HISTÓRIA DA PALESTINA

O gigantesco êxodo de Haifa e os crimes contra palestinos

Ao final do mês de maio de 1948, Haifa abrigava apenas 4 mil árabes de uma população original de 65 mil, uma barbaridade e um crime cometido pelos sionistas

Um dos momentos mais importantes da Nakba (palavra árabe que significa “Catastrofe”), isto é, da limpeza étnica da Palestina, foi a expulsão dos palestinos da cidade de Haifa, dado a importância da cidade e o alto contingente habitacional.

O processo sistematizado ocorreu logo no início de 1948, no dia 18 de janeiro, tendo sido relatado detalhadamente pelo historiador judeu israelense Ilan Pappé, em sua obra A Limpeza Étnica da Palestina. Nela, o autor chamou o processo de “’desarabização’ de Haifa”.

Segundo Pappé, as operações na cidade foram todas aprovadas (e bem recebidas) de forma retroativa pela Consultoria, o órgão máximo dos sionistas durante a Nakba, antes da fundação do Estado de “Israel”. Cita inclusive os sionistas já haviam começado a aterrorizar e realizar ataques fascistas contra a população de Haifa no ano anterior, 1947, no mês de dezembro. Tais ataques levaram a classe dominante local, ou seja, as pessoas mais ricas, as mais cultas e as lideranças a fugirem para suas residências no Líbano e no Egito. O terror sionista foi tão intenso que gerou uma onda migratória estimada em 20 mil palestinos.

Ademais disto, os exércitos árabes jamais vieram ao auxílio de Haifa, muito menos os governos dos países árabes tomaram alguma iniciativa para frear o êxodo massivo perpetrado pelos judeus. Assim, quando chegou janeiro de 48, os cerca de 60 mil palestinos da cidade estavam se quaisquer lideranças para conformar uma resistência para a nova ofensiva sionista que seria desatada a seguir.

O ataque seguinte das tropas israelenses deu-se no mês de abril. Frisa-se que ainda havia tropas britânicas alocadas em Haifa, as quais, em teoria, deveriam ser responsáveis por proteger a população. Contudo, não fizeram absolutamente nada para a proteção dos palestinos. Algo natural, afinal o imperialismo britânico estava completamente embarcado no apoio ao sionismo, ao menos desde o ano d 1917, com a Declaração de Balfour. Para piorar a situação, Haifa estava no território designado como sendo do Estado judeu, conforme o criminoso Plano de Partilha da ONU. Algo que alijava profundamente os palestinos, pois, conforme constatado por Pappé, na obra já citada:

“Deixar o único grande porto no país sob controle judaico era mais uma manifestação do acordo injusto oferecido aos palestinos na proposta de paz da ONU. Os judeus queriam a cidade portuária, mas sem os 75.000 palestinos que lá viviam, e em abril de 1948, alcançaram seu objetivo”.

Pappé então fornece maiores detalhes de como se deram os ataques fascistas dos judeus sionistas contra Haifa, especificando ainda como ocorreu a traição por parte do oficial britânico alocado na cidade, e que estaria em tese encarregado de garantir uma transição segura, no que diz respeito à implementação da Partilha:

“A campanha judaica de aterrorização, iniciada em dezembro, incluía bombardeios pesados, tiros de franco-atiradores, rios de óleo e combustível incendiados descendo pela encosta da montanha, e barris de explosivos detonados, e continuou nos primeiros meses de 1948, intensificando-se no início de abril. Em 18 de abril, no dia em que os palestinos de Tiberíades foram colocados em fuga, o Major General Hugh Stockwell, comandante britânico do Setor Norte sediado em Haifa, convocou as autoridades judaicas na cidade para seu escritório e informou-lhes que, em dois dias, as forças britânicas seriam removidas dos locais onde estavam servindo como zona de amortecimento entre as duas comunidades. Este ‘amortecedor’ era o único obstáculo que impedia as forças judaicas de um ataque direto e tomada das áreas palestinas, onde mais de 50.000 pessoas ainda residiam. O caminho estava livre para a desarabização de Haifa”.

Foi a Brigada Carmeli que ficou responsável pela “limpeza” de Haifa. Contando com um contingente de 2 mil militares sionistas, fortemente equipados com morteiros e carros blindados, sua oposição era limitada a cerca de 500 voluntários libaneses locais, com equipamentos inferiores e pouca munição. Ou seja, a típica situação que sempre ocorreu durante toda a Nakba.

A ação da brigada foi facilitada pela saída das tropas britânicas de Haifa, o que só serve para reforçar que os ingleses seguiam apoiando o sionismo, apesar das formalidades diplomáticas. Assim explana Pappé, frisando que a saída dos imperialistas insulares permitiu ao sionismo adotar uma política de limpeza étnica generalizada:

A remoção da barreira britânica permitiu que a Operação Tesoura fosse substituída pela Operação ‘Limpeza do Fermento’ (bi’ur hametz).

Um adendo que deve ser feito: apesar de saída dos britânicos terem contribuído para uma ação mais livre dos sionistas, isto não quer dizer que o imperialismo inglês não estava por trás de “Israel”. Pelo contrário, apoiava 100%. Quaisquer reticências diziam respeito apenas à toada com que a limpeza étnica da Palestina deveria ser feita, ao ritmo com que o Estado supremacista judeu deveria ser consolidado sobre todo o território. Afinal, a Inglaterra deveria manter seu domínio imperialista sobre os países árabes. Assim, o apoio ao sionismo deveria ser feito sub-repticiamente e seguindo a tática das aproximações sucessivas, sempre que possível.

Para mostrar que os ingleses não iriam garantir nenhuma proteção aos palestinos de Haifa contra a iminente ofensiva sionista à cidade, Pappé cita o seguinte ocorrido:

“Stockwell, o comandante britânico, sabia antecipadamente sobre o iminente ataque judaico e, mais cedo no mesmo dia, convidou a “liderança palestina” na cidade para uma consulta. Ele se encontrou com um grupo de quatro homens exaustos, que se tornaram os líderes da comunidade árabe naquela hora […] A correspondência anterior entre eles e Stockwell mostra que confiavam nele como guardião da lei e da ordem na cidade. O oficial britânico os aconselhou que seria melhor para seu povo deixar a cidade, onde eles e a maioria de suas famílias viveram e trabalharam desde meados do século XVIII, quando Haifa se tornou proeminente como uma cidade moderna. Gradualmente, enquanto ouviam Stockwell e sua confiança nele diminuía, perceberam que não seriam capazes de proteger sua comunidade e, assim, se prepararam para o pior: já que os britânicos não os protegeriam […] Eles estavam condenados a serem expulsos. Eles disseram a Stockwell que queriam sair de maneira organizada. A Brigada Carmeli garantiu que eles sairiam no meio do caos e da destruição. No caminho para encontrar o comandante britânico, os quatro homens já podiam ouvir os alto-falantes judeus instando as mulheres e crianças palestinas a sair antes que fosse tarde demais.”

A expulsão dos palestinos, feita pela Brigada Carmeli, foi comandada pelo sionista Mordechai Maklef, o qual deu às suas tropas a ordem de “Mate qualquer árabe que encontrar; incendeie todos os objetos inflamáveis e force as portas com explosivos”. O que serve para demonstrar que “Israel” sempre fora uma ditadura fascista, desde seu início, é que Maklef eventualmente seria promovido a Chefe do Estado Maior do Exército de “Israel”.

Como ocorrera durante todo o ano de 1947 e especialmente em 1948, os palestinos de Haifa foram expulsos sem ter direito de levar nenhum de seus bens. Suas propriedades foram-lhes roubadas pelos sionistas. Dado o terror desatado pelos ataques fascistas das tropas sionistas, as pessoas abandonavam suas casas em pânico. Assim que as residências eram abandonadas, judeus sionistas (soldados ou não) desatavam a roubá-las, conforme bem descrito na obra do historiador israelense.

“Milhares de palestinos desprotegidos ainda residiam em Haifa; o choque e o terror eram tão grandes que, sem embalar seus pertences ou mesmo saber o que estavam fazendo, as pessoas começaram a sair em massa. Em pânico, dirigiram-se ao porto, onde esperavam encontrar um navio ou barco para levá-los para longe da cidade. Assim que fugiram, tropas judaicas invadiram e saquearam suas casas”.

Como se tratava de uma cidade portuária, aliás a cidade em que estava localizado o principal porto marítimo da Palestina, os judeus sionistas aproveitaram a oportunidade para “afunilar” a expulsão dos palestinos nessa direção. Então, conforme descreve Pappé, em sua já citada obra, as tropas fascistas da Brigada Carmeli realizavam seus ataques de modo fazer os palestinos fugirem, senão diretamente para o porto, para o mercado local. Desta localização, novos ataques eram realizados, os palestinos flanqueados e direcionados aos portos. Lá, milhares de árabes se acumularam e, para fugir da morte iminente, não tiveram alternativa senão subirem nos barcos que estavam disponíveis. Nesse processo, muitos morreram pisoteados. Outros mais, afogados, inclusive com barcos virando, dada a abundância de palestinos que fugiam em desespero:

“Oficiais da Brigada Carmeli […] ordenaram que seus homens posicionassem morteiros de três polegadas nas encostas das montanhas, com vista para o mercado e o porto […] e bombardeassem as multidões reunidas abaixo. O plano era garantir que as pessoas não tivessem segundos pensamentos e garantir que a fuga ocorresse apenas em uma direção. Uma vez que os palestinos estavam reunidos no mercado […] eles se tornaram um alvo fácil para os atiradores judeus. O mercado de Haifa ficava a menos de cem metros do que era então o portão principal do porto. Quando os bombardeios começaram, este foi o destino natural para os palestinos em pânico. A multidão então invadiu o porto, afastando os policiais que guardavam o portão. Dezenas de pessoas invadiram os barcos que estavam atracados lá e começaram a fugir da cidade. Podemos aprender o que aconteceu em seguida a partir das memórias horríveis de alguns dos sobreviventes, publicadas recentemente. Aqui está uma delas:

Homens pisavam em seus amigos e mulheres em seus próprios filhos. Os barcos no porto logo ficaram cheios de carga humana. A superlotação neles era horrível. Muitos viraram e afundaram com todos os seus passageiros”.

Ao fim, no mês de maio de 1948, havia restante apenas 4 mil árabes palestinos, da população original de 65 mil. Um dos principais eventos da limpeza étnica da Palestina.

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