O Ministério das Relações Exteriores do governo brasileiro publicou, nesta segunda-feira (27), uma nota referente aos ataques aéreos israelenses sobre tendas de refugiados palestinos na cidade de Rafá, na fronteira da Faixa de Gaza com o Egito. O texto começa criticando, de forma muito moderada, o massacre que havia resultado em mais de 40 mortes até aquele momento. No entanto, após dizer que “o governo brasileiro condena a contínua ação das forças armadas israelenses contra áreas de concentração da população civil de Gaza“, afirma que “o governo brasileiro deplora também a retomada, pelo Hamas, de lançamentos de foguetes de Gaza contra o território israelense, ocorrida no final de semana [grifo nosso]“.
De um lado, um ataque covarde a um campo de refugiados que é considerado uma “área segura” – isto é, na qual “Israel” se comprometera a não realizar ataques militares. De outro, um ataque legítimo das forças de resistência contra uma ocupação ilegal. De um lado, mais de 40 mortos e mais de 250 feridos, incluindo episódios de pessoas sendo queimadas vivas e crianças desmembradas. De outro, um ataque estratégico que não resultou em um único morto, visando apenas demonstrar a capacidade militar das forças de resistência. De um lado, um exército armado e financiado pelos países mais poderosos do mundo assassinando mais de 36 mil pessoas em sete meses. De outro, milícias formadas pela própria população para resistir a um regime de apartheid.
Qualquer tipo de comparação entre os bombardeios israelenses e a operação realizada pelo Movimento de Resistência Islâmica (Hamas, na sigla em árabe) no dia 26 de maio é abjeta. Serve apenas para minimizar o impacto de qualquer crítica à ação criminosa dos opressores. Afinal, não haveria apenas “um lado” assassinando bebês, crianças, mulheres e idosos indiscriminadamente. Haveria também um lado “agressor”, que disparou foguetes (!) contra a ocupação. É uma comparação vergonhosa em todos os sentidos.
Mas não é só isso. A comparação entre as duas ações é parte da campanha do sionismo para justificar um dos piores crimes de guerra já vistos em toda a história da humanidade. Diante dos horrores praticados contra uma população que já havia sido expulsa de suas casas e que vive vulnerável à sede, à fome e a doenças contagiosas, o governo israelense apresentou a desculpa de que o ataque ocorreu “através da utilização de munições precisas e com base em informações precisas que indicavam a utilização da área pelo Hamas”. Isto é, ainda que seja uma farsa, pois ao menos 23 das pessoas mortas eram crianças, mulheres e idosos, e não integrantes do Hamas, para o governo de “Israel”, o massacre estaria justificado porque teria como alvo os combatentes islâmicos. Esse é o pretexto de “Israel” para promover a sua limpeza étnica nos últimos meses: uma suposta “defesa” contra a ação de “terroristas” do Hamas.
Seria mais honesto por parte do Itamaraty se publicasse uma nota como a do governo de Joe Biden, que disse: “Israel tem o direito de perseguir o Hamas, e entendemos que este ataque matou dois importantes terroristas do Hamas, que são responsáveis por ataques contra civis israelenses”. Em outras palavras, “parabéns a Benjamin Netaniahu, pois disse ter matado dois militantes do Hamas!“. Se dissesse isso, ao menos o Ministério das Relações Exteriores tornaria mais clara a sua opinião: a de que, se não houvesse o Hamas, a pobre e indefesa “Israel” não teria cometido crimes de guerra em Rafá. Sendo o Hamas hoje o partido mais popular de toda a Palestina, podemos, então, concluir que a opinião explícita do governo norte-americano e a opinião enrustida do Itamaraty é a de que os palestinos são os verdadeiros culpados pelo que aconteceu em Rafá.
A nota do Itamaraty, assim como a de Joe Biden, não visa se solidarizar com os palestinos, mas visa, diante do fato de que a opinião pública se voltou completamente contra o Estado de “Israel”, justificar a ação criminosa dos sionistas. Tratam-se, inclusive, de notas praticamente únicas em todo o mundo. Nos dias seguintes ao massacre, países como Espanha, Noruega e Irlanda, que não integravam a lista de 142 países que reconheciam o Estado Palestino, passaram a reconhecê-los oficialmente. Até mesmo representantes de organizações imperialistas, como o espanhol Josep Borrell, Alto representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança da União Europeia, criticou Benjamin Netaniahu, sem criticar o Hamas. Mais que isso: foi a público dizer que o primeiro-ministro israelense classifica como “antissemitismo” sempre que “alguém faz algo que Netaniahu não gosta” e que o reconhecimento do Estado Palestino nada tinha a ver com “apoio ao terrorismo”.
A adoção, por parte do Itamaraty, da versão sionista dos acontecimentos, no momento em que o mundo inteiro se volta contra o sionismo, é uma demonstração de que o Ministério das Relações Exteriores não responde ao presidente da República, que é uma pessoa ligada aos BRICS – bloco de países que estão cada vez mais em enfrentamento com o imperialismo. Mostra que há uma infiltração sionista em um dos principais ministérios do governo Lula.
Na atual etapa de crise, em que o imperialismo parte para uma contraofensiva mundial para tentar recuperar o terreno perdido com os golpes nacionalistas na África, a guerra na Ucrânia, a insurreição talibã e a ação revolucionária do Eixo da Resistência no Oriente Próximo, essa infiltração representa um grande perigo para o governo.