Não é necessário muita imaginação para perceber que não existe nada de “prático” nas roupas femininas; elas não foram concebidas para deixar as mulheres mais felizes ou relaxadas, nem mesmo mais bonitas. As roupas foram feitas para nos deixar mais desejáveis, ora escondendo (para ressaltar pela curiosidade), ora mostrando as virtudes (para atrair). O preço a ser pago sempre foi alto, basta lembrar das vestimentas torturantes que as mulheres usaram por séculos, como os espartilhos, os sapatos deformantes nas meninas chinesas, até os saltos altos e os jeans apertados que perduram até hoje e são vestimentas usuais desde a adolescência. “There’s more to clothes than to keep warm” já diziam os ingleses; tudo na moda é erotismo, e o preço de despertar o desejo é o desconforto. O sacrifício brutal em nome do narcisismo é milenar, transcultural e essencial – pensem nos rituais de escarificação das adolescentes indígenas e nas inúmeras cirurgias plásticas a que se submetem as mulheres do ocidente com o claro objetivo de oferecer uma chance maior ao seu destino reprodutivo. Todos esses sacrifícios imensos servem essencialmente para torná-las mais desejáveis através de signos sexuais que podem ser traduzidos pela aparência, e a história nos prova que a recompensa vale a pena.

Assim sendo, uma sociedade em que as mulheres se revoltassem contra estas imposições culturais e decidissem usar saltos normais, pele natural, lábios sem batom, calças confortáveis e calcinhas largas, de algodão e que não marcassem as curvas voluptuosas do seu corpo seria um lugar bem menos desconfortável para se viver, mas pareceria tão diferente do que temos hoje que sequer seria reconhecível como humana. Uma adolescente que privilegiasse o seu bem estar e conforto corporal em detrimento da sedução e do impacto que causa ao olhar do outro seria vista como “esquisita” ou pelo menos “estranha”. Enquanto a estrutura psíquica feminina for narcísica as mulheres farão qualquer sacrifício para garantir seu lugar ao sol.

Deveria ser igualmente evidente que as mulheres não precisam tolerar toda essa opressão da aparência; cabe a elas decidir qual jogo jogar. Não há nada de errado ou imoral em desmerecer todas estas convenções sociais e valorizar virtudes “internas”, como conhecimento, dedicação, estudo, etc e desprezar as formas externas, deixando de consumir cosméticos, cirurgias, adereços e roupas que ressaltam o corpo. O mesmo se pode dizer dos homens; eles podem decidir de forma diferente a respeito de suas estratégias e alternativas na corrida para garantir seu espaço no “pool genético” do planeta. Um homem, por exemplo, pode desconsiderar seu poder de sedução e não fazer o que os homens tipicamente fazem para conquistar as mulheres, mas talvez isso reduzisse muito suas chances para encontrar parceria. São escolhas legítimas; todavia, o que não parece correto é romper apenas com as regras que não nos agradam. Por exemplo: quero jogar o jogo da sedução, mas não quero o esforço de seduzir e não quero ser vista como “objeto sexual”. Quem pretende participar da disputa sexual deve entender as regras.