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Fábio Picchi

Militante do Partido da Causa Operária (PCO). Membro do Blog Internacionalismo e do Coletivo de Tecnologia do Partido da Causa Operária. Programador.

Coluna

Inventaram a doença para vender a cura?

Limitações das “inteligências artificiais” são cada vez mais evidentes. Será que as “novas funcionalidades” vão empolgar investidores?

Não é segredo nossa postura cética em relação aos recentes avanços em aprendizagem de máquina, nome chique para estatística aplicada que aparece nos meios de comunicação como “inteligência artificial”. Para facilitar, nos rendermos ao termo comercial. Funciona para fins de comunicação.

Talvez tenhamos sido céticos demais em colunas anteriores, a fim de contrabalancear a propaganda incessante em torno da tecnologia. Devemos confessar que a interface por linguagem natural com computadores é de fato mágica, e útil em determinadas aplicações, mas não podemos de deixar de nos contorcer ao ouvir os oráculos de Wall Street e do Vale do Silício anunciando a chegada da SkyNet, da inteligência artificial autônoma que vai dominar a humanidade.

As limitações de quem tentou usar a tecnologia são cada vez mais evidentes. Para aplicações críticas, é simplesmente inviável utilizá-la. Respostas precisas, para contas matemáticas, por exemplo, não funcionam. O sistema recorre a gerar um programa python que calcule a resposta, executa o programa e retorna ao usuário. Solução interessante? Sim. Eficiente? Temos muitas dúvidas. Para análise dos avolumados documentos legais, também é muito complicado, dado que verificar se o nosso papagaio estocástico favorito não alucinou nenhuma lei inexistente (o que talvez pegasse no Brasil) é tão difícil quanto ler por completo os textos legais. O mesmo vale para pesquisa acadêmica e jornalística.

Eis que a OpenAI empacota uma funcionalidade que já existia no Bing, mecanismo de busca da Microsoft cuja parte inteligente é sustentada pelo ChatGPT da OpenAI, e a entrega como o “revolucionário” ChatGPT Search. A nova funcionalidade visa mitigar o problema de “alucinações”, assim como na gambiarra envolvendo python que citamos no parágrafo anterior. Valendo-se de um método conhecido como geração melhorada por obtenção (Retrieval-Augmented Generation (RAG), em inglês), o ChatGPT faz buscas na internet, valendo-se de um motor de busca como o Bing ou o Google, e anexa à questão do usuário certos links considerados relevantes à mesma. Assim, o espaço amostral da pergunta é ampliado e o modelo pode gerar respostas que referenciam as fontes acrescentadas. Ainda não impede alucinações, mas torna mais conveniente a verificação das respostas por parte do usuário.

É inegável que o modelo da OpenAI é o mais assertivo no mercado e que sua nova versão, o o1, que se vale de múltiplas etapas de “reflexão” (de forma simplificada, o modelo conversa consigo mesmo antes de entregar uma resposta final) produz resultados impressionantes. Ainda assim, o ChatGPT Search deixa aquele sentimento de “mais do mesmo” e revela que não há uma solução muito simples para as famosas alucinações.

Mais do que isso, para nós ele expõe um fato muito curioso sobre a evolução tecnológica. O Google, nos idos dos anos 1990 e talvez na primeira década do século, era uma ferramenta que surpreendia por sua velocidade e resposta assertiva. Avance para as décadas seguintes, e perceberá que o próprio modelo de negócios do monopólio (a venda de anúncios em meio aos resultados de busca) e suas recomendações de otimização para quem quisesse sempre aparecer entre os primeiros resultados de busca fizeram surgir sítios e mais sítios inúteis na internet, mas que sempre figuravam no topo. Inundada de lixo – produzido desde meados da década passada pelas primeiras versões do GPT – a internet tornou-se um espaço cada vez mais poluído e os mecanismos tradicionais de busca, cada vez menos efetivos e mais mercenários.

O ChatGPT Search completa o ciclo. Depois que a inteligência artificial ajudou a produzir sites cheios de lero-lero e complementou a autodestruição das ferramentas de busca, eis que surgem com a solução. Apenas para usuários que pagam, naturalmente.

Será que esse tipo de ação mercenária vai fazer recuperar os vultuosos investimentos necessários para se treinar novas versões dessas inteligências artificiais? Será que as novas versões trarão novidades que superem o estado da arte na mesma proporção em que requerem investimento financeiro? O vermelho dos relatórios financeiros das startups de inteligência artificial é mais vívido do que nunca. Até quando continuarão a cativar os especuladores do mercado financeiro? O tempo irá dizer, mas dado o recente histórico de cortes e enxugamento de empresas de tecnologia – inclusive monopólios grandes como Meta, Microsoft e o próprio Google -, a consolidação do setor deve estar próxima.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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