A vitória de Trump nas eleições norte-americanas é um fenômeno que confunde a esquerda, pois grande parte dela segue a política do “mal menor”. Nesse sentido, a vitória de Kamala seria a mais positiva para o mundo. Mas esses democratas liderados por Kamala são responsáveis pelas maiores monstruosidades do planeta: pelo genocídio em Gaza, pelo golpe de Estado no Brasil e no mundo, pelas guerras, pela fome. É difícil defender que são o “mal menor”. Porém, para a imprensa burguesa, uma sucursal do Partido Democrata no Brasil, a vitória de Trump levou a um enorme chororô.
Os três principais jornais da imprensa burguesa atacaram Trump. O mais direitista deles, o Estadão, publicou o texto Americanos escolhem o populismo autoritário. O seu principal argumento contra Trump é que “o futuro presidente americano terá a faca e o queijo nas mãos para implementar suas promessas de campanha, que incluem deportar milhões de imigrantes ilegais, colocar o Departamento de Justiça a serviço de seu desejo de vingança contra seus adversários, transformar os EUA numa ilha protegida por tarifas e abandonar alianças e acordos militares, comerciais e ambientais, tornando o mundo consideravelmente mais instável”.
Primeiro, o Estadão é muito cínico ao fingir que se importa com imigrantes; isso é colocado apenas para dar um ar mais humano. O problema é o que ele coloca depois. Trump deve intervir no Departamento de Justiça em benefício próprio contra a perseguição ilegal que ele sofreu. O Estadão é um grande defensor dos métodos lava-jatistas na política.
E, ainda mais importante, Trump vai “abandonar alianças e acordos militares” e “deixar o mundo mais instável”. Esse é o principal motivo pelo qual a imprensa imperialista está toda contra Trump, exatamente porque ele não faz parte do principal bloco do imperialismo.
Algo que era certo com o governo Kamala era a continuidade da política de guerras. Apoio total a “Israel”, à OTAN na Ucrânia, preparo de guerra com a China, e provavelmente as guerras chegariam à América Latina e à África. Com Trump, isso não é certo. Sobre a Ucrânia, ele deixa claro que não quer mais apoiar a OTAN. Sobre “Israel”, Trump já deu sinais de ser menos linha dura que Biden. A única “instabilidade”, portanto, é que com Trump a guerra não é certa; é isso que a imprensa imperialista odeia. Se ele levará adiante suas promessas de campanha ou se até mesmo terá as condições de fazê-lo, só o tempo dirá.
Mas toda a imprensa repete essa política. A Folha publicou o artigo Triunfo de Trump eleva incertezas globais. O texto afirma: “os conflitos que assolam o planeta passarão por tensão adicional. Quanto à Ucrânia, a posição sugerida até aqui por Trump tende a favorecer as pretensões territoriais de Vladimir Putin. A relação com a OTAN estará em xeque, mas a política democrata anti-China deve seguir”. Ou seja, são ainda mais claros: o problema da vitória de Trump é a Ucrânia.
O artigo do Globo, Sonho Americano, segue na mesma linha: “Trump já disse ser favorável a que a Ucrânia aceite perder territórios invadidos pela Rússia para acabar com a guerra e dá apoio incondicional a Israel. Sua relação com a OTAN não é das melhores e, se confirmar o que já disse repetidas vezes, os Estados Unidos não investirão tanto na defesa do Atlântico e da Europa. Todas essas mudanças geopolíticas mexerão com o mundo”.
Imprensa sionista quer que Trump seja Biden
Esses três órgãos da imprensa ainda são cínicos em seus outros comentários. Afirmam que Trump será ruim para os palestinos, mas apoiaram o governo Biden e o genocídio em Gaza desde o princípio. O artigo da Folha afirma: “no Oriente Médio, Israel ganhará um aliado mais enfático após o apoio relutante, ainda que maciço, de Biden. O risco de um confronto direto com o Irã cresce”. Essa tese não é real. O apoio integral ao Estado de “Israel” dado por Biden aumentava muito o risco de guerra com o Irã, o apoio de Trump é incerto.
Durante seus quatro anos de governo, não houve grandes guerras no Oriente Médio. Os conflitos que já existiam continuaram e, no caso da Síria, houve até o risco de retirada das tropas dos EUA. A crise começou justamente poucas semanas antes de Biden assumir, com o assassinato do general Qassem Soleimani.
A afinidade de Trump com “Israel” é ideológica; a de Biden é econômica e política, ou seja, muito mais importante. Quanto mais “Israel” se torna sinônimo de genocídio e não de ordem e repressão, menos será útil para Trump manter essa afinidade ideológica. Dado que o trumpismo é um movimento amplo, já houve um racha que não defende integralmente “Israel”.
Não se sabe se Trump conseguirá seguir a sua própria política, pois o Estado norte-americano não é apenas o governo, é um aparato totalmente voltado para as guerras e golpes de Estado. Trump terá que ir contra ele se quiser acabar com a guerra na Ucrânia, por exemplo. A diferença aqui, que gera o choro da imprensa burguesa, é que com Biden a guerra era certa; com Trump, abriu-se uma crise. Essa crise do imperialismo abre uma grande possibilidade de luta para os trabalhadores.