Na quarta-feira (27/11), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou um pacote de cortes para “economizar” R$70 bilhões, sendo R$30 bilhões em 2025 e os R$40 bilhões restantes em 2026. Trata-se de um dos maiores ataques às condições de vida dos trabalhadores das últimas décadas, similar ao perpetrado por Michel Temer no golpe de 2016.
Austeridade apenas para o trabalhador
Segundo o ministro: “As medidas consolidam o compromisso deste governo com a sustentabilidade fiscal do país. Para garantir os resultados que esperamos, em caso de déficit primário, ficará proibida a criação, ampliação ou prorrogação de benefícios tributários.”
Esse modelo de “arcabouço fiscal” reflete uma política dos bancos de déficit zero, ou, em outras palavras, zero investimento na população. Com a limitação de reajustes, categorias de servidores ficam virtualmente proibidas de reivindicar as perdas do último período pós-golpe.
Atualizar os benefícios
Um dos pontos do pacote de Haddad é a atualização bienal do cadastro de benefícios do Programa Bolsa Família (PBF), com visitas às residências. Medida semelhante, proposta durante o governo Bolsonaro, foi acertadamente caracterizada por Teresa Campello (ex-ministra de Dilma): “O que é fazer triagem (dos beneficiários)? Triagem é mudar o conceito, mudar as regras, para enxugar, para diminuir.”
Mesmo assim, o ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), Wellington Dias, declarou: “Não haverá corte de quem tem direito. Quem tem o Bolsa Família vai continuar. Se recebe porque cumpriu a regra legal, vai continuar recebendo. A mesma coisa com o BPC, Benefício de Prestação Continuada, e outros programas sociais.”
Dias complementou: “A pessoa que sai do Bolsa Família só sai quando sai da pobreza. Por exemplo, uma família de cinco pessoas, para poder sair do Bolsa Família, precisa agora alcançar uma renda acima de cinco vezes meio salário mínimo, acima de R$ 3.530. No Brasil, depois que entra no Cadastro Único, só sai para cima. Se lá na frente perdeu o emprego, se lá na frente caiu a renda, ela volta, sem entrar em fila, para o Bolsa Família.”
O objetivo é claro: o que sobressai nesse pacote é justamente sua política de enxugar e diminuir os benefícios para os economicamente menores, sob o subterfúgio de “eficiência no combate à fraude e eficiência na redução da pobreza.” O plano almeja um confisco no PBF de aproximadamente R$ 35 bilhões no período, equivalente a 20,8% do orçamento do programa para 2024.
Mulheres negras
Os socialmente mais vulneráveis, com maior dificuldade para lidar com a burocracia estatal, sofrerão mais com as medidas. Isso implicará numa redução dos beneficiários do PBF, de forma geral.
Um ponto importante a ser considerado nessa realidade é que a maioria dos beneficiários do PBF pertence justamente aos setores sociais mais atingidos, como as mulheres negras.
O PBF prevê o pagamento preferencialmente a mulheres. Devido a essa política, em 2020, 88% dos benefícios do PBF tinham mulheres como responsáveis familiares. Nesse mesmo período, 70,2% das pessoas se declaravam pretas ou pardas.
Considerando o universo de 43 milhões de beneficiários nas três modalidades do PBF em 2020, os percentuais declarados indicam que, naquele ano, cerca de 38 milhões de benefícios tinham mulheres como responsáveis, e destas, 26,8 milhões se declaravam negras ou pardas.
Aplicando os mesmos percentuais ao universo de 56,2 milhões das duas modalidades do PBF vigentes em outubro de 2023, temos aproximadamente 49,4 milhões de mulheres como responsáveis pelos benefícios, e destas, 34,7 milhões autodeclaradas negras ou pardas.
Resumidamente, atacar o PBF significa atacar os setores socialmente mais vulneráveis da população, principalmente as mulheres negras, responsáveis pelo sustento de suas famílias.
Tudo aos banqueiros
Considerando que o governo Lula permitiu que 43,23% do Orçamento Federal Executado em 2023 fosse destinado ao pagamento de juros e amortização da dívida, não surpreende que o mesmo governo permita uma redução de 3% no percentual do orçamento federal destinado ao PBF em 2024.
Em 2023, os gastos com Assistência Social (5,99%) e Previdência Social (20,93%), no Orçamento Federal Executado de R$ 4,36 trilhões, embora sejam os maiores voltados ao interesse público, são irrisórios frente à transferência direta de R$ 1,89 trilhão aos bancos. Isso demonstra quem realmente domina o regime político.
Essa absurda apropriação dos recursos públicos pelos bancos em 2023 tende a ser amplificada com o pacote de Haddad. Como mencionado anteriormente, trata-se de um ataque às condições de vida da população nos moldes do implementado por Temer e até mesmo por Fernando Henrique Cardoso.
Apenas demagogia
Irrefutavelmente ruim, o pacote é apresentado pelo governo e parte do PT como um remédio amargo, mas necessário. Antes de entrar no debate sobre a “necessidade” do pacote, é preciso questionar sua suposta eficácia.
Todo remédio traz consigo algo de positivo, um efeito terapêutico que promove benefícios. A questão é que os grandes benefícios apresentados por esse pacote seriam a “sustentabilidade” e a “redução” no Imposto de Renda.
Nas palavras de Haddad: “Reafirmamos nosso compromisso com as famílias brasileiras: proteger o emprego, aumentar o poder de compra e assegurar o crescimento sustentável da economia. Honrando os compromissos assumidos pelo presidente Lula, estamos promovendo a maior reforma da renda de nossa história. Com a aprovação dessa reforma, uma parte importante da classe média, que ganha até R$ 5 mil por mês, não pagará mais Imposto de Renda.”
No entanto, ambos os pontos não correspondem à realidade. O primeiro, com reflexos imediatos, erode a economia nacional em benefício de interesses imperialistas. Já o segundo ponto, a “redução” do Imposto de Renda, trata-se apenas de uma demagogia, uma simples proposta sujeita ao sabor do Congresso.
A demagogia é tamanha que não atende nem à proposta de campanha de Lula em 2022, de isenção do imposto para aqueles que ganham até cinco salários mínimos, hoje correspondendo a R$7.060. O pacote sugere a isenção para aqueles que ganham até R$ 5 mil, enquanto mantém a isenção para especuladores.