Nesta semana, a Câmara dos Deputados aprovou a urgência na tramitação do Projeto de Lei 1.904/2024, que equipara o aborto ao homicídio e prevê que meninas e mulheres que realizarem o procedimento após 22 semanas de gestação, inclusive quando vítimas de estupro, terão pena de seis a 20 anos de reclusão.
No Brasil, o aborto é permitido apenas em casos de gravidez resultante de estupro, se a gravidez representa risco à vida da mulher ou em caso de anencefalia do feto. A legislação brasileira, até o momento, não prevê um limite máximo para interromper a gravidez de forma legal, o que pode mudar com o novo projeto de lei.
Atualmente, o Código Penal prevê detenção de um a três anos para a mulher que aborta; reclusão de um a quatro anos para o médico ou outra pessoa que provoque o aborto com o consentimento da gestante; e reclusão de três a dez anos para quem provoque o aborto sem o consentimento da gestante. Caso o projeto seja aprovado pelos parlamentares, o aborto realizado após 22 semanas de gestação será punido com reclusão de seis a 20 anos em todos esses casos, inclusive em casos de gravidez resultante de estupro. A pena é a mesma prevista para o homicídio simples e pode fazer com que a vítima do estupro tenha uma pena maior que a de seu agressor.
O projeto é proposto e apoiado por deputados e deputadas dos seguintes partidos: PL, PSD, UNIÃO, MDB, PRB, PP, Republicanos, AVANTE e PSDB.
O problema do aborto
O aborto é uma realidade. Legalizado ou não, caro ou barato, seguro ou não, as mulheres abortam, religiosas ou não. As mulheres recorrem a este procedimento por inúmeros motivos, e justamente pela criminalização recorrem aos piores meios e são exploradas pelos mais mal-intencionados profissionais, que devido à ilegalidade do processo, podem fazer como e cobrar o quanto quiserem.
O principal argumento utilizado contra a legalização do aborto é o religioso, ou seja, um argumento moral. Tratando-se de um problema social grave como é o aborto, não dá para ser tratado assim.
O dono dessa moral não pode impor suas crenças a outras pessoas que não acreditam nisso. Se até mesmo as mulheres religiosas recorrem ao aborto, já que a realidade muitas vezes se impõe mais que o moralismo, imagine impor tal preceito religioso a pessoas que nem acreditam neles.
Não faz sentido. Se uma mulher é contra o aborto por conta de sua religião, que ela não faça, mas isso não pode ser imposto de maneira alguma para as outras mulheres.
É uma discussão moral também se o feto é um ser humano ou não. A ciência nada provou até o momento. No mais, um ser humano só o é a partir do nascimento, quando passa a ser um ser com personalidade e detentor de todos os direitos democráticos.
Mulher, “pessoa que gesta”, como reivindicam os identitários, e “pessoa que não tem direitos”, como é tratada pelos direitistas
É neste ponto que identitarismo e extrema direita se unem lado a lado, pois ambos querem acabar com as mulheres. O primeiro no sentido biológico, dizendo que mulher não existe, que é apenas um gênero, e que qualquer pessoa que diga ser do gênero feminino é uma mulher. O segundo grupo desconsidera a mulher como um ser humano passível de direito político, e de um direito elementar, o direito ao seu próprio corpo e o que pode ou não ser feito com ele e em relação à sua vida. Ou seja, a mulher não pode decidir se o seu corpo gerará ou não um novo ser, se ela tem as condições físicas, psicológicas, econômicas e sociais para dar à luz e criar um novo ser.
Nada é garantido para cuidar desta nova vida, mas tudo é imposto para que ela gere e dê conta de criar. Se morrer de fome, bem, esses mesmos deputados que se dizem a favor da vida, nada fazem para melhorar a vida das crianças brasileiras, por exemplo.
Ou seja, a preocupação não é com seres humanos, pois, se fosse, levariam em consideração que a mulher é um. Mas sim em reforçar a situação de escravização da mulher em relação à maternidade e à vida doméstica.