O recente indiciamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e de outras 36 pessoas é mais uma demonstração de como o regime político brasileiro está adquirindo um caráter cada vez mais arbitrário. Militares e políticos estão sendo investigados sob a acusação de terem planejado um golpe de Estado porque teriam supostamente esboçando um plano visando o assassinato de pessoas, incluindo o atual presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e o seu vice, o golpista Geraldo Alckmin (PSB).
O grande problema da acusação é que ela lida com algo que esteve tão somente na cabeça dos indivíduos investigados. Ao que se sabe, ninguém envenenou ninguém, ninguém atirou contra ninguém. Ninguém colocou tanques na rua, ninguém prendeu nenhuma autoridade. Não houve, portanto, nenhum crime.
Ah – diria o imperador Alexandre de Moraes, responsável pelo processo -, mas seria necessário impedir que golpes de Estado e assassinatos acontecessem. Por isso, os 37 indiciados estão sendo investigados por uma suposta tentativa de golpe de Estado.
Também é algo inconsistente. Para que houvesse uma tentativa, ou ela teria sido bem sucedida, ou ela teria sido frustrada. Não aconteceu nem um, nem outro. O que apenas revela que não houve uma tentativa. Tudo não passou – para fins jurídicos – de uma especulação. Um “crime intelectual”, e não um crime material, objetivo, verificável.
Considerar que o planejamento dos militares e bolsonaristas seja crime levará a mais um precedente perigoso. Se pensar em matar alguém se tornar crime, o mundo inteiro irá parar na cadeia.
Fato é que já há gente na cadeia por isso – e não, não é um bolsonarista, tampouco alguém que “tentou” dar um golpe de Estado. É o comerciante Lucas Passos Lima, preso por ter supostamente “planejado” um “atentado terrorista”, mas cujo planejamento foi “provado” sem que houvesse uma única bomba, uma única arma ou qualquer coisa que indicasse uma real intenção de ferir alguém. Trata-se, obviamente, de uma medida para reprimir toda a comunidade árabe no Brasil e colocar o movimento de solidariedade ao povo palestino na defensiva.
Para que se fale em tentativa de golpe de Estado ou tentativa de assassinato, é necessário que seja comprovada a existência de atos preparatórios. Isso não ocorreu em nenhum dos casos.
A esquerda que ignora essa questão está prestando um enorme desserviço para a luta política no Brasil. Quando a esquerda pequeno-burguesa, por causa de uma conveniência qualquer, aplaude as arbitrariedades do Estado a todo momento em que ela é cometida contra um adversário político, ela se desmoraliza. Em vez de combater o bolsonarismo, ela está apenas jogando mais lenha na fogueira da extrema direita.
Quem ganha com isso tudo é o próprio Jair Bolsonaro. Afinal, não há campanha mais fácil de fazer do que a de alguém que é perseguido diante de toda essa lambança jurídica. O Judiciário é inimigo do povo, que vê neste Poder carrascos responsáveis pelos ataques trabalhistas e pelos crimes do sistema prisional. E a extrema direita, na medida em que se apresenta como vítima deste poder, só terá a ganhar eleitoralmente.