No último domingo, dia 3 de novembro, o portal de esquerda Brasil de Fato publicou o artigo Vitória de Trump nos EUA pode reativar projeto golpista do bolsonarismo no Brasil. A peça, como diz o nome, ignora o protagonismo do Partido Democrata, e do próprio Joe Biden, patrocinador da campanha de Kamala Harris, no golpe que de fato ocorreu no Brasil: o golpe de 2016, e a posterior retirada ilegal da candidatura de Lula das eleições de 2018. Vamos aos argumentos:
“Analistas ouvidos pelo Brasil de Fato apontam que a volta da extrema direita ao governo dos EUA favoreceria projetos golpistas, como o do bolsonarismo, hoje na mira do Supremo Tribunal Federal.”
Como já dissemos, o golpismo no Brasil, anterior à eleição de Lula, e que levou à derrubada de Dilma, à prisão de Lula e sua retirada das eleições de 2018, garantindo portanto a vitória de Jair Bolsonaro nas mesmas eleições, foi protagonizado pelo Partido Democrata dos EUA. Da mesma forma agiu o STF, garantidor da dita institucionalidade de todos esses fatos (apesar de ilegais e inconstitucionais) e submisso aos interesses do imperialismo. Ou seja, falar que o setor representado pelo Partido Democrata e pelo STF desfavorece chamados “projetos golpistas” é no mínimo uma ingenuidade. Podemos ainda citar os golpes em:
- Honduras 2009;
- Líbia 2011. Até hoje o país, antes um dos mais avançados na África, foi reduzido quase a pó;
- Ucrânia 2014. Milícias nazistas foram usadas para derrubar o governo, e servem de base ao regime golpista até hoje;
- Bolívia 2019;
- Peru 2022;
Entre vários outros casos. É importante lembrar que Joe Biden foi o vice-presidente de Barack Obama, entre 2009 e 2017, e que agora Kamala Harris é a vice-presidente de Joe Biden, ou seja, o projeto é o mesmo.
Ainda há agravantes. O golpe na Ucrânia serviu para transformar o país num Estado fantoche do imperialismo, da OTAN. Isso para levar à frente uma ofensiva militar contra a Rússia, o que levou à atual guerra, na qual a população ucraniana é utilizada como bucha de canhão para enfraquecer a Rússia. A ofensiva inicial é em parte análoga ao atual aumento de tensões com a China, utilizando para isso Taiuã, Coreia do Sul e Japão.
Outro exemplo gritante é a situação na Palestina, onde o governo Biden, cuja vice, lembramos, é Kamala Harris, patrocina um genocídio, uma limpeza étnica. Seguindo:
“Eles dizem que uma eventual vitória de Donald Trump pode facilitar a anistia aos golpistas de 8 de janeiro de 2023, que reproduziram em Brasília a tentativa de golpe do eleitorado de Trump com a invasão do Capitólio em Washington após a derrota do republicano para Joe Biden em 2020.”
Esse ponto é interessante quando comparado ao anterior. O que ocorreu no Capitólio, como se viu, nada mais foi que um protesto. Não houve real tentativa, de toda aquela massa de pessoas, de dar um golpe de Estado, mas sim de colocar em questão as eleições realizadas nos EUA, que chegaram a ter votação pelo correio. Questionar a validade de uma eleição nada mais é que um direito democrático da população, e não constitui em si um golpe de Estado ou sequer a busca por um golpe.
O que ocorreu no Brasil em parte repetiu isso. Fato é que as forças de repressão permitiram o avanço de uma manifestação que, em números absolutos, foi pequena, em torno de 4 mil pessoas. A manifestação, desimpedida, adentrou as sedes dos Três Poderes, mas, enfim, o maior ato de tipo “golpista” que realizaram foi defecar na mesa do ministro do STF Alexandre de Moraes. Um verdadeiro Golpe do Cocô. O ato em si conseguiu desmoralizar o governo Lula, recém empossado, e o juiz, mas nada mais que isso, seu objetivo de fato.
“(…) o governo de Joe Biden barrou a iniciativa de Bolsonaro de desacreditar as eleições brasileiras em 2022, durante reunião com embaixadores — evento que posteriormente o tornaria inelegível. ‘A administração Biden definitivamente foi essencial com um posicionamento claramente a favor da democracia brasileira e contra qualquer tentativa de questionar os resultados eleitorais e as urnas eletrônicas.’”
Ora, mas foi justamente o governo Joe Biden que orientou o Judiciário brasileiro a empossar Jair Bolsonaro em 2018. Mais, nada do que o governo Joe Biden — um governo antipopular e promotor de golpes e ditaduras por todo o planeta — dissesse, poderia de fato credibilizar as eleiç ões nacionais. Todos os que desconfiavam das urnas continuam desconfiando, ainda que tenha sido proibido fazê-lo publicamente. Como vimos anteriormente, os apontamentos sobre o regime norte-americano e seu papel dito democrático não são nada mais que a mais tresloucada das fantasias. Inclusive, foi durante o governo de Joe Biden que o bolsonarismo cresceu mais.
Após tudo isso, um analista citado chega a dizer que um governo Kamala Harris haveria “mais diálogo e maior possibilidade de encontrar pontos em comum entre os dois países”. Sim, a atual vice-presidente do governo mais golpista do mundo, apoiadora tácita e promotora de um genocídio e ressalte-se: não em mero discurso, mas na prática, com bilhões de dólares.
“Layla Dawood aponta que o Brasil, assim como toda a região da América Latina, não tem aparecido como prioridade na política externa e de defesa dos Estados Unidos. (…)
(…) a escalada das tensões no Oriente Médio, a guerra na Ucrânia e a ascensão econômica e militar da China, diante dos quais, ‘o Brasil não está completamente alinhado com os interesses dos EUA’.”
Teríamos, frente a tal declaração, que avaliar de que Brasil e que Estados Unidos a analista citada fala, se estão em Marte ou em outra dimensão. Uma enxurrada de golpes ocorre neste exato momento. Evo Morales acaba de sofrer uma tentativa de assassinato na Bolívia, Gustavo Petro acaba de denunciar uma ofensiva golpista na Colômbia. E o veto de Lula à Venezuela nos BRICS, algo que contraria quase toda a sua história no que tange a política externa? Teria ele feito isso sem sofrer uma pressão esmagadora do imperialismo norte-americano? Faz-se claro, o artigo é uma verdadeira peça de ficção, e seus analistas seriam melhor definidos como romancistas da área.
A título de comparação, para encerrar este artigo, basta citar em política externa uma comparação de Trump para Kamala. O primeiro buscou distensionar as relações dos EUA com a Rússia, com a Coreia do Norte, e agora dá declarações no sentido de distensionar as relações norte-americanas com o Irã. Boa parte da campanha de Trump se apoia no fato de ele se colocar contra as “infinitas guerras”, como ele chama, dos EUA pelo mundo. E durante seu mandato, os EUA não entrou em nenhuma nova guerra. Já durante o governo Biden, no primeiro mês de mandato, os EUA bombardearam a Somália.