Foi com um pouco de atraso que chegou a nosso conhecimento um projeto brasileiro de microprocessadores realizado pela Escola Politécnica da USP com financiamento do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação. O chip, ou chiplet, se apoia no conjunto de instruções RISC-V, desenvolvido por pesquisadores da Universidade de Berkley, elaborado sobre uma licença aberta, livre de royalties, como é o caso das desenvolvidas por grandes monopólios como Intel, AMD e ARM.
O microprocessador de 32bits é considerado um chiplet. Segundo nos explica o artigo publicado no Jornal da USP, o novo termo da área de microeletrônica é utilizado para se referir a circuitos integrados modulares, que podem ser facilmente incorporados a outros chipsets, conjuntos de circuitos integrados combinados para um determinado fim. Além do microprocessador, pesquisadores do Centro Interdisciplinar em Tecnologias Interativas (Citi) e do Laboratório de Sistemas Integráveis Tecnológico (LSITEC) desenvolveram outro chiplet com função especializada, um gerenciador de energia. Ambos serão utilizados no projeto Pulga, plataforma de hardware similar ao Raspberry Pi (ou Arduino?) brasileiro do tamanho de uma moeda de 25 centavos.
Quem nos acompanha já deve estar ciente de nosso interesse na indústria nacional de computação, em particular na sua reconstrução. Já falamos sobre como havia um setor de desenvolvimento de computadores pessoais e empresariais no Brasil nos anos 1980, muitas versões “paralelas” de máquinas produzidas por grandes monopólios imperialistas. Esse setor foi completamente varrido do mapa pelo tsunami neoliberal dos anos 1990.
É interessante que o setor volte a existir com foco na área de “internet das coisas”, isto é, dispositivos tradicionais que têm suas funcionalidades ampliadas por algum componente eletrônico. A crise na cadeia produtiva de chips durante a pandemia da COVID-19 afetou setores tradicionais da indústria nacional (também em decadência) como a fabricação de carros, quase todos com centenas, senão milhares, de componentes eletrônicos, e o agronegócio de alta produtividade que há no Brasil, que depende da alta tecnologia. A burguesia brasileira, por mais reacionária que seja, parece finalmente perceber que o desenvolvimento de tecnologia de ponta no Brasil é uma questão de sobrevivência para sua própria lógica exportadora.
Além desse investimento, que já gera resultados, o governo Lula recuperou a CEITEC, conhecida como empresa do “chip do boi”. A chacota da direita neoliberal deve-se ao fato da estatal focar na produção de circuitos de RFID, emissores e leitores de identificadores por radiofrequência, como as etiquetas “Sem Parar” que muitos têm em seus carros. Era chip do boi porque seu uso primário era na identificação do vasto gado brasileiro. Apesar de ser um chip de baixíssima complexidade, sua produção era feita inteiramente no Brasil, do silício ao circuito integrado, algo único em toda a América Latina.
O domínio da tecnologia de ponta é uma questão essencial não apenas para a soberania econômica, mas para garantir a segurança nacional. Conforme o imperialismo toca os tambores da guerra, o Brasil, se quiser ter o mínimo de independência, precisa se desenvolver na área. Vejamos os drones iranianos, que fazem sucesso tanto na Ucrânia como em Israel no combate à ditadura mundial imperialista. Os chineses, por mais que ainda não tenham atingido o nível dos países imperialistas (principalmente devido às sanções impostas sobre material relacionado à tecnologia), estão cada vez mais próximos.
O desenvolvimento desse componente, por mais simples que seja quando comparado ao processador do computador no qual escrevemos esta coluna, é notícia de fundamental importância para o país. É um grande feito do atual governo, que coleciona constrangimentos com sua política cambaleante, mas não recebe nenhum destaque. A imprensa golpista nacional naturalmente nunca ofereceria espaço para isso, mas nos surpreende que a imprensa de esquerda ainda não o tenha feito. Procuramos corrigir essa falha com esta coluna.