Na última sexta-feira, dia 19 de abril, o jornal de esquerda A Nova Democracia (AND) publicou editorial intitulado “Uma vez mais, a direita governa”. O artigo apresenta uma confusão política, facilitada pela sucessão de erros do governo Lula ao buscar se arvorar na direita tradicional, dita “democrática”, frente a sua própria fraqueza política, intensificada por essa mesma posição. Apresenta o AND:
“Estamos diante de um governo de direita, conformado por uma coalizão de reacionários direitistas e de oportunistas da falsa esquerda ou esquerda burguesa que, pintando-se com as cores da luta popular, não se importam em ser peões no tabuleiro do latifúndio, do imperialismo, principalmente ianque, e da grande burguesia.”
A caracterização é sectária, porque não leva em conta de fato a posição real do governo, tomando a aparência pela essência do que está colocado. Que existe uma coalizão de direitistas e oportunistas no governo é fato, no entanto, olhar para a eleição ajuda a tornar claro o cenário, não foram esses aqueles que emergiram fruto da campanha ou do processo eleitoral. A vitória de Lula se deu em meio a um segundo turno em que a polarização foi a tônica, com grandes comícios vermelhos nas regiões de maior concentração urbana pobre e operária do País. O falatório identitário foi substituído por políticas para a população pobre nos discursos do então candidato, e outras figuras, antes em primeiro plano, até à frente de Lula, foram retiradas dos palanques. Como então, compreender a composição do governo, em grande medida oposta a esse quadro? O próprio AND, em parte, responde:
“Arthur Lira mandou, de uma vez, abrir cinco Comissões Parlamentares de Inquéritos (CPIs) e declarou que colocará em pauta, na Câmara dos Deputados, projetos de interesse da oposição bolsonarista e da extrema-direita. Motivo: se encontra irritado com o governo. Lira calcula que Luiz Inácio quer lançar um candidato próprio à presidência da Casa, em 2025 […] A iniciativa de Lira pôs em alerta o governo. No segundo ano exercendo o cargo, a situação de Luiz Inácio é dramática a tal ponto que ninguém duvida que seja a direita a governar o País.”
A situação na Câmara é sintomática. Fruto de uma eleição apertada no segundo turno, o pleito já não foi favorável a uma segurança do mandatário eleito, mas a situação se agravou pouco após a posse. A manifestação do 8 de janeiro, erroneamente categorizada de “tentativa de golpe” por alguns setores, na realidade teve por objetivo desmoralizar o governo, e o sucesso da operação foi absoluto. A invasão das sedes dos três poderes foi uma demonstração de fraqueza total em pouco mais de uma semana de governo. O aparato de repressão se mostrou comprometido de cima a baixo, das Forças Armadas ao policial militar de rua no Distrito Federal.
Lula, nesse sentido, se encontra isolado e, ao ver-se atacado pela extrema direita, ao invés de buscar se arvorar em sua própria base, a classe operária, por se ver isolado, ou seja, justamente em necessidade de uma base ativa, foi contraditoriamente buscar apoio não entre os trabalhadores, mas junto à direita dita democrática, em quem viu força para supostamente fazer o enfrentamento à extrema direita. O PT, com medo da extrema direita, permitiu guiar-se politicamente por este sentimento. Daí, uma sucessão de capitulações produziram um isolamento ainda maior de Lula dentro do próprio governo, seja pela composição ministerial, pela relação com o Congresso, com o próprio STF ou com a imprensa burguesa. O AND acaba evidenciando ainda mais o exagero em sua colocação:
“E essa conclusão [de que é a direita a governar o País] independe da opinião que se tenha sobre o PT, sobre a composição ministerial ou sobre o mandatário. […] a verdade é que mesmo quem não concorde com isso é obrigado a reconhecer que o País está nas mãos de uma quadrilha abertamente de direita, que tem como chefe o senhor Arthur Lira. Quem governa é essa quadrilha de profissionais bandidos do colarinho branco.”
Aqui vemos novamente, o AND estabelece corretamente a diferença entre o Congresso e o governo, o que, sejamos precisos, é a diferença entre o Congresso e os setores que pressionam Lula à direita, e o próprio Lula. Então, como o AND chega à conclusão de que Lula seria igual a esses setores?
“Um governo minimamente “progressista”, digamos assim, fosse o caso, uma vez eleito e empossado, teria como primeira medida enfrentá-lo – no pior dos casos, secar-lhe a fonte –, pois, fosse de esquerda, saberia que doutro modo só lá estaria por formalidade: em vez de governar, seria governado por Lira. Dito e feito.” E apontam a questão das emendas parlamentares como justificativa para a conclusão. “Fortalecido pelo próprio governo, agora o presidente de fato Arthur Lira usa a força adquirida para pressionar.”
“Não é sem razão que as greves nas universidades federais explodiram […] A realidade crua é que todo o funcionalismo tem congelados seus salários, enquanto a alta burocracia estatal em seus três níveis, composta de tecnocratas, pela cúpula das forças militares, pelos barões do judiciário e pelos nobres parlamentares, esbanjam indecentes privilégios.”
Ora, mais natural de um governo fraco que ceder às diferentes esferas da burocracia estatal e dos poderes institucionais estabelecidos. Ao se ver sem grande alternativa, pressionado pela direita e pela extrema direita, o PT adotou sua estratégia de buscar conciliar, mas com uma mão fraca, cede enquanto busca ganhar tempo para uma situação mais favorável. Uma política errada que o leva a conduzir políticas que não faziam parte de seu programa. É importante, contudo, manter a diferenciação. O governo e os setores à direita que o empurram a aplicar o programa do arrocho, com crescimentos pífios em áreas sociais, não são a mesma coisa, estão em contradição.
“As massas populares, todavia, não aspiram migalhas e estão crescentemente compreendendo que a sobrevivência de sua honra e dignidade exige lutar por seus direitos e impor sua vontade”, aponta o AND, e isso é fato.
A diferença, contudo, é que caracterizando o governo como parte da direita, leva a uma campanha de tipo golpista contra Lula, que seria apoiada e guiada pela direita, como ocorreu contra Dilma em 2016, por alguns setores de esquerda. É preciso realizar a campanha junto à classe operária direcionada contra aqueles que são claramente seus inimigos. O conjunto dos trabalhadores não vê Lula desta forma, e está certo nesse sentido. Contra a pressão da direita organizada, é preciso contrapor a pressão das organizações da classe operária, dos movimentos de luta pela terra e moradia, dos sindicatos e movimentos estudantis.