O jornalista César Fonseca, editor do Independência Sul Americana, em coluna no Brasil 247 denunciou que a escala 6×1 “põe em causa a superexploração do trabalho no regime ultra neoliberal que tem por objetivo acumular renda e destruir direitos sociais”. A afirmação é verdadeira: tal escala é uma escravidão além do normal da política neoliberal, que destruiu direito históricos dos trabalhadores, como a folga nos fins de semana.
Mas Fonseca diz isso apenas porque entrou na “onda” na nova “moda” da campanha do Movimento Vida Além do Trabalho (VAT), de Rick Azevedo (PSOL). De acordo com a avaliação do jornalista, “o mundo real não estava nas cogitações do discurso neoliberal que a própria esquerda consumia com sua política de conciliação de classes. De repente, terremoto”.
Agora, supostamente, “a luta social está nas ruas fazendo renascer a luta de classe na batalha principal do confronto histórico permanente entre capital x trabalho: a redução da jornada de trabalho com preservação do poder de compra dos salários”.
Quer dizer, antes do VAT, a esquerda estava fugindo da realidade do trabalhador, mas o movimento apareceu, com um “terremoto”, para sacudir tudo e recolocar novamente as organizações de esquerda no rumo. De acordo com o jornalista, “o projeto 6×1 coloca em discussão essa realidade que diz tudo para os trabalhadores, porque eleva o poder de conscientização política”.
Em seu mundo imaginário, César Fonseca descreve da seguinte forma o cenário nacional:
“A exploração explodiu na consciência política do trabalhador: ele está esgotado de trabalhar seis dias por semana por baixo salário e descansar apenas um dia a critério do empregador. A controvertida palavra de ordem VAT – Vida Além do Trabalho – que elegeu o vereador do PSOL carioca, Rick Azevedo, inspirou a PEC da Deputada Erika Hilton(PSOL-RJ), responsável por mudar a qualidade do debate político. (…) A classe empresarial brasileira, dominada pela direita conservadora, entrou em transe”.
Contra um cenário imaginário, no entanto, devemos aqui colocar a realidade. Primeiro, destacar o quão suspeito é esse movimento no qual a esquerda embarcou de cabeça. Segundo, mostrar que, na verdade, a proposta do VAT é uma reivindicação patronal.
Bom… Sobre o primeiro ponto. O idealizar do tal Movimento VAT é Rick Azevedo, em si, é suspeito. Surgiu do nada e foi eleito o vereador do PSOL com mais votos na capital fluminense. Um militante histórico do PSOL do Rio de Janeiro afirmou ao Diário Causa Operária que nunca antes tinha ouvido falar no correligionário, o que torna a eleição do ilustre desconhecido ainda mais suspeita.
Mas existem vários outros fatores que colocam esse movimento em suspeita. Primeiro, é um movimento totalmente alheio ao movimento operário. Segundo, é o movimento que ganhou notoriedade principalmente pelo apoio da imprensa capitalista, o que é curioso.
O capitalista seria a favor da redução da jornada de trabalho? Rick Azevedo foi elogiado pela revista Exame, que só discute questões do mundo empresarial, pela Época Negócios, pela Folha de S.Paulo, teve destaque na Globo News. A imprensa capitalista estaria, finalmente, a favor dos trabalhadores? Com certeza não.
O movimento é apresentado da seguinte forma: o movimento, organicamente, foi às ruas com uma petição contra a escala 6×1 e colheu mais de 2 milhões de assinaturas. Seria, portanto, uma campanha das amplas massas. Rick Azevedo teria mais poder de mobilização que a maioria dos sindicatos brasileiros.
Ocorre que mesmo essas duas milhões de assinaturas foram recolhidas com base num esquema fraudulento. O trabalhador e a juventude teriam assinado pelo fim da jornada 6×1, que é uma escravidão, mas sem serem informados do caráter real da proposta do VAT, à qual abordaremos mais adiante.
Parte da esquerda, vendo a popularidade criada pela imprensa capitalista, embarcou de cabeça na campanha contra a escala 6×1. Para coroar o golpe da esquerda identitária, quem apresentou o PL no Congresso foi a transsexual (a menina dos olhos do identitarismo) Erika Hilton do PSOL — quer dizer, uma típica represante dos ongueiros financiados pelo imperialismo que tomaram conta do partido.
Para aumentar o nível de suspeita em torno do movimento, vale destacar que ele é de propriedade de Rick Azevedo, e não um movimento orgânico. O dono do VAT, por exemplo, teve um entrevero com a Organização Comunista Internacionalista (OCI), que acriticamente decidiu aderir ao movimento e recolher assinaturas. Os militantes da OCI, porém, cometeram o erro de defender a eleição de uma coordenação nacional para o movimento.
Nisso, receberam uma notificação extrajudicial de Rick, que registrou o VAT na justiça e se declarou dono do movimento — uma prática totalmente alheia ao movimento operário. E, dessa forma, impediu a OCI de utilizar o lema do movimento. Isso daí já seria motivo suficiente para caracterizar Rick Azevedo como um aventureiro oportunista que quer apenas se promover.
Mas a situação é bem pior: o movimento se apresenta, claramente, como um movimento da esquerda golpista, contra, inclusive, o governo do PT. O próprio Rick foi às redes sociais denunciar que o PT seria um partido “neoliberal” e atacou os deputados petistas.
Ainda, nos atos que foram convocados nesta sexta-feira, 15, foi apresentado a política “coxinha” do VAT. As pessoas teriam que ir de preto, sem bandeiras e camisetas de partido, não poderia haver nenhuma outra reivindicação, etc. A cara de uma revolução colorida liderada pela esquerda identitária e ongueira, financiada pelo imperialismo.
Mas, além da suspeita que deve ter sobre o movimento, é preciso destacar que a proposta é uma reivindicação patronal e não dos trabalhadores. Por isso, César Fonseca está errado quando afirma que “a classe empresarial brasileira, dominada pela direita conservadora, entrou em transe”. Como se viu, os principais órgãos de imprensa da “classe empresarial” divulgaram amplamente o movimento.
César Fonseca mostra claramente que não entendeu a proposta quando destaca que “do ponto de vista empresarial, a proposta representa mais custo e menos lucros, mas para os trabalhadores significa renda que vai se reverter para a economia capitalista brasileira, dominada pela insuficiência histórica crônica de consumo”. Isso é completamente falso.
O movimento é claramente um engodo. Primeiro que ele apresentar sua proposta de forma negativa, “contra a escala 6×1”, e não para colocar alguma coisa no lugar. Isso é intencional, pois ele ganhou apoio sob uma falsa alegação, de que o trabalhador teria o fim de semana livre. Isso, porém, é falso.
O movimento não propõe o fim de semana livre, mas a escala 4×3. Quer dizer, poderia-se trabalhar de sexta a segunda, e folga terça, quarta e quinta. Assim, a escala defendida nada tem a ver com a tradição do movimento operário, de reivindicar cinco dias por semana, com fim de semana livre e redução da jornada para 35 horas semanais, sem diminuição de salário. Ocorre que o projeto de lei é tão mal feito que não fala nada em salário.
Além disso, o PL do PSOL é mal feito. Primeiro porque a escala 4×3 só é viável para empregos que exigem um esquema de escalas específicas. Segundo que defende 36 horas e quatro dias.
Isso levaria a uma jornada diária de 9 horas, sendo que o PL defende que a diária não passe de 8 horas, totalizando 32 horas. De onde sairiam as outros 4 horas?
Mas, enfim, vamos ao cerne da questão. Essa reivindicação de 4×3 surgiu dos EUA, da organização 4 Day Week Global. No Brasil, a “embaixadora” do projeto contra o 6×1 é Renata Rivetti, empresária da Reconect Happiness at Work. É um projeto empresarial internacional, de uma ONG norte-americana, que aspira estabelecer a jornada 4×3 em comum acordo com as empresas, supostamente para “ressignificar o trabalho”.
Mas por que a empresa estaria interessada. Finalmente, como apontou César Fonseca, “a proposta representa mais custo e menos lucros”. Na verdade, não é assim. A proposta, na realidade — que não defende fim de semana livre e não fala nada dos salários — é apenas uma proposta de “flexibilização” da jornada de trabalho, a qual muitos patrões aceitariam.
Fato é que a crise produtiva global colocaram muitas empresas, a maioria, a não terem uma produção constante durante todo o ano, uma produção que realmente permita manter o trabalhador durante os cinco dias, pois faltará trabalho. A ideia, então, é reduzir a jornada para 4×3 e, nos momentos excepcionais, em que a produção precisa de mais trabalho, aumentar a produção, ou com o aumento da jornada através de horas extras, ou com a contratação pontual de um novo “plantel”.
Logicamente que, para o trabalhador, a escala 4×3 vai significar redução salarial. Primeiro, porque, nas indústrias, a maioria dos trabalhadores da produção já são horistas. Segundo que, mesmo que não se reduza o salário mínimo, o poder de compra é constantemente reduzido pela inflação. Com a realidade da terceirização, vai se criar uma situação ainda mais catastrófica para o trabalhador.
Em outros termos, a política de flexibilização da escala para 4×3, na verdade, é uma proposta patronal de tipo neoliberal. Dessa forma, é falsa a consideração de César Fonseca de que a luta contra a escala 6×1 é uma reação resultante do esgotamento das políticas neoliberais de Temer e Bolsonaro e da Reforma Trabalhista. Pelo contrário, a escala 4×3 é uma continuidade dessa política neoliberal.
“O poder de compra subjugado na exploração do trabalhador cobra agora reparação no protesto contra a escala 6×1. O movimento 6×1 é um grito agudo contra a superexploração do trabalho e o privilégio dos ricos subsidiados pelo Estado para garantir a sobrevivência deles no rastro da miséria dos trabalhadores”.
(…)
“A mobilização popular contra o 6X1 no feriado de Proclamação da República foi um alerta que tende a crescer. O trabalhador despertou para a urgência de interromper a superexploração salarial denunciada na PEC da deputada Erika Hilton”, diz Fonseca, claramente sem ter analisado, efetivamente, o PL.
A visão otimista e romântica do jornalista da coisa piora: “os capitalistas diante da disposição dos trabalhadores já querem confinar o assunto no âmbito parlamentar, onde a coisa não andaria para esvaziar o movimento no trâmite legislativo, dominado pela direita e ultradireita reacionárias.”
“O fato, no entanto, é que se as ruas enchem de manifestantes fazendo barulho crescente, muda radicalmente o cenário da disputa eleitoral em 2026.”
“Nasce outra dinâmica política impulsionada pelo protesto contra a desigualdade social, ampliando o movimento 6×1 em todo o país, a se expressar em escalada cibernética.”
“Os trabalhadores entram na era cibernética para alcançar suas reivindicações, copiando as aulas da direita na disseminação de fake news.”
“O projeto é uma obra política aberta pela qual vai se movimentar nas ruas e nas redes entidades civis, militares e religiosas, de agora em diante, ganhando corpo.”
Na verdade, o que está aconteceu é um episódio de estelionato promovido pelo Movimento VAT e pelo PSOL, que estão tentando iniciar uma mobilização que, além de ter um caráter golpista e pró-imperialista, é totalmente condizente com o aprofundamento do neoliberalismo.