado do macronismo. A maioria indica que tanto a esquerda da Nova Frente Popular, composta pelo partido França Insubmissa e liderada por Jean-Luc Mélenchon, quanto o Reagrupamento Nacional de Marine Le Pen, devem se concentrar em derrubar o governo atual, na esperança de que novas eleições presidenciais possam ocorrer já na metade de 2025, período em que também poderão ser convocadas eleições legislativas.
Além da esquerda, Le Pen seria a principal beneficiada de novas eleições presidenciais, já que, assim como ocorreu nos EUA com Trump e no Brasil com Bolsonaro, há uma tentativa de impedir a líder da extrema direita francesa de disputar as eleições de 2027 por meio do judiciário. O caso contra Le Pen envolve supostos pagamentos a funcionários para trabalharem exclusivamente na França, utilizando recursos do Parlamento Europeu, algo proibido, pois o dinheiro dessa instituição deve ser utilizado apenas para atividades em toda a União Europeia, segundo a legislação do órgão. Se as eleições forem antecipadas para 2025, a chance de Le Pen disputar será maior.
Por parte de Macron, no entanto, as opções são limitadas quanto à escolha de um novo primeiro-ministro. Essencialmente, ele se vê diante de quatro alternativas principais.
A primeira seria simplesmente esperar até a metade de 2025, mantendo Barnier como interino, o que tornaria Macron o principal alvo da população francesa. A segunda opção seria nomear um candidato indicado por Le Pen, o que exporia a falácia do chamado “cordão sanitário”, a aliança entre os partidos de esquerda e Macron criada para barrar a vitória da extrema direita nas últimas eleições. Finalmente, a terceira opção seria uma aliança entre Macron e a esquerda, com a indicação de um primeiro-ministro alinhado aos partidos da Nova Frente Popular.
No entanto, essa é a alternativa menos provável, pois, embora esse setor tenha vencido as últimas eleições, Macron optou por não indicar ninguém da esquerda. Uma última e mais dramática alternativa seria a renúncia do próprio mandatário francês.
Macron afirmou, no entanto, que nomeará um governo de unidade nacional, que permitiria que todas as alas políticas governassem em conjunto. Contudo, isso é, na prática, impossível, visto que sua política interna é centrada na austeridade para a população, enquanto, por outro lado, ele envia bilhões em armas para a Ucrânia.
Seja qual for a saída que Macron tente encontrar, é um fato que a crise política francesa não dá sinais de melhora. Além disso, há inúmeras manifestações no país, especialmente contra o Acordo de Livre Comércio entre a União Europeia e o Mercosul – a principal prioridade de Macron, que prejudica os camponeses franceses enquanto trata os países do Mercosul como colônias agrícolas dependentes.