A catástrofe no Rio Grande do Sul levou todo o espectro político a levantar as mais absurdas teorias para não apontar o verdadeiro culpado: o governo do PSDB de Eduardo Leite e todos os governos anteriores que levaram adiante a política neoliberal. A direita tradicional levantou a questão do aquecimento global como culpa; o bolsonarismo culpa Lula e a direita tradicional depois entrou nesse bonde. Dentre a esquerda, as teses são mais variadas. Um das mais diferentes é a de Alex Solnik, colunista do Brasil 247. Para ele, a água criou uma guerra!
O texto publicado no portal de notícias de esquerda tem o título O papel dos militares. A sua tese é de que existe uma guerra no Rio Grande do Sul e, se tratando de guerra, a solução seria passar toda a administração para os militares. É uma tese errada nos dois sentidos. No primeiro, de que em guerras, são os militares que resolvem tudo; e, segundo, de que os generais brasileiros seriam eficientes para fazer qualquer coisa positiva em defesa dos trabalhadores brasileiros.
Ele começa: “depois de uma semana em que ficamos frente a frente com cenas que muitas vezes, de tão perturbadoras, nos fazem desligar a TV, não é mais eufemismo afirmar que o que está acontecendo no Rio Grande do Sul é uma guerra, com todas suas consequências sinistras, as mortes, a desinformação, os desabrigados, os órfãos, os saques, crianças e animais aturdidos em busca de seus protetores, a falta de tudo, os preços abusivos, de tudo o que acontece numa guerra só não há mísseis nem tanques, os gaúchos foram atacados pela água, o líquido essencial à vida, mas que também pode ser o carrasco implacável, diante do qual todos ficamos impotentes, olhando para o céu”.
Aqui é feita uma analogia com a guerra, mas uma analogia muito fraca. Na Faixa de Gaza, por exemplo, há uma situação terrível, muito pior que no Rio Grande do Sul. Mas lá há uma guerra real, sendo assim, todo o foco deve ser de vencer a guerra contra os invasores sionistas. Uma situação de desastre como um terremoto, um furacão, ou uma enchente é muito diferente de uma guerra. Nesse caso, o Estado pode intervir totalmente focado em auxiliar o povo, não é preciso derrotar militarmente a água.
Ele continua: “um dos estados mais ricos, mais bem dotados, mais bonitos virou um mar de lama, um mar sem ondas, parado, que desafia os especialistas, que se recusa a responder às nossas dúvidas, é um inimigo silencioso, que não pode ser preso nem abatido a tiro, nem a míssil, nem denunciado à ONU”. Aqui, ele mesmo se contradiz. Se é uma guerra impossível de lutar, então não é uma guerra de fato.
Então ele chega à sua tese: “especialistas em guerra, em salvamento, treinados para isso, são os militares da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, o ministro da Defesa deveria assumir o comando das operações, deveria ser a cara do governo no dilúvio gaúcho”. Isso não é a realidade. Os treinados para o salvamento não são as Forças Armadas, são os bombeiros, a Defesa Civil, os trabalhadores da saúde, os pilotos de helicóptero, os caminhoneiros que podem trazer os suprimentos etc. E, no caso de enchentes, todos os que trabalham com transporte em água.
Na Faixa de Gaza, por exemplo, quando as bombas israelenses caem destruindo tudo, é a Defesa Civil que vai resgatar as pessoas, os bombeiros apagam o fogo. Não são as Brigadas al-Qassam do Hamas, especializadas em lutar contra o exército sionista. No caso do Brasil, a prática, inclusive, superou a própria tese de Solnik. O exército foi mandado para o estado gaúcho e está se mostrando totalmente incapaz de lidar com a situação. Os trabalhadores da região norte, acostumados com o transporte em rios, certamente teriam muito mais capacidade de auxiliar os gaúchos que o Exército.
Isso não quer dizer que as Forças Armadas não devam participar. O Estado deve usar todo o seu aparato para ajudar o povo do sul imediatamente. Até mesmo as polícias, que são ainda mais ineficientes que o Exército, devem ser mobilizadas. Mas o fato que podem ajudar não os transforma no setor mais importante nessa ajuda. Isso tudo, porém, é irrelevante perto do principal erro de Solnik, que é político.
Ele afirma: “é a oportunidade para os militares mostrarem à nação que seu papel, sua missão e sua vocação é proteger os brasileiros, não derrubar presidentes”. Aqui o colunista apresenta uma política bolsonarista sem nem perceber. Ele já afirma que Múcio, ministro da Defesa, deveria ser a cara do movimento, algo absurdo. O presidente Lula deveria ser quem lidera a iniciativa em defesa do povo gaúcho. E Solnik ignora que os generais bolsonaristas e golpistas são quem comandam o Exército brasileiro, ele quer dar poder ao alto comando bolsonarista em um momento de crise nacional, uma política até mesmo perigosa. Ele quer “intervenção militar” como defendem os manifestantes de verde e amarelo.
Os generais brasileiros estiveram no comando do Brasil durante uma catástrofe, a pandemia da COVID-19. Todos sabem qual foi o resultado, um dos maiores morticínios do planeta. O Brasil, referência mundial em vacinas, nem tentou produzir a sua própria. Centenas de milhares morreram, contando a subnotificação das mortes, provavelmente mais de um milhão. Esse é o cuidado dos militares com o povo brasileiro. Solnik está vendo muitos filmes de Hollywood em que o exército norte-americano salva o mundo. Em nenhuma circunstância alguém da esquerda deve pedir mais poder aos generais.
E, por fim, não se pode deixar de comentar. Solnik, ao culpar a água, ignora completamente que o PSDB é o culpado pela tragédia. Ou seja, ele limpa a barra de um setor da direita e fala para dar o poder para o outro setor da direita. Com essa política, o único resultado será mais derrotas para a esquerda brasileira e nenhum resultado real para o povo gaúcho. Enquanto Solnik limpa a barra de Leite, a imprensa burguesa despeja toda a culpa, que é do PSDB, em cima do presidente Lula. A esquerda deve ter uma política para combater a catástrofe no Rio Grande do Sul. Essa estratégia passa pelo governo federal, pelos sindicatos, pelas organizações populares. Passa longe de qualquer general bolsonarista.