No artigo Depois de pouparem Temer e Bolsonaro, sindicatos de servidores vão com tudo para cima do governo Lula, publicado pelo Brasil 247, o jornalista Bepe Damasco propõe que os servidores federais abram mão da greve deflagrada em todo o território nacional em troca de um acordo em torno da reestruturação das carreiras. Em outras palavras, que uma categoria encerre um movimento paredista com 0% de reajuste.
É uma política absurda. Algo que seria esperado de um patrão ou de um governador de direita, como Tarcísio de Freitas (Republicanos). Trata-se, finalmente, de ir de encontro a um dos mais elementares direitos dos trabalhadores: o de cruzar os braços quando seus direitos trabalhistas lhes são negados. O que, no entanto, faz Bepe Damasco argumentar a favor do fim da greve?
Segundo ele, a categoria dos servidores deveria estar sob suspeição por ter deflagrado a greve durante um governo de esquerda, e não durante os últimos dois governos golpistas:
“Quem sou eu para não considerar justas as pautas de reivindicações dessas categorias de trabalhadores, mas o que chama atenção é a comparação entre a combatividade atual dos sindicatos e seus seis anos de hibernação (dois do golpista Temer e quatro de bozofascismo), nos quais o movimento sindical dos servidores mergulhou em um estado de letargia absoluta: não organizou nenhuma greve e também foi incapaz de promover protestos e mobilizações marcantes por reajuste salarial e outros direitos e benefícios.”
De maneira geral, Damasco está certo em criticar a paralisia sindical nos governos de Michel Temer (2016/2017) e de Jair Bolsonaro (2019-2023). No último governo, inclusive, o movimento sindical, incluindo a categoria dos servidores públicos, mergulharam, durante a pandemia de coronavírus, na vergonhosa política do “fique em casa” – política que, até hoje, ainda não foi completamente revertida em algumas categorias. No entanto, a paralisia em um governo direitista e a atividade em um governo de esquerda não é necessariamente algo suspeito. É, em grande medida, algo comum.
Governos como os de Temer e Bolsonaro só conseguem ser estabelecidos por meio de uma grande derrota imposta ao movimento operário e popular. E são ainda governos que apelam para a repressão, para o aparato policial, para o sistema judicial etc. São, portanto, ditaduras, que, nos seus momentos de maior força, conseguem intimidar o movimento sindical. Basta lembrar, por exemplo, que, no governo de Michel Temer, foi aprovada uma reforma que liquidou com praticamente 90% do orçamento das entidades sociais.
Ao mesmo tempo em que as condições, do ponto de vista democrático, sejam mais favoráveis para o movimento sindical sob um governo de esquerda, também costuma haver uma maior abertura desses governos para uma negociação. É daí, portanto, que parte a tese de Damasco de que os servidores estariam sabotando a boa vontade do governo Lula:
“Se há no momento mesa de negociação nacional permanente em curso reunindo governo e entidades de servidores; se várias mesas setoriais estão igualmente em funcionamento; se o governo propõe ampliar o número de mesas setoriais para discutir não só recomposição salarial, mas também reestruturação de carreiras; se houve um reajuste linear de 9% no ano passado, depois de tanto tempo sem um níquel sequer de aumento e se a ministra da Gestão e Inovação, Esther Dweck, acena com mais 10% até 2026, então, há espaço para se avançar com o processo de negociação. Contudo, o caminho adotado foi o da greve. Como não suspeitar que o propósito principal dos setores pretensamente esquerdistas do sindicalismo dos servidores seja desgastar o governo? Como não enxergar viés político nessa greve?”
É provável que haja “setores pretensamente esquerdistas do sindicalismo” cujo grande interesse na greve seja o de desgastar o governo Lula. Entre os setores que participam de algumas greves, por exemplo, está organizações ligadas ao Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU), que, durante o golpe de 2016, defendeu a derrubada do governo de Dilma Rousseff. No entanto, a intenção de grupos como o PSTU não é o que determina o caráter da greve.
O que precisaria ser analisado é: a reivindicação dos servidores é justa? Sim, conforme o próprio articulista reconhece. Por isso em si, não deveria haver qualquer discussão sobre se a esquerda deveria apoiar ou não a greve.
Bepe Damasco conclui o seu artigo perguntando: “o fantasma de uma eventual volta das trevas no Brasil (toc, toc, toc) não assusta os aguerridos dirigentes sindicais?“. Ainda que o jornalista não explique a frase, poder-se-ia argumentar, em seu favor, que, no momento em que o governo está sendo pressionado por todos os lados por seus adversários, uma greve de servidores federais o enfraqueceria. E, portanto, favoreceria “uma eventual volta das trevas no Brasil”.
Trata-se, contudo, do exato oposto. O governo tem se negado a reajustar o salário porque firmou um compromisso com a política neoliberal. Isto é, porque está disposto a permitir que os banqueiros tomem a maior fatia do orçamento público em nome de uma suposta “governabilidade”. O problema dessa política é que ela não está dando nada certo. Pelo contrário: quanto mais o governo cede à política de seus “aliados” da frente ampla, mais perde apoio popular e, assim, mais se torna refém de seus inimigos.
Se a questão central é não ser derrubado, a preocupação do governo deve ser o de levar adiante um programa que atende às necessidades de sua base, para, assim, criar as condições de enfrentar a direita.