Depois de muito encherem a paciência do mundo inteiro choramingando devido a uma suposta “onda de antissemitismo”, os sionistas agora fazem um balanço de que a campanha em torno de um suposto “novo holocausto” fracassou. O artigo Combater o antissemitismo abraçando narrativas judaicas positivas e o sionismo, publicado pelo jornal israelense The Jerusalem Post, é um exemplo disso.
O texto é escrito pelo judeu ortodoxo Marc D. Angel, fundador e diretor do Instituto para Ideais. Ele é o Rabino Emérito da Sinagoga Espanhola e Portuguesa da Cidade de Nova Iorque (fundada em 1654), onde começou a servir em 1969. Nascido nos Estados Unidos, chegou a ser presidente do Conselho Rabínico da América entre os anos de 1990 e 1992.
No artigo, após chamar de “massacre” o início da Operação Dilúvio de Al-Aqsa, quando os combatentes do Movimento de Resistência Islâmica (Hamas, na sigla em árabe) atingiram uma série de alvos militares israelenses e fizeram centenas de prisioneiros de guerra, o rabino constata que “a imprensa judaica rapidamente passou a divulgar que este havia sido o maior número de judeus assassinados em um único dia desde o Holocausto”. Isto é, que o poderoso aparato de propaganda sionista, que vai muito além de um punhado de órgãos israelenses, consistindo, na verdade, em uma agência de propaganda do próprio imperialismo, presente em praticamente todo o mundo; iniciou uma campanha política com o objetivo de comparar a ação libertadora do Hamas com as operações contrarrevolucionárias da Alemanha Nazista.
Demonstrando acordo com a campanha feita inicialmente pelo sionismo, o rabino afirma:
“O pensamento comum diz que, quando as pessoas, especialmente os jovens, aprendem sobre os horrores do Holocausto, se tornam mais solidárias para com os judeus e conscientes dos perigos do ódio religioso e racial. Com mais conhecimento sobre o Holocausto, presume-se que as pessoas estarão menos propensas a atitudes e comportamentos antissemitas.”
Até aí, seria chover no molhado. Exceto que o fato de que a comparação entre a ação do Hamas e o holocausto judeu seja absurda, o que o autor diz é óbvio: a melhor maneira de evitar um novo massacre seria por meio de uma campanha que explicasse as consequências negativas do massacre praticado pelos nazistas. Mas a questão é: por que, segundo o próprio autor, a propaganda sionista acerca do Holocausto não está surtindo efeito?
O autor, então, chega a uma conclusão absurda e cínica:
“A discussão sobre o Holocausto, a menos que seja bem planejada, pode ter consequências negativas. Para aqueles mergulhados no ódio antijudaico, o Holocausto pode, na verdade, encorajar o seu antissemitismo. Eles veem os judeus como um grupo minoritário desprezado que é um alvo fácil para o ódio e a violência. Eles veem que milhões de judeus foram sistematicamente massacrados enquanto grande parte do mundo ficou de lado. Nas mentes dos raivosos que odeiam os judeus, o Holocausto é um ideal, não um desastre.”
A explicação, na verdade, é muito mais simples. A propaganda sionista não está surtindo efeito por duas razões.
Em primeiro lugar, porque é uma campanha mentirosa. Sim, houve o Holocausto. Sim, foi algo terrível. Mas os sionistas mentem, por exemplo, quando dizem que o Estado de “Israel” foi fundado por pessoas que fugiram das perseguições da Alemanha Nazista. Nem um único fundador da entidade sionista sequer pisou em um campo de concentração. Ben-Gurion, Ariel Sharon e Golda Meir nunca foram alvo de perseguição nos países europeus. Não bastasse tudo isso, a própria burguesia judaica colaborou com o nazismo, firmando acordos com Adolf Hitler, como foi o caso do Acordo de Haavara, que visava a imigração judaica para a Palestina.
A campanha sionista acerca do Holocausto também mente quando diz que o Holocausto teria sido um crime contra a humanidade único, exclusivo. Fato é que nem mesmo na Alemanha Nazista os judeus foram a principal vítima. A ditadura de Adolf Hitler não foi estabelecida para perseguir os judeus, mas sim para esmagar o movimento operário, resultando na perseguição de lideranças sindicais, militantes políticos e diversos setores oprimidos da sociedade alemã. O povo que mais sofreu na Segunda Guerra Mundial foi, de longe, a população da União Soviética. Estimativas conservadoras dão conta da morte de pelo menos 20 milhões de eslavos pelas mãos das tropas hitlerianas.
Por fim, a propaganda sionista também mente quando diz que “Israel” é o “Estado dos judeus”. Não por acaso, os chamados judeus ultra ortodoxos dizem que sequer os sionistas são judeus. Afinal, o Estado artificial foi fundado por uma população europeia, que nunca esteve na Palestina, e não é reconhecido por muitos dos judeus que descendem daqueles que viviam na Palestina há centenas de anos.
As mentiram não fortalecem a campanha em memória do Holocausto. Pelo contrário, a desmoralizam. Abrem brechas para que não apenas a propaganda sionista seja questionada, mas sim toda a própria existência do Holocausto. Trata-se de algo natural: se os supostos maiores interessados na memória do holocausto apresentam uma versão inconsistente dos fatos, a própria ideia de que houve um holocausto vai ser colocada sob suspeita por muitas pessoas.
O segundo motivo pelo qual a propaganda sionista não está fazendo efeito se deve ao fato de que, ainda que tudo o que os sionistas falam sobre o Holocausto fosse verdade, a morte de judeus não passa de um episódio macabro da história humana. É passado, não presente. É passado, e nada indica que venha a ser futuro. O que quer que tenha acontecido, já não existia mais na década de 1960.
Em contrapartida, há um episódio muito macabro acontecendo no presente. O povo palestino está sendo bombardeado covardemente, está sendo queimado vivo, está sendo desmembrado. E por quem? Justamente por aqueles que se dizem – mas não são – os descendentes das pessoas que sofreram o Holocausto. Como se alguém que tenha visto seus parentes e amigos serem condenados a trabalhos forçados e serem mortos cruelmente em uma câmara de gás fosse defender o uso de armas químicas, o estupro de mulheres, a tortura de presos e o assassinato de crianças na Faixa de Gaza.
Ao contrário do que o rabino diz, contudo, o fracasso da campanha em torno do sofrimento no Holocausto não levou a uma nova onda de “antissemitismo”. Felizmente para os judeus, os oprimidos em todo o mundo estão dando uma grande lição de humanidade e, em vez de pregar o extermínio do povo que supostamente está promovendo um genocídio, simplesmente estão rejeitando a conversa mole de que os monstros que governam o Estado de “Israel” devem ser defendidos. Ainda que fosse compreensível que uma parcela dos oprimidos se voltasse contra os judeus, uma vez que “Israel” diz falar em nome deles, sequer isso está acontecendo.
O que Marc D. Angel queria, portanto, não era que o mundo se compadecesse do sofrimento dos israelenses e se solidarizasse com um povo que está sob ataque. O que ele queria, na verdade, era neutralizar a tendência natural dos oprimidos de se solidarizarem com o povo palestino, que é vítima, esse sim, de um holocausto. O rabino se preocupa com os milhões de judeus que morreram no passado para jogar areia nos olhos da população que está vendo mais de 16 mil crianças serem assassinadas por “Israel”.
O fracasso da propaganda sionista é, portanto, uma conquista dos oprimidos de todo o mundo, que conseguiram, como resultado da mobilização das massas, da luta armada palestina e do desenvolvimento dos meios de comunicação, derrotar anos e anos da campanha promovida por “Israel”. Reconhecendo a derrota, o rabino, então, propõe uma solução: “precisamos de mais do que educação sobre o Holocausto. Precisamos de uma apresentação poderosa e positiva da história judaica, da conexão judaica com a terra de Israel, do idealismo judaico e da luta judaica pela paz e compreensão mútua”.
Se a campanha em torno do Holocausto já era um estelionato, pois utilizava o sofrimento de milhões de judeus para defender os interesses inconfessáveis dos sionistas, agora o autor propõe uma campanha abertamente nazista. Isto é, propõe nem mesmo jogar, sobre os crimes de “Israel”, o véu do patrimônio do sofrimento judeu, mas sim defender aos quatro ventos que os israelenses têm o direito de promover a limpeza étnica da Palestina.
Essa ideia fica clara quando Marc D. Angel diz coisas como:
“Faríamos bem em lembrar a profecia de Isaías (42:6) que relata a maravilhosa promessa de Deus ao povo de Israel de que eles se tornariam ‘uma luz para as nações’. Precisamos nos concentrar na luz; naquilo que demos, estamos dando e podemos dar ao mundo.”
“Essa é uma das aventuras mais incríveis da história da humanidade: o regresso de um povo antigo à sua pátria histórica e a construção de uma sociedade dinâmica e democrática é uma história sem precedentes de coragem, fé e persistência.”
“O ressurgimento de um Estado judeu soberano é uma conquista histórica notável. No entanto, como sabemos, não foi recebido com amor ou compreensão por muitos no mundo árabe. Em particular, enfrentamos aqueles que promovem a ideologia do Hamas que nega o direito dos Judeus à nossa própria terra.”
Se antes os sionistas ainda dedicavam parte de sua campanha à memória dos que morreram há 80 anos, agora partem abertamente para uma política de guerra. Os israelenses aqui já aparecem não mais como um “povo sofrido”, mas como um povo superior, que deveria impor os seus “valores” àqueles que não os “compreendam”. O rabino opõe os israelenses aos árabes, os israelenses a todos os que não são “iluminados” como bestas feras que nem Benjamin Netaniahu.
É uma concepção de quem não apenas reconhece que perdeu completamente o apoio da opinião pública mundial, mas também que já se prepara para uma nova etapa da luta de classes mundial, em que os Estados Unidos, a União Europeia e o Japão partirão para um enfrentamento de grandes proporções para tentar reprimir brutalmente qualquer povo e qualquer países que ouse lutar por sua libertação.