Dois artigos “jornalísticos”, publicados recentemente no Estado de S. Paulo, procuram demonstrar que a atual crise em Cuba se deve ao planejamento estatal e socialista, do governo cubano, e pouco tem a ver com o brutal embargo econômico promovido pelo imperialismo contra a ilha de Fidel, que já perdura há quase 65 anos.
O texto de 30 de outubro, última quarta-feira, assinado pela redação, intitulado “Cuba, cada vez mais na penúria, depende da Rússia e da China. Quais os riscos?” evidencia a principal preocupação do imperialismo e de seus lacaios com a crise em Cuba: a crescente influência de seus inimigos mortais nos países do sul global.
Segundo o articulista Cuba estaria “em busca de socorro, o governo está se aproximando ainda mais de China e Rússia. Esses crescentes laços econômicos e de segurança ocorrem em um momento em que as autoridades americanas estão preocupadas com a crescente influência desses países na América Latina”.
O articulista argumenta que “as autoridades cubanas gostam de culpar as sanções americanas pela situação difícil da ilha.” E ainda: “Mas o compromisso do regime com o planejamento central e o controle estatal é a causa principal dos problemas.” Talvez seja difícil para o Estado explicar o caso mais notável de crescimento econômico contemporâneo, que é o caso da China, baseado justamente em planejamento central e controle estatal da economia.
O articulista admite ainda sobre as sanções que: “elas certamente não ajudam. Depois que uma abertura sob Barack Obama foi deixada sem resposta por Cuba, Donald Trump reforçou as sanções, cortando a quantia de dinheiro que os americanos cubanos poderiam enviar para os parentes. O governo de Joe Biden afrouxou essa restrição, mas manteve em vigor quase todas as outras medidas de Trump para Cuba. Somando-se a essas dificuldades, o colapso da Venezuela em 2014 cortou as remessas de combustível subsidiado para a ilha, e a pandemia cortou o fluxo de turistas e suas vitais divisas estrangeiras.” Não se menciona no texto, por exemplo, que durante a pandemia, as sanções norte-americanas impediram Cuba até mesmo de importar agulhas para injetar as vacinas do covid!
O outro artigo, publicado em 29 de outubro, última terça-feira, é uma peça de opinião de autoria do colunista do Estado Andrés Oppenheimer argentino e âncora da CNN. O título do artigo é “O que acontecerá em Cuba depois dos apagões, na pior crise desde o colapso da União Soviética?”. O texto parece algum tipo de maldição ou conjuração malévola contra Cuba e seu povo, ou um caso típico de fantasia do autor, que permite a um desejo pessoal tornar-se seu pensamento. Andrés aposta (ou deseja) que o turismo vai diminuir em Cuba nos próximos meses, devido aos apagões que atingiram a ilha.
Não se pode imaginar o que Andrés haveria de escrever sobre os apagões em São Paulo, estado governado por um neoliberal, produzidos por uma empresa italiana que assumiu o serviço de fornecimento e distribuição de energia, após a privatização.
O jornalista Paulo Henrique Arantes publicou no sítio Brasil 247 um artigo intitulado “Um jornalista vira-lata”, onde coloca sua opinião sobre o pomposo Andrés Oppenheimer. Escreve Paulo Henrique: “A despeito de toda a pompa curricular, o colunista do Estadão Andrés Oppenheimer é inacreditavelmente ruim. Trata-se de um mero repetidor das máximas liberais.” E continua: “Oppenheimer é a perfeita personificação do latino-americano que gostaria de ser norte-americano. Não se orgulha de sua condição de argentino e deve sofrer com a de cucaracha. É simpático a Javier Milei, embora vista a canhestra fantasia de ‘isentão’”.
Andrés Oppenheimer se compraz em escrever que o presidente de Cuba, Miguel Diaz-Canel é um ditador, mas logo após cita a blogueira pró-imperialista Yoani Sanchez, que mora em Havana e continua a fazer suas campanhas antiCuba, sem ser incomodada. A polícia dos EUA tem espancado e prendido estudantes e professores nas universidades norte-americanas, por manifestarem seu apoio à causa da resistência Palestina, mas é difícil que Oppenheimer tivesse a ousadia de chamar Joe Biden de ditador.
O argentino Oppenheimer, filo-imperialista e filo-americano, também parece não se preocupar muito com as mazelas da decadente capital do imperialismo mundial, os EUA, onde, por exemplo, entre 2022 e 2023, o número de pessoas sem teto apresentou um crescimento de 12%, atingindo um recorde histórico: ao final de 2023 havia 653.100 pessoas sem um teto para morar. Para não falar da ausência de um serviço de saúde pública e nem do número de pessoas que passam fome nos EUA: 18 milhões de famílias ou 13,5% da população norte-americana têm muita dificuldade para se alimentar.
Embora os articulistas do Estado procurem demonstrar que o embargo, ou “El bloqueo” como dizem os cubanos, dos EUA contra Cuba não seja determinante para o empobrecimento da ilha, a verdade é que, sim, o embargo norte-americano tem um impacto tremendo na economia e na sociedade cubanas.
Estima-se que “El bloqueo” tenha causado um prejuízo da ordem de US$ 992,6 bilhões (5 trilhões de reais, aproximadamente) nos 63 anos de sua vigência, na fase contemporânea, a partir da “Lei de Assistência Externa”, de 1961. Na verdade, desde 1917 já havia uma lei ainda hoje utilizada contra Cuba promulgada pelos EUA, a “Lei de Comércio com o Inimigo”. As sanções seguiram com o “Regulamento de Controle de Ativos Cubanos” de 1963, a “Lei de Democracia Cubana” de 1992, a “Lei Helms-Burton” de 1996 e a “Lei de Reforma das Sanções Comerciais e de Melhoria das Exportações” de 2000.
Somente no período de 1º de março de 2023 a 29 de fevereiro de 2024, o bloqueio gerou uma perda estimada de 5,5 bilhões de dólares, o que significa uma perda de mais de 421 milhões de dólares por mês, segundo estimativas do governo cubano.
Esse tipo de tortura econômica contra a população cubana jamais cessou nos últimos 60 anos, sempre com o objetivo de forçar uma mudança do regime nacionalista, soberano e operário de Cuba, através de algum tipo de sublevação popular. O embargo afeta diretamente a população cubana porque dificulta a obtenção de produtos como água, comida, medicamentos e combustíveis.
Mas Cuba não está isolada. Pela 32ª vez consecutiva, nesta quarta-feira (30), a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou a resolução intitulada “A necessidade de acabar com o embargo econômico, comercial e financeiro imposto pelos Estados Unidos”.
Após dois dias de debates, nos quais representantes de mais de 60 países tomaram a palavra para condenar as ações de Washington, a resolução foi aprovada por uma maioria esmagadora: 187 países votaram a favor da proposta de Cuba, tendo apenas uma abstenção (Moldávia) e os dois tradicionais votos contrários, dos Estados Unidos e de Israel.
Entretanto, Cuba resiste. Neste momento, assim como após o fim da União Soviética, as condições de vida devem estar duríssimas na ilha de Fidel. Mas o mundo todo está passando um momento de convulsão, com a aproximação cada vez mais evidente do fim da hegemonia do império norte-americano.
Conforme o ditado popular: “não está fácil pra ninguém…”