Muitos estão exaltando o Vini – Vinícius Júnior, jogador do Real Madri – que, ao que parece, é um bom garoto. Desde que chegou ao Real Madri, vendido pelo Flamengo, sempre teve uma postura altiva e corajosa contra o racismo a que foi submetido, fazendo capas de jornais e revistas esportivas por não se calar diante das agressões que sofreu. E, por certo, acima de tudo, ele é um fantástico jogador, responsável pela última conquista de seu time na Champions League. Diante desse sucesso, quiseram (imprensa, torcida, mídias sociais) contrapor sua imagem de “bom garoto” à do jogador Neymar, o “mata-borrão” predileto da torcida tupiniquim, visto como o principal responsável pelos nossos últimos fracassos na disputa da Copa do Mundo. Esse contraste do “bom menino” com a do “moleque irresponsável” serve como idealização dos nossos heróis jogadores, mas como sempre, está longe da verdade. As pessoas, entre elas os jogadores famosos, são cheias de contradições e inconsistências. Somos incoerentes, surpreendentes e mutantes. O Vinícius não merece que se coloque em seus ombros a carga de ser o bom menino que vai nos redimir, da mesma forma como as críticas morais ao Neymar Jr. estão carregadas de moralismo, ataques exagerados e uma tentativa de desmoralizar os craques brasileiros, em especial aqueles que saem do Brasil para enriquecer na Europa. Sim, existe até um interesse imperialista de desmerecer os talentos nacionais. Além disso, esse Vinicius Júnior, longe de ser o antípoda de Neymar, é parceiro do Neymar na seleção brasileira; são amigos de muito tempo. Suas perspectivas de mundo devem ser muito mais próximas do que aparentam.
“Ahh, mas ele é campeão da Champions League e não quer privatizar praias”. Ora, ele não quer ou não tem cacife para isso? Não deseja ou não pode? Sabemos que esses recursos para a construção de megaprojetos de turismo na nossa orla o Neymar tem, e essa deve ser a diferença essencial. Será que o Vini é realmente virtuoso ou apenas não atingiu o nível obsceno de riqueza de outros que vieram antes dele? Não tenho a resposta, mas sei que a única forma de avaliar é aguardar. Neymar já foi um garoto assim, um menino que carregava as nossas esperanças de reconquistar um título de Copa do Mundo. Infelizmente, mas o dinheiro em quantidades indecentes o ligou primeiro ao bolsonarismo, e agora ao Luciano Huck e à proposta perversa de privatizar praias brasileiras. Neymar é produto do capitalismo tardio, do culto à ostentação e da valorização do hedonismo depois da queda das utopias socialistas dos anos 90; ele é muito mais resultado de um contexto do que sua causa.
Criar expectativas em jogadores de futebol é um risco demasiado alto; o meio onde vivem é de competividade tóxica, opulência, exibicionismo e grana sem limites. A tentação de multiplicar o capital, através das infinitas propostas que recebem, é constante. Por isso, a chance de nos iludirmos com esse garoto é gigante. Acho muito mais sensato esperar o menino ficar bilionário, como o Neymar já é, e depois avaliar se as boas atitudes continuam a pautar sua conduta. Manter-se humilde e conectado com suas origens é uma tarefa tão difícil que se pode contar nos dedos das mãos os jogadores de esquerda, progressistas e ligados às suas raízes; a imensa maioria é composta por reacionários e bolsonaristas… mas que fazem caridade ocasionalmente. Inclusive o Neymar.
A medida do amor é amar; a medida da honestidade é manter-se honesto diante da possibilidade de não ser. Ser contra a privatização das praias sem ser sócio do investimento, qualquer um seria, mas continuaria sendo se fizesse parte da galera do dinheiro? Ele manteria sua posição “consciente” diante da sedução de lucros estratosféricos? Teria consciência social, respeito pela natureza, visão progressista mesmo perdendo uma oportunidade única de multiplicar sua fortuna? Essas histórias sempre me fazem recordar a fala do presidente de uma grande empresa envolvida em acusações de suborno. Quando chamado de “ladrão” por um jornalista, ele respondeu: “se você receber uma proposta de 1 milhão para ficar em silêncio e mesmo assim abrir a boca, você passou no único teste que realmente importa”.
“A mão que afaga é a mesma que apedreja”. Esta sabedoria de Augusto dos Anjos nos deveria fazer entender a forma passional como tratamos nossos ídolos. Muita calma nesta hora para não criarmos outra frustração com este novo super craque brasileiro. Aliás, não acho justo cobrarmos de um jogador de futebol que seja qualquer coisa além de atleta, da mesma forma como cobramos de um escritor que escreva com qualidade e tenha ideias criativas; não é justo que seja cobrado enquanto filantropo, ecologista, defensor de causas humanitárias, etc. No caso de excelente jogador Vinícius Júnior faz sentido esperar os próximos anos antes de colocar esse garoto no pedestal da responsabilidade social.