O alvoroço da esquerda pequeno burguesa com a candidatura de Kamala Harris para a presidência dos Estados Unidos está gerando uma série de discussões para justificar um apoio ao Partido Democrata. Independente do setor que Harris representa, para a esquerda qualquer coisa é válida para derrotar o “monstruoso” Donald Trump, do Partido Republicano.
O sítio Esquerda Online, em matéria intitulada “Crítica à Representatividade Neoliberal: O Caso Kamala Harris”, a autora Rafaella Florencio apresenta uma preocupação com a suposta representatividade da candidata democrata:
“Apesar de ser uma mulher negra e filha de imigrantes, atributos que, à primeira vista, poderiam sugerir uma representação autêntica da diversidade e inclusão, Harris não escapa da crítica mais profunda sobre suas políticas e alinhamentos. Sua identidade, embora importante, não deve ser vista como um substituto para um compromisso genuíno com as causas da classe trabalhadora.”
Florencio reconhece que, mesmo sendo uma mulher negra, Harris não seria uma “representação autêntica”, pois sua política é totalmente contrária aos interesses do trabalhador. Na sequência, a autora critica o apoio de Harris às políticas de imigração que “perpetuam a opressão e a marginalização”.
Mesmo não representando uma política para os oprimidos, a autora destaca que as questões de raça e gênero ainda possuem alguma relevância:
“A questão da representatividade de gênero e etnia no parlamento é de indiscutível importância para setores progressistas. No entanto, é crucial reconhecer que tal representatividade, quando desvinculada da luta de classes, corre o risco de ser instrumentalizada pela burguesia para manter o status quo. Harris simboliza um falso avanço em termos de diversidade, já que representa políticas que não desafiam as estruturas opressivas do capitalismo e do imperialismo.”
E conclui que a esquerda estaria errada em comemorar sua indicação apenas por ser negra, pois “sua posição política revela uma continuidade das práticas imperialistas e neoliberais que não servem aos interesses da classe trabalhadora”.
Até aqui, pudemos notar um grande jogo de equilibrismo da autora, que se propõe a criticar Harris, mas com mil considerações pelo fato de ser mulher negra. A esquerda ficou tão influenciada que para discutir politicamente alguma coisa, precisa antes se levar em consideração quem está dizendo, de onde veio e, principalmente, seu gênero e sua cor de pele.
Devemos explicar já que, o que interessa de fato, não são esses detalhes, mas sim a política a ser defendida. Não importa ter um parlamento com maioria de pessoas negras se todos eles serão serviçais da política de genocídio do governo norte-americano. Se for um parlamento cheio de homens brancos que defendam o direito dos trabalhadores melhor do que essas bandidas como Kamala Harris, a população negra e as mulheres tem muito mais a ganhar.
E para mostrar como essa questão é secundária, usemos a própria consideração da autora:
“Embora sua identidade como mulher negra e filha de imigrantes possa sugerir uma representatividade significativa, suas políticas perpetuam as práticas imperialistas e neoliberais que caracterizam a administração Biden.”
O texto procura criticar a euforia da esquerda com a candidatura de Kamala Harris, mostrando que ela é uma direitista e uma representante dos interesses do imperialismo. Florencio chega a comentar inclusive o papel de Harris no apoio ao genocídio na Faixa de Gaza, um dos maiores crimes na história da humanidade e que, cabe lembrar, é um processo de limpeza étnica onde “Israel” tenta exterminar todo um povo.
E mesmo com todos esses absurdos defendidos, a conclusão da autora é a de que, ainda assim, é necessário apoiar a candidata dos democratas:
“Contudo, precisamos acompanhar de perto o desenvolvimento das eleições norte-americanas e, se possível, intervir para garantir que Kamala Harris ou outro candidato do Partido Democrata seja eleito [grifo nosso]. Isso se torna crucial para impedir o retorno do principal representante do fascismo mundial, Donald Trump, no coração do imperialismo. A derrota de Trump e do que ele representa é uma prioridade, não apenas pela política interna dos EUA, mas pelos impactos globais de suas políticas excludentes e discriminatórias.”
A linha de raciocínio da autora é um grande exemplo do nível de confusão política presente na esquerda. Parece uma verdadeira loucura apontar que Kamala Harris é uma genocida, mas mesmo assim devemos apoiá-la.
A conclusão de Florencio representa a total ausência de política dentro desse setor da esquerda. É um setor que está completamente nas mãos do imperialismo e sujeito a qualquer pressão para apoiar os genocidas do Partido Democrata.
O motivo parece nobre. A autora, assim como boa parte da esquerda, acredita que Donald Trump é o maior inimigo dos trabalhadores de todo o mundo. É uma crente da tese de que a luta do momento é a luta da democracia contra o fascismo, e de que Harris e Biden são mais democráticos que o fascista Trump. A esquerda entrou de cabeça nessa política de comparar dois lixos e a conclusão sempre é a de apoiar o famoso “mal menor”.
No caso de Trump, todo mundo já conhece suas posições de extrema-direita, todos sabem que é racista e contra os interesses do trabalhador. É mais fácil fazer uma campanha contra ele. No caso de Harris, a coisa fica mais confusa, pois é uma mulher negra e não ficou marcada por dar tantas declarações abertamente criminosas como Trump faz. No entanto, Harris esteve essa semana reunida com Netaniahu, responsável por um dos maiores genocídios da história.
Para essa esquerda, está tudo bem apoiar os genocidas do Partido Democrata e “Israel”, se for para derrotar o perigoso Trump. E mesmo Trump sendo igualmente sionista, o seu governo foi um governo muito menos belicoso se comparado com os governos dos democratas. Ambos são imperialistas, mas com interesses de distintos setores da burguesia, mas todos igualmente influenciados pela situação política geral. Não é possível saber ao certo o quanto Trump financiaria “Israel”, mas o Partido Democrata nunca deixou de apoiar os criminosos sionistas.
A autora compreende que Harris não representa os negros ou as mulheres, que ela é parte do imperialismo e que é uma genocida igual o Biden, mas mesmo assim acha que a esquerda deve apoiar. Após esse tipo de declaração, devemos reconsiderar se podemos realmente caracterizar esse tipo de grupo como algo da esquerda e dos trabalhadores.
Não há motivo no mundo que justifique apoiar um dos partidos mais criminosos do mundo, responsável por bombardear países na África, no Oriente Médio, por promover golpes de Estado na América Latina.
Rafaella Florencio, assim como um grande setor da esquerda, está completamente perdido. Seja algo consciente ou não, atuam como total serviçal dos interesses norte-americanos.
A discussão toda leva também a conclusão que, na luta política, as questões de gênero ou raça são totalmente secundárias. O que importa é o interesse político. E nesse caso, a autora está do lado do imperialismo.
E para que não haja dúvidas, a tarefa das organizações de trabalhadores e da esquerda, não é a de, em hipótese alguma, apoiar uma candidatura da direita, ainda mais de uma genocida de carteirinha. A esquerda não deve se apoiar na política do “mal menor” e deve lutar pelo seu próprio programa, denunciando todos esses que sequestram a pauta dos trabalhadores para confundir a população com os interesses mesquinhos do imperialismo.