Está ficando cada vez mais insustentável para o governo Joe Biden manter seu apoio à guerra genocida na Faixa de Gaza. A base democrata, e boa parte do setor “militante” do partido, está tendendo rapidamente ao apoio à Palestina, algo que não era uma realidade há pouco mais de duas décadas. A crise é tão grande que já afetou os membros mais à esquerda do partido, como Bernie Sanders, mas ela está se tornando uma verdadeira rebelião dentro do Partido Democrata.
Segundo o Gallup Poll em 2016, 53% dos democratas disseram simpatizar mais com os israelenses, e 23% com os palestinos. No ano de 2022, essa diferença havia praticamente desaparecido. Na pesquisa feita este ano, de 1 a 23 de fevereiro, 38% dos democratas disseram simpatizar mais com os israelenses, 49% com os palestinos.
Há também outros sinais. Mais de 1.000 funcionários da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID) assinaram uma petição pedindo um cessar-fogo em Gaza. Os funcionários atuais e antigos questionaram publicamente a liderança da agência em janeiro. Já os funcionários do Departamento de Estado utilizaram “a rota de dissidência interna” para expressar preocupações sobre as implicações de apoiar “Israel”.
O Departamento de Estado dos EUA é o equivalente ao Ministério das Relações Exteriores do Brasil, ou seja, é ele que apoiou “Israel” diplomaticamente nos últimos seis meses de genocídio em Gaza. Ele também é o responsável pelos vetos dos EUA ao cessar-fogo no Conselho de Segurança da ONU. É preciso lembrar também que, na última votação, na qual o cessar-fogo venceu, os EUA se abstiveram. Por isso o tamanho da crise no Departamento do Estado.
A mudança para a defesa da Palestina também foi acompanhada de uma diminuição na identidade cristã. As congregações cristãs evangélicas brancas eram extremamente poderosas na defesa da legislação pró-“Israel”. No entanto, sua parcela da população está diminuindo. Uma pesquisa da PRRI, por exemplo, revelou que apenas 13,6% da população se classificava como cristã evangélica branca em 2022, enquanto que, em 2006, o número era de 23%. Ou seja, uma importante base do sionismo nos EUA diminuiu consideravelmente.
Outra pesquisa foi realizada sobre a culpa do Estado de “Israel” na guerra. Entre os republicanos, 21% acreditam que o governo israelense é responsável pela guerra, enquanto 27% acreditam que ele não tem responsabilidade. Em contraste, 50% dos democratas acreditam que o governo israelense é responsável, e apenas 6% acreditam que ele não é. Fica claro que a campanha gigantesca em defesa da Palestina nas ruas dos EUA está afetando diretamente a base do Partido Democrata.
A crise chega aos republicanos
Se no Partido Democrata a situação é de rebelião, no Partido Republicano, a guerra genocida está colocando o partido na defensiva em relação ao sionismo. Um fator que deixa isso claro foram os últimos posicionamentos de Donald Trump. Ele afirmou, sobre os vídeos da guerra: “não sei por que eles estão divulgando imagens de guerra assim. Acho que isso os faz parecer fortes. Mas para mim, não os faz parecer fortes. Eles estão perdendo a guerra da opinião pública. Estão perdendo feio. Mas eles têm que terminar o que começaram, e têm que terminar rápido, e temos que seguir em frente com a vida”.
Ou seja, mandou um aviso direto ao governo de “Israel”, que, da forma que estão atuando, manter o mesmo tipo de apoio é impossível. Isso é uma demonstração de que até para o sionista mais ideológico, com a base mais conservador e religiosa, não está fácil apoiar “Israel”. Caso a guerra continue, isso deve ficar cada vez mais evidente. Mas há outro caso interessante, um racha na extrema-direita ideológica.
Um dos mais radicais sionistas da direita norte-americana é Ben Shapiro. Ele é um dos ideólogos do sionismo que circula amplamente nas redes sociais com seus vídeos de debate com democratas. No Brasil, os vídeos poderiam ser taxados de “lacradores”, ele é um especialista na “lacração sionista”. No entanto, sua posição radicalmente pró-“Israel” está encontrando resistência na direita. Ele está sendo chamado de “Israel primeiro” (“Israel First”) em oposição a “EUA primeiro” (“America First”), que seria a posição da direita mais trumpista.
Outro jornalista muito popular, que é um dos influenciadores pró-Trump mais famosos, é Tucker Carlson. Ele ficou famoso no Brasil recentemente por entrevistar Vladimir Putin e também Eduardo Bolsonaro. Ele também começou a questionar os objetivos da ajuda externa dos EUA para “Israel”. É uma posição cada vez mais parecida com a de Trump para a Ucrânia, ou seja, uma política terrível para “Israel”.
Outro influenciador da direita, Vincent James, criticou Ben Shapiro com base de que o sionismo é o identitarismo, ou seja, ligou a uma campanha que já é realizada pela direita. Ele afirmou: “onde estavam todos os bilionários obrigando audiências no Congresso quando se tratava de ódio anti-branco nos campi universitários que estava acontecendo há anos? Por que de repente, agora que tem a ver com o antissemitismo? Pessoas como Bari Weiss, Gad Saad, Bill Ackmann e Ben Shapiro estão todos promovendo organizações da frente da CIA, bem como outros grupos que odeiam conservadores e odeiam os EUA, porque estão falando sobre antissemitismo. Deveria dizer tudo o que você precisa saber”.
A briga no Partido Republicano ainda não é tão grande quando no Partido Democrata, no entanto, a revolta da base trumpista contra a OTAN facilmente pode se tornar uma revolta contra o Estado de “Israel”. A divisão nos ideólogos provavelmente já é uma expressão de uma mudança nas bases do próprio trumpismo.