Em que pese toda a demagogia identitária, o governo do Partido Democrata foi o maior responsável pelo massacre de mulheres e crianças na Palestina. A maioria dos analistas não cita esse fato como decisivo na derrota de Kamala Harris para esconder a impopularidade da política de apoio ao genocídio israelense em Gaza. Antes de explicar por qual motivo a questão palestina foi decisiva na eleição, vejamos alguns dados.
Em 7 de outubro de 2024, ao completar um ano desde o início do conflito, “os Estados Unidos gastaram pelo menos US$ 22,76 bilhões em ajuda militar a Israel e em operações relacionadas na região. A conta está em estudo do ‘Costs of War’, um projeto de pesquisa da Brown University focado em gastos militares” (EUA gastaram ao menos US$ 22,76 bi em ajuda a Israel em um ano de guerra, Infomoney, 7/10/2024). Ainda segundo o Infomoney, esse valor é considerado conservador, já que não considera outros tipos de ajuda fornecida pelos EUA ao Estado de “Israel” ou outros gastos relacionados ao Oriente Médio. “Não estão contemplados compromissos com gastos futuros que foram feitos este ano. Além disso, há outras categorias mais amplas de gastos que não estão inseridas nos cálculos, como o aumento da assistência de segurança dos EUA ao Egito, Arábia Saudita ou outros países, e custos para a indústria aérea comercial e para os consumidores dos EUA”.
Desses US$ 22,76 bilhões, o governo Biden aprovou pelo menos US$ 17,9 bilhões em ajuda militar direta. O mesmo estudo citado pelo Infomoney afirma que ao menos 100 acordos feitos por Biden com “Israel” desde 7 de outubro de 2023, não são contabilizados por terem ficado “abaixo do valor que teria acionado a exigência de notificar o Congresso dos detalhes”.
“As entregas de armas desde 7 de outubro incluem 57 mil projéteis de artilharia, 36 mil cartuchos de munição de canhão, 20 mil rifles M4A1, 13,9 mil mísseis antitanque e 8,7 mil bombas Mk de 82.500 libras”, afirma a mesma reportagem.
E não é só isso, o governo Biden propôs ao Congresso, em agosto, a discussão de acordos adicionais de US$ 20,3 bilhões para “Israel”, a serem cumpridos nos próximos anos.
Veja que esses acordos foram feitos meses antes da eleição presidencial. A divulgação dos dados aconteceu exatamente um mês antes do resultado da eleição.
Kamala Harris, cuja propaganda pelo Partido Democrata era a da “mulher negra defensora das minorias e dos oprimidos”, não apenas era a vice-presidente, ou seja, responsável por todos esses acordos, como saiu publicamente para defender o massacre dos palestinos.
Em 30 de agosto, em entrevista, Kamala afirmou: “Quero tratar do ocorrido nas últimas horas no Oriente Médio e deixar muito claro que Israel tem o direito de se defender”. Esse “direito de defesa” se referia a um covarde ataque israelense que havia bombardeado um bairro de Beirute, deixando uma mulher e duas crianças mortas e 74 feridos.
Em declaração durante convenção do Partido Democrata, em 22 de agosto, Kamala afirmou: “deixe-me ser clara: sempre defenderei o direito de Israel de se defender e sempre garantirei que Israel tenha a capacidade de se defender” (Kamala apoia “direito de Israel de se defender”, mas pede acordo de cessar-fogo em Gaza, CNN, 23/8/2024).
As declarações fascistas e pró-genocídio, obviamente, vinham encobertas com uma defesa do cessar-fogo e palavras como “é de cortar o coração” o que está acontecendo em Gaza. Um cinismo que até o mais ingênuo consegue detectar.
Mas e Trump, não apoia também “Israel”? O presidente eleito deu várias declarações a favor do genocídio e é aliado internacional de Benjamin Netaniahu. Difícil saber exatamente qual será a política de Trump na questão palestina, mas não é pela posição de Trump que o problema da Palestina foi decisivo na derrota dos democratas.
Enfrentando enormes protestos a favor dos palestinos, principalmente nas universidades, o governo Biden agiu com extrema violência. Essa política fez com que o governo do Partido Democrata se chocasse com sua própria base de apoio.
O apoio ao genocídio dos palestinos acabou com as ilusões de muitos que poderiam ser eleitores em potencial de Kamala Harris. Quem liga se ela é uma mulher negra se sua política é genocida? Quem vai acreditar em seu discurso identitário se ela apoia o massacre dos palestinos?
Com a questão palestina, o Partido Democrata perdeu apoio entre aqueles que seriam a sua base eleitoral. Trump pode falar à vontade contra os palestinos, afinal, ele é de extrema direita, isso não vai, ao menos num primeiro momento, resultar em perda de apoio eleitoral. Já Kamala precisa manter as aparências democráticas, coisa impossível diante do apoio do genocídio palestino.