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Ricardo Rabelo

Ricardo Rabelo é economista e militante pelo socialismo. Graduado em Ciência Econômicas pela UFMG (1975), também possui especialização em Informática na Educação pela PUC – MINAS (1996). Além disso, possui mestrado em sociologia pela FAFICH UFMG (1983) e doutorado em Comunicação pela UFRJ (2002). Entre 1986 e 2019, foi professor titular de Economia da PUC – MINAS. Foi membro de Corpo Editorial da Revista Economia & Gestão PUC – MINAS.

Coluna

Índia: a ditadura de Modi perde folego

"Somente a luta de classes pode impedir que o país se alinhe ao imperialismo"

A vitória de Narendra Damodardas Modi nas recentes eleições na Índia significa a vitória de uma política de extrema direita em todos os sentidos. É a vitória de uma política neoliberal que há 10 anos domina a Índia e tem destruído sistematicamente a economia nacional. É a vitória de uma política racial nazista, que impõe o supremacismo hindu com discriminação e opressão dos muçulmanos numa lógica que pode resultar em genocídio. 

A NDA uma frente de partidos liderada pelo BJP, partido de extrema direita de Modi, obteve 291 assentos na Lok Sabha, a câmara baixa do Parlamento, enquanto a oposição, uma aliança de 28 partidos liderada pelo Partido do Congresso Nacional chamada INDIA, conquistou 234 assentos.

A reeleição de Modi mistura o triunfo de um terceiro mandato com a derrota de um projeto de hegemonia, já que este líder de 73 anos propagou a ideia de obter 400 assentos, o que lhe daria possibilidade de mudar a Constituição e implementar definitivamente seu projeto de uma teocracia autoritária e racista. 

As eleições gerais da Índia começaram em 19 de abril e terminaram com a divulgação dos resultados oficiais em 4 de junho , sendo realizada em várias fases e com a utilização do voto eletrônico devido ao enorme volume de votantes deste país extremamente populoso. 

O governo resultante dessa votação não é exatamente o que se poderia esperar da “maior democracia do mundo”. A defesa fanática de uma religião — a hindu — considerada pelo governo como superior a todas as outras e a violenta perseguição da outras crenças, com ênfase principalmente nos muçulmanos, mostra que não se trata de uma democracia real que possibilite a integração das minorias e o multiculturalismo. A perseguição infligida aos mais de 200 milhões de muçulmanos e os crimes do ódio tornaram-se predominantes nos governos anteriores, assim como a complacência diante do aumento dos feminicídios e agressões sexuais contra mulheres. 

No período entre 2011 e 2021, os crimes contra as mulheres na Índia aumentaram 87%, de acordo com dados do National Crime Records Bureau da Índia A oposição tem sido perseguida e reprimida, como demonstra a tentativa de prisão de Rahul Gandhi, o líder do Partido do Congresso, o maior da oposição, sob o pretexto do “crime” de difamação em 2023. A liberdade de opinião, de imprensa e de expressão são inexistentes no país. A sumária proibição do documentário da BBC “Índia The Modi Question” em que o primeiro-ministro é mostrado como incentivador de um “progrom” contra os muçulmanos no estado de Gujarat em 2002 mostra que a censura é total na Índia. No Índice de Liberdade Mundial anual de Imprensa, a Índia caiu do 140º para o 161º lugar em 2023 de um total de 180 nações.

Os pogrons contra os seguidores do Alcorão são realizados sistematicamente nas mesquitas, ruas e bairros onde milhares de casas e instalações foram destruídas por escavadeiras, em muitos casos com pessoas em seu interior. Os massacres são planejados anteriormente e envolvem estupro coletivo, pessoas queimadas vivas, mulheres grávidas cujas barrigas são esfaqueadas e crianças espancadas até a morte. Estes tipos de shows de violência foram realizados durante a última visita do então presidente Donald Trump, em 2020. Como preparação para a reunião do G20, realizada em Nova Delhi em setembro de 2023, o governo atacou e destruiu as habitações de milhares de pessoas, sendo deslocados para outras regiões pelo menos 300.000 indianos. 

As classes trabalhadoras são super exploradas e, apesar do crescimento econômico e dos avanços tecnológicos, a maior parte da população não tem acesso aos benefícios da modernização conservadora implementada nos últimos anos. O desenvolvimento capitalista, com base em uma política abertamente neoliberal, elevou as taxas de desemprego, que chegaram a 8% em 2023, segundo dados do CMIE (Centro de Monitoramento da Economia da Índia). 

Segundo a revista Forbes, o país tem 200 bilionários, contra 169 no ano passado, com riqueza coletiva estimados em 954 bilhões de dólares, que coabitam com 270 milhões indianos abaixo da linha da pobreza, o que coloca a Índia em 143º lugar entre os 195 países avaliados, segundo o Banco Mundial, que tem também cerca de 400 milhões de analfabetos.

Ao mesmo tempo, continuam a instalar-se imensas maiorias em um mundo que se assemelha ao século VI, submetido aos caprichos do regime de castas onde ainda mais de 200 milhões de impuros, intocáveis ou dalits, vivem em condições de discriminação difíceis de comparar com qualquer outro coletivo social no mundo.

O terceiro mandato do partido BJP comandado por Modi anuncia mais um período de opressão de uma verdadeira ditadura a realizar um genocídio sobre uma enorme parte da população , mas anuncia também uma possível crise desse regime com a não obtenção da maioria no Parlamento pelo partido BJP e o avanço significativo da oposição nas eleições. 

Segundo os resultados oficiais, a coligação de partidos que apoiam Modi, a Aliança Democrática Nacional, conquistou 286 assentos no Parlamento — para garantir a maioria, são necessários 272.

No entanto, o partido de Modi, o Bharatiya Janata (BJP) teve um desempenho pior do que em eleições anteriores e precisará negociar com os aliados regionais para governar.

Esta é a primeira vez em 10 anos que o partido de Modi não detém sozinho a maioria no Parlamento indiano. Os 239 assentos conquistados nesta eleição, segundo dados da Comissão Eleitoral, significam uma perda de mais de 60 cadeiras do BJP no Parlamento indiano.

O resultado das urnas mostrou um cenário diferente das duas eleições anteriores, quando sua sigla havia conseguido, sozinha, a maioria suficiente para governar sem a necessidade de alianças. Em 2019 e 2014, o BJP conquistou 303 e 282 assentos, respectivamente. O bloco de oposição, liderado pelo Partido do Congresso, conquistou 232 cadeiras. 

 A modernização imposta por Modi transformou a Índia em uma economia com grande crescimento e desenvolvimento tecnológico, que colocou o país no restrito grupo de participantes das viagens espaciais, além dos grandes investimentos em infraestrutura, crescimento das rodovias, implantação de trens mais rápidos, modernização de aeroportos, expansão das universidades, hospitais, linhas de metrô, prédios de luxo e grandes centros urbanos espalhados pelo território do país. Essas mudanças, no entanto, foram dirigidas para os setores economicamente mais privilegiados, a grande e média burguesia e a alta classe média. Hoje a Índia se destaca na produção industrial de tecnologia de ponta, pois é grande produtora de eletroeletrônicos, agroindustriais, informática (maior exportadora mundial de software), automotiva, petroquímica, siderúrgica, têxtil e alimentícia. A Índia é um país emergente e em desenvolvimento. É a décima economia do mundo em termos de Produto Interno Bruto (PIB) nominal e a sexta maior em termos de Paridade do Poder de Compra (PPC).

O setor industrial da Índia tem apresentado um crescimento positivo nos últimos anos. Em 2020, o setor cresceu 6,6%, enquanto em 2021, cresceu 8,8%. No primeiro semestre de 2022, o setor cresceu 7,9%. O setor de bens de consumo duráveis cresceu 8,1% em 2020, 9,3% em 2021 e 8,3% no primeiro semestre de 2022. O setor de bens de consumo semi e não duráveis cresceu 4,3% em 2020, 6,6% em 2021 e 7,9% no primeiro semestre de 2022. O setor de bens de capital cresceu 1,9% em 2020, 4,6% em 2021 e 7,8% no primeiro semestre de 2022.

A produção agrícola da Índia cresceu 3,1% em 2020-21, atingindo uma produção recorde de 353,7 milhões de toneladas. O crescimento foi impulsionado pelo aumento da produção de cereais, leguminosas, óleos vegetais e açúcar. O arroz foi o produto agrícola mais produzido na Índia em 2020-21, com uma produção de 122,5 milhões de toneladas. Os principais problemas do setor agrícola da Índia incluem a falta de infraestrutura, a escassez de água e a baixa produtividade.

A distribuição de renda na Índia é extremamente desigual. Em 2022, o 1% mais rico da população detinha 22,6% da renda total, enquanto os 50% mais pobres detinham apenas 13,1%. A desigualdade de renda tem aumentado nos últimos anos, principalmente devido ao crescimento dos salários dos trabalhadores mais qualificados e à queda dos salários dos trabalhadores não qualificados. A desigualdade de renda também é exacerbada pela falta de acesso à educação e à saúde de qualidade para os pobres.

O país, no entanto, permanece com mais de 60% da população no setor agrícola , em crise permanente e prejudicado pelas políticas do governo. O que caracteriza a maioria da população é a escassez de produtos básicos, desemprego, falta de acesso à educação, um sistema de saúde precário, atraso nos métodos de produção agrícola e, mais recentemente, o não enfrentamento pelo governo de uma terrível crise climática. 

O Governo eleito provavelmente vai continuar propagando o conceito de supremacismo hindu, conhecido como a Hindutva, e implementando uma política que jogue uma parte da população contra a outra, para assim ocultar os reais problemas do país. Essa política, no entanto, parece não ter os resultados de outras épocas, o que explica a derrota parcial sofrida por Modi nas eleições. 

O governo mandou construir, a um custo de cerca de 250 milhões de dólares, um templo monumental em que aspira transformar em epicentro da religiosidade hindu, comparável ao Vaticano cristão ou à Meca muçulmana. O templo é dedicado ao principal deus da mitologia hindu, Rama, e foi erguido sobre as ruínas da mesquita Babri do século XVI, que uma multidão de fanáticos hindus destruiu em 1992. Apesar do aspecto espetacular da construção, Modi foi derrotado eleitoralmente na cidade de Ayodhya, no estado de Uttar Pradesh, onde o templo foi construído.

Por outro lado, a coligação oposição, Aliança Inclusiva de Desenvolvimento Nacional da Índia (INDIA), liderado pelo Partido do Congresso Nacional Indiano (PCNI), do clã Nehru-Gandhi, conquistou cerca de 232 assentos, um número muito superior ao que as sondagens indicavam, por isso Mallikarjun Kharge, presidente da do PCNI, definiu os resultados como “uma derrota política e moral do governo”.

O voto muçulmano foi claramente direcionado para o Partido do Congresso como resposta às agressões violentas perpetradas pelo grupo paramilitar Rashtriya Swayamsevak Sangh ou RSS (Associação Nacional de Voluntários) –ou pela permanente agressão do governo através de uma série de leis e regulamentos, a maior delas a extinção da autonomia da Caxemira, onde se concentra a maioria dos muçulmanos.

O retorno das mobilizações camponesas

Após as grandes mobilizações de 2020-2021, que resultaram em vitórias, o governo conseguiu estabilizar a situação. Às vésperas das eleições legislativas indianas de 2024, os agricultores voltam a se mobilizar.

No dia 13 de fevereiro, milhares de agricultores iniciaram uma marcha até a capital nacional para exigir suas demandas, incluindo o preço mínimo de apoio (MSP, seu valor é determinado pelo preço pelo qual o produto será vendido no final da cadeia produtiva). Mas quando os agricultores do Punjab estavam a caminho de Delhi, a polícia os parou na fronteira Punjab-Haryana e atacou os manifestantes com canhões de água e gás lacrimogêneo.

Depois que as negociações com representantes do governo falharam em 12 de fevereiro, grupos como Samyukta Kisan Morcha (Frente Unida dos Camponeses) e Kisan Mazdoor Morcha (Frente de Agricultores e Trabalhadores) organizaram a marcha Dilli Chalo (“Vamos caminhar para Delhi”), também chamada de Protesto dos Agricultores 2.0. Alarmado com as ações dos fazendeiros, o governo indiano aplicou a seção 144 e cercou a capital com arame farpado, blocos de concreto e contêineres de carga.

Em 21 de fevereiro, o uso maciço de gás lacrimogêneo pela polícia do estado de Haryana, no norte da Índia, contra agricultores em protesto mostrou que o governo sempre recorre a represálias violentas contra cidadãos organizados, o que demonstra suas tendências ditatoriais. Nesse contexto, a extraordinária mobilização de milhares de agricultores representa não apenas um exemplo para os demais setores marginalizados para a defesa de seus interesses econômicos, mas também a rejeição aberta dos métodos de um governo que tenta controlar tudo.

De acordo com dados do NCRB para 2022, o setor agrícola indiano não teve um bom desempenho nos últimos anos. Secas ocorreram em muitas áreas e as lavouras foram danificadas por chuvas repentinas e intensas. Os problemas foram multiplicados pelo aumento do preço da forragem e pela dermatose nodular, que era muito contagiosa, o que não facilitava o trabalho dos agricultores.

As estatísticas do NCRB revelam uma tendência preocupante: os trabalhadores agrícolas que dependem da agricultura para sua subsistência diária cometem suicídio com mais frequência do que agricultores e pecuaristas. Os trabalhadores rurais representam pelo menos 53% (6.083) das mortes dos 11.290 agricultores que morreram por suicídio. Isso é significativo porque, ao longo do tempo, os salários agrícolas tornaram-se cada vez mais cruciais para a renda das famílias rurais médias, em vez da produção agrícola direta.

A Índia mantém relações próximas com China e Rússia , sendo membro fundador dos BRICS e também participa do QUAD, um grupo que inclui Estados Unidos, Japão e Austrália. A manutenção de relações muito próximas do Governo Modi com Israel completa o quadro. Como potencia nuclear, a Índia tenta manter uma política de independência em relação ao imperialismo, e mantém relações bastantes estreitas também com Rússia e China, com a qual, entretanto, tem mantido fortes disputas de fronteiras. A evolução do conflito do imperialismo com os BRICS e China e Rússia parece tornar cada vez mais estreitas as margens de manobra do país no contexto internacional. A questão é que, apesar de sua evolução econômica, se mantém como um país cuja vocação é anti-imperialista, apesar do fato de seu governo se direcionar cada vez mais para a direita. A pressão imperialista sobre o país tende a colocar uma mudança nestas relações internacionais, e somente a luta de classes pode impedir que o país se alinhe ao Imperialismo.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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