De acordo com reportagem do portal de notícias das Organizações Globo na Internet, o G1, várias pessoas que foram mortas pela Polícia Militar (PM) durante a Operação Verão, deflagrada na Baixada Santista, já chegaram mortas aos hospitais ou quando foram atendidas pelo Serviço de Atendimento Médico de Urgência (SAMU). A prática, que poderia parecer, à primeira vista, uma preocupação em salvar as vítimas de todas as maneiras possíveis, revela, na verdade, um crime: a tentativa de despistar os peritos que investigam as circunstâncias das mortes dessas pessoas.
Ao retirar os corpos às pressas, sob o pretexto de levar a uma unidade hospitalar, os policiais conseguem, assim, uma desculpa para alterar a cena das mortes que provocaram, tornando mais difícil, futuramente, determinar se houve uma execução e em que circunstâncias ela se deu. Trata-se, portanto, de um crime para encobrir outro – uma prática bastante comum entre os policiais.
O Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) deve apenas prestar os primeiros atendimentos no local do chamado e fazer o transporte dos pacientes que necessitam de atendimento hospitalar. Se um funcionário do Samu chega ao local e constata que a vítima está em óbito, deve acionar o Instituto Médico Legal (IML), pois o transporte de cadáveres já foge de sua competência.
Em entrevista ao G1, mesmo um oficial da Polícia Militar, na tentativa de se mostrar surpreso com a prática de seus colegas, reconheceu ser crime a fraude processual operada contra os corpos das vítimas:
“A perícia num local de crime é fundamental para a resposta, até no sentido de responsabilizar quem cometeu aquele crime. Uma violação de local de crime acaba atrapalhando toda a cadeia de provas. Isso é péssimo para a Polícia Militar, para o sistema de Justiça. Isso é péssimo para manter o local de crime preservar o local de crime de modo que a perícia consiga fazer o seu trabalho é fundamental para o ciclo de polícia e para o ciclo também de percepção criminal. Então, nossa preocupação é grande, é um problema que nós refutamos da máxima gravidade e temos o máximo interesse também em fazer com que o local continue sendo preservado, até que a perícia faça todo o seu trabalho.”
A reportagem do G1 afirma ter tido acesso a 10 boletins de ocorrência que se referem a 17 das 39 mortes ocorridas durante a Operação Verão. Nos 10 registros, “a polícia alega que os mortos eram criminosos e que foram baleados por estarem armados”. No caso de 12 pessoas mortas, “há a informação de que elas foram socorridas e levadas com vida ao pronto-socorro, onde teriam morrido”.
Essas informações, contudo, contrastam com os relatos de funcionários do sistema de saúde de Santos.
“A própria polícia traz, traz, deixa aí… Já chega morto, já… [Fazem isso] Só para tirar [do local onde baleou a pessoa]”, afirmou um funcionário que trabalha na Santa Casa, um dos hospitais que mais receberam vítimas da operação na Baixada Santista.
Uma funcionária do Pronto Socorro Vicentino, em São Vicente, também afirmou que três dos cinco homens baleados na cidade, no dia 28 de fevereiro, já chegaram mortos.
“Chegaram em óbito para nós. Foi uma troca de tiro com a polícia. E quando deu entrada já estava em óbito”, falou.
Por fim, outro funcionário do Samu de Santos ouvido pelo G1 confirmou que as vítimas são retiradas sem vida para evitar perícia.
“E aí não tem perícia… Não sabe como é que o cara tava… ‘Ah, foi encontrado como?’ Não sabemos… Às vezes, a gente é chamado na delegacia para depor [sobre] como que estava o corpo.”
Um funcionário também relatou que uma equipe do SAMU levou para o hospital uma pessoa com um ferimento gravíssimo na cabeça, que não tinha mais chances de receber atendimento médico.
“[Chegam no hospital] Já sem vida. O médico pode até falar que estava respirando e morreu no caminho para evitar muitas coisas, entendeu? Aí, pô, tu vai lá e o cara está sem metade da cabeça, tiro de fuzil. Nós vamos fazer o quê? O cara tava em RCP [ressuscitação cardiopulmonar]… ‘Removemos em RCP’.”