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Ascânio Rubi

Ascânio Rubi é um trabalhador autodidata, que gosta de ler e de pensar. Os amigos me dizem que sou fisicamente parecido com certo “velho barbudo” de quem tomo emprestada a foto ao lado.

Coluna

Liberdade de expressão deve ser bandeira da esquerda

Esquerda vai esperar a Madonna resgatar do bolsonarismo a bandeira da liberdade de expressão?

Certa esquerda pequeno-burguesa, cheia de boas intenções, não hesita em erguer o estandarte da defesa dos limites da liberdade de expressão, que entende necessários para o combate às mentiras e às ofensas propaladas pela direita bolsonarista boca-suja. Só é preciso lembrar não há como fazer leis que atinjam apenas os nossos adversários políticos.

Estamos falando de proibir pessoas de falar, de escrever, de se manifestar publicamente (ou mesmo em ambiente privado, desde que sujeito à filmagem ou à gravação, coisas que qualquer um com um celular na mão pode fazer). Lei, como sabemos, vale para todos, a menos que estejamos em regime de apartheid. Então vale a pena refletir sobre as consequências dessa moda de processar quem diz aquilo que nos desagrada.

Por óbvio, ninguém gosta de ser xingado, menos ainda de ser caluniado ou coisa que o valha, mas é bem provável que não esteja ao alcance do ser humano esquivar-se por completo de situações desagradáveis desse tipo. Mesmo as criaturas mais bem-intencionadas estão sujeitas a ofender o próximo. E não é que o papa Francisco, tido como progressista, andou soltando uma palavra “inadequada” (“frociaggine”) para se referir a homossexuais masculinos? A imprensa brasileira traduziu o termo como “veadagem” ou “bichice”. O sumo pontífice se desculpou pela gafe, mas não demorou um mês para ser flagrado de novo repetindo a “ofensa homofóbica”. Fosse ele um cidadão brasileiro qualquer, poderia vir a enfrentar os nossos ilibados tribunais.

Somos realmente um povo que preza a educação e os bons modos. Recentemente, na Câmara, dois deputados, André Janones de um lado e Nikolas Ferreira de outro, se estranharam e a contenda escalou de xingamentos para um “vou te pegar lá fora”. Parlamentares da Casa – e o seu próprio presidente, Arthur Lira – animaram-se a aprovar um requerimento de urgência para um projeto que permite cassar o mandato por “quebra de decoro” (302 votos favoráveis e 142 contrários). A briga dos dois deputados imediatamente virou pretexto para mudar o Regimento Interno e aprovar futuras cassações por futuras quebras de decoro. E dizer que antigamente a coisa se resolvia no tiro – a família Collor de Melo que o diga.

O clima de defesa dos bons modos e, particularmente, da honra requer, portanto, um debate paralelo ao dos limites da liberdade de expressão. Talvez seja bom estabelecer os “limites da defesa da honra”. Sabemos que a tese de “legítima defesa da honra” foi arguida nos nossos tribunais até 2022 (isso mesmo) em defesa de homens supostamente traídos por suas mulheres que “lavaram a própria honra em sangue” (o sangue delas). Faz apenas dois anos que a tese deixou oficialmente de ser aceita nos tribunais brasileiros. “Honra” é, no mínimo, um valor subjetivo – e esse é o ponto em questão.

A Justiça, para dar ganho de causa a uma vítima de crime contra a honra, em tese, teria de definir objetivamente “honra”. Diante da dificuldade de fazer isso, aparentemente vale o sentimento da vítima: fulano se sentiu ofendido, sentiu a honra maculada, sentiu sua imagem prejudicada etc. Não há como julgar com objetividade esse tipo de prejuízo – a menos que haja um fato decorrente da ofensa, como a perda do emprego ou coisa do gênero. O efeito psicológico é praticamente impossível de mensurar e, pior que isso, não faltará quem se aproveite dessa dificuldade para processar desafetos e, de quebra, ganhar algum dinheiro a título de reparação.

Recentemente, um juiz deu ganho de causa à deputada Carla Zambelli, que se sentiu ofendida por um artigo de um jornalista e o acusou de difamação. Esse caso, em particular, chama a atenção porque o “difamador” foi o jornalista perseguido pelas ruas pela própria Carla Zambelli sob a mira de um revólver. O fato foi filmado e largamente divulgado na Internet, para o espanto de todos.

Ele escreveu em um site: “Zambelli, que diz estar com problemas, na verdade está na crista da onda. Continua no partido pelo qual foi eleita, segue com uma seita de doentes de extrema-direita que a segue incondicionalmente e segue cometendo atrocidade atrás de atrocidades.” E o juiz proferiu esta sentença: “afirmar que uma parlamentar é seguida por uma seita de doentes de extrema-direita transcende o exercício da liberdade de opinião, caracterizando-se como crime contra a honra”.

O que é mais curioso é que o trecho que deu ensejo à condenação não foi aquele em que o jornalista diz que ela “segue cometendo atrocidades”, caso em que se poderia indagar quais seriam as atrocidades, mas aquele em que atribui aos seguidores da deputada a denominação de “seita de doentes de extrema-direita”, caso em que, salvo melhor entendimento, os ofendidos seriam os seguidores…

De todo modo, o que nos parece é que as convicções pessoais dos juízes é que têm servido de baliza em casos desse tipo. O juiz em questão foi o mesmo que determinou a remoção de “postagens injuriosas” que o jornalista Breno Altman teria feito no X (antigo Twitter) contra o sionista André Lajst, presidente-executivo da StandWithUs Brasil, e o economista Alexandre Schwartsman. Qualquer um que acompanhe o trabalho de Breno Altman sabe que a única injúria que ele cometeu foi defender o povo palestino do genocídio praticado por Israel.

Na ânsia de higienizar o ambiente político, a esquerda identitária pode estar fazendo uma escolha incorreta, “estar jogando fora o bebê junto com a água do banho”. Achar que a defesa da liberdade de expressão é uma bandeira (real) do bolsonarismo é um erro crasso. Vamos ter de esperar que a Madonna, que resgatou o verde-amarelo das hostes direitistas e o levou para a Parada LGBT, nos dê uma mãozinha?

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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