Em seu depoimento na Comissão de Comunicação e Direito Digital, durante sessão especial ocorrida no dia 11 de abril, o jornalista David Ágape apresentou o que chamou de “complexo industrial da censura” no Brasil. Esse complexo, por sua vez, teria três pilares: o Judiciário, o Congresso e o governo Lula.
Não há como negar que exista um “complexo industrial” dessa natureza. Nos últimos anos, tornou-se banal, no Brasil, acontecimentos como o banimento de pessoas das redes sociais, a obrigação de retratação perante o tribunal, o pagamento de multas absurdas pela emissão de opiniões e até mesmo a suspensão de direitos políticos por declarações. O “erro” – que, na verdade, parece intencional – é a tentativa de Ágape de vincular esse complexo ao presidente Lula.
O próprio jornalista admite que o Judiciário seria a peça central desse complexo. E não há dúvidas quanto a isso. É por meio do Judiciário que são emitidas decisões expressas, sem qualquer discussão, a partir dos interesses de um único juiz. Foi o Judiciário, e não o Congresso ou o Poder Executivo, por exemplo, que cassou os direitos políticos do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e que suspendeu por oito meses as redes sociais do Partido da Causa Operária (PCO).
Quando se trata do governo Lula, as acusações, no entanto, são menos impactantes. Ágape menciona que Lula teria se encontrado com Alexandre de Moraes após vencer Bolsonaro na disputa presidencial e cita três órgãos criados pelo Poder Executivo com o objetivo de “combater a desinformação”. O próprio Lula, sabe-se, já fez declarações em que defende algum tipo de regulamentação sobre o que é dito na Internet. Sua esposa, Rosângela “Janja” da Silva, chegou a defender ativamente o Projeto de Lei das “Fake News” após sua conta no X ser invadida.
Apesar de tudo isso, não é fato que Lula em si seja parte interessada do Complexo. Conforme o próprio jornalista destacou, a pressão para que políticos, personalidades e mesmo entidades sejam censuradas no Brasil parte do “deep state norte-americano”. Isto é, do Departamento de Estado norte-americano, dos intestinos do imperialismo.
Lula, por sua vez, nada tem a ver com o imperialismo norte-americano. Pelo contrário: ainda que, em questões mais abstratas e superficiais, demonstre um acordo com o presidente norte-americano Joe Biden, como na defesa da “democracia”, o presidente brasileiro está em total contradição com os interesses dos Estados Unidos para o País. Lula, por exemplo, é contra o genocídio do povo palestino, e foi duramente criticado pelo imperialismo por isso. Lula é a favor da Rússia na questão ucraniana, e já foi duramente criticado por isso. Lula é a favor de utilizar a Petrobrás para desenvolver o País, e tem sido criticado por isso.
Bolsonaro representa o exato oposto. Aprofundou a entrega da Petrobrás para os especuladores e é um defensor do Estado nazista de “Israel”. Em comparação com Lula, Bolsonaro está muito mais próximo dos interesses do Departamento de Estado norte-americano.
Mas o que justificaria, por exemplo, o fato de, sob o governo Lula, ter sido estabelecida uma procuradoria em defesa da “democracia”? Trata-se, evidentemente, de um erro. Esse tipo de medida se voltará contra a esquerda inevitavelmente, e não contra os inimigos do governo. No entanto, ela é apenas uma demonstração da fraqueza de Lula diante de seus inimigos. É parte da capitulação do governo diante dos elementos mais direitistas da “frente ampla”.
Assim como Lula colocou em seu governo uma figura como Simone Tebet, que representa literalmente o oposto do que ele defende em termos de política econômica, Lula, por um cálculo político equivocado, tem apoiado, em parte, a política de censura formulada por seus inimigos. Por considerar que não tem força suficiente para enfrentar a extrema direita por meio da luta política, acredita que é preciso chegar a um acordo com os mesmos que lhe colocaram na prisão.
Lula é, em certo sentido, vítima do erro da política que ele próprio defende – a política de convivência com inimigos políticos. Mas não é, de forma alguma, parte interessada na censura. Pelo contrário: quanto mais esse “complexo industrial” se fortalecer, mais o governo se enfraquece.
Bolsonaro, por sua vez, pode ser um aliado do complexo da censura. Ele próprio é, do ponto de vista ideológico, um admirador da ditadura militar – e, portanto, um inimigo da liberdade de expressão. E sua política, que nada tem a ver com a defesa real do interesse nacional, pode, sim, entrar em um acordo com o Departamento de Estado norte-americano. Bolsonaro, como provou na privatização da Eletrobrás, não se opõe em levar adiante a política neoliberal.
Diante das recentes críticas da imprensa a Alexandre de Moraes, tudo indica, inclusive, que Bolsonaro e o imperialismo chegaram a um acordo.