Em fevereiro, o Partido da Causa Operária (PCO) enviou uma delegação que, liderada por Rui Costa Pimenta, presidente nacional da organização, se reuniu com o birô político do Movimento de Resistência Islâmica, o Hamas. Na ocasião, o grupo que representava o PCO se encontrou com os principais dirigentes do partido palestino, dentre eles, o doutor Musa Mohammed Abu Marzuq, o qual concedeu uma entrevista exclusiva para Pimenta.
Fundador e membro do birô político do Hamas, Marzuq é chefe das Relações Internacionais do partido. Ele é original da Faixa de Gaza, da cidade de Rafá. Sua família foi expulsa do que hoje é o território israelense em 1948, na Nakba, a expulsa de cerca de 800 mil palestinos.
O doutor Abu Marzuq também é formado em Engenharia Civil no Egito, possuindo doutorado na Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, onde morou e foi preso. Marzuq foi encarcerado por dois anos sem acusação formal contra ele, de forma arbitrária, e sendo liberto porque não havia caso contra ele.
Posteriormente, fora dos EUA, sofreu várias condenações em absência, o que caracteriza uma intensa perseguição política. Ele também foi destacado pelo sionismo como alvo de eliminação, assim como o conjunto da liderança do Hamas.
Na entrevista, a qual pode ser lida na íntegra logo abaixo, Marzuq responde as principais dúvidas sobre o Hamas, bem como rebate as principais calúnias lançadas pelo imperialismo contra o partido de massas palestino.
“O Hamas é um movimento de libertação nacional palestino. Procura alcançar os direitos do povo palestino e seu regresso ao país de onde ele foi expulso. É um movimento de libertação com duas alas, uma militar e uma política”, afirmou Marzuq.
Em relação à popularidade do Hamas na Palestina, o dirigente do partido afirmou que “somos a vanguarda do povo palestino”. Entretanto, destacou que sua ação contra a ocupação sionista, principalmente a partir de 7 de outubro de 2023, quando a Operação Dilúvio de Al-Aqsa foi deflagrada, é feita em conjunto com outros grupos da resistência armada palestina.
“Todas as facções do povo palestino, a Jiade Islâmica, a Frente Popular, o Fatá, todas as facções do povo palestino participam conosco dessa batalha”, disse.
Ainda sobre a luta do Hamas, ele explicou porque o partido recorre à luta armada: “é sabido que a liberdade é conquistada, não é dada. Ninguém dá liberdade a ninguém. Ela deve ser conquistada com suas forças e defesas, e continuamos nossa resistência até obter nossa liberdade“.
Finalmente, o doutor Abu Marzuq também falou sobre as calúnias que a imprensa imperialista lança contra o Hamas em relação às mulheres, sobre a organização política e social da Palestina, sobre a história do partido palestino, sobre seu método de luta, sobre as perspectivas para a Operação Dilúvio de Al-Aqsa e mais.
Sem mais delongas, leia, na íntegra, a transcrição da entrevista de Rui Costa Pimenta com o doutor Abu Marzuq. Esta é a primeira vez que este texto está sendo divulgado para o público, portanto, leitor, não deixe de compartilhar com todos os seus conhecidos para divulgar a verdade sobre o Hamas.
Doutor Abu Marzuq, a operação do dia 7 de outubro tinha como intenção ferir a população civil de “Israel”? Certamente não. Desde o primeiro dia, a política do Hamas foi não visar civis, e nós não visamos civis. As instruções de Abu Khaled al-Deif [comandante das Brigadas Izz ad-Din al-Qassam], desde o primeiro dia, às brigadas que atacaram o exército israelense, eram para não visar crianças, mulheres, clérigos ou idosos, mas apenas soldados e pessoal de segurança israelense. Esses foram os alvos. Portanto, não visamos civis como política do movimento. Pode ser que, no meio do caos que ocorreu, alguns civis tenham sido prejudicados ou tenham vindo para a Faixa de Gaza, mas isso é contrário às instruções do Hamas aos combatentes.
A operação do dia 7 de outubro foi uma operação sem qualquer provocação por parte do Estado de “Israel”, ou a qual situação vocês estavam reagindo? O 7 de outubro é um marco na luta do povo palestino. Estamos sob ocupação desde 1948, e nosso povo vem lutando desde então. O 7 de outubro foi um marco nessa luta. Alertamos e denunciamos a todos, sejam eles de países ocidentais ou orientais, Europa, Estados Unidos, Rússia, China, todos os países do mundo. Sempre que visitamos um país, denunciamos as ações e as medidas da ocupação na Cisjordânia, que já são intoleráveis.
As agressões à Mesquita de Al-Aqsa não podem continuar. O tratamento desumano, as torturas que Ben Gvir inflige aos detentos nas prisões não podem ser tolerados. A Faixa de Gaza está sob cerco há 17 anos. Entramos num processo de solução política há mais de 30 anos e só vemos a continuidade da ocupação.
Alertamos sobre tudo isso, mas eles não nos ouvem. Para eles, a questão palestina já estava fora da discussão política. Era caso encerrado.
A imprensa imperialista internacional diz que o 7 de outubro foi uma iniciativa isolada do Hamas. O conflito atual é apresentado como a guerra entre “Israel” e Hamas. Ou seja, não como uma luta do povo palestino, mas de um grupo. Como você responde a essa versão do que está acontecendo? Esse é o diagnóstico e a propaganda imperialista sobre o que aconteceu. Tentam convencer de que é um conflito entre o Hamas e “Israel”. Isso não é verdade. A luta é do povo palestino. Todo o povo palestino se alinhou com o Hamas nessa batalha.
Os norte-americanos, o ocidente e os israelenses formaram uma coalizão. Os EUA trouxeram seus aviões e porta-aviões, seu enorme arsenal para enfrentar o Hamas, mas a batalha é de todo o povo palestino contra o ocidente aliado aos sionistas, instrumento dos imperialistas na Palestina.
E nós, certamente, somos a vanguarda do povo palestino. Todas as facções do povo palestino, a Jiade Islâmica, a Frente Popular, o Fatá, todas as facções do povo palestino participam conosco dessa batalha.
O Hamas é uma organização cercada de lendas e falsas versões. Quando e em quais circunstâncias foi criado o partido Hamas? O Hamas é a continuação de um movimento que foi fundado em 1936, antes da existência de “Israel”. Antes de os israelenses chegarem à Palestina, ocuparem, estabelecerem o Estado de “Israel” e serem reconhecidos pelas potências colonizadoras, que representavam as Nações Unidas naquele momento, além do bloco comunista. Naquela época, Stálin estava no poder. Ele também reconheceu “Israel” e lhe forneceu armas e, assim como os norte-americanos, [também] o reconheceram desde o primeiro minuto os ingleses e os franceses, os países que venceram a Segunda Guerra Mundial, formaram as Nações Unidas em 1945, e somaram cerca de 30 países que reconheceram “Israel”. Claro, havia entre eles dois países árabes.
Mas esse movimento continuou depois da ocupação da Palestina e se espalhou por toda parte, junto com o povo palestino. Era um movimento de cunho religioso, social e humanitário, que trabalhava nesse campo. Mas, depois da ocupação em 1967, ficou fraco na Cisjordânia e na Faixa de Gaza, incapaz de resistir à ocupação. No entanto, quando se tornou um movimento capaz de resistir à ocupação, o nome foi criado ou alterado para Movimento de Resistência Islâmica, Hamas, para que pudesse acomodar todo o povo palestino.
O movimento foi fundado em 1987, durante a Primeira Intifada palestina, abrindo um novo horizonte para os palestinos. Desde então, se expandiu entre o povo palestino até se tornar, agora, o primeiro movimento entre as massas do povo palestino. Pelas últimas estatísticas, o movimento tem aprovação de 70% a 90% do povo palestino na Cisjordânia e na Faixa de Gaza e muito mais no exterior.
O Hamas é uma organização política ou uma organização militar? O Hamas é um movimento de libertação nacional palestino. Procura alcançar os direitos do povo palestino e seu regresso ao país de onde ele foi expulso. É um movimento de libertação com duas alas, uma militar e uma política.
A ala militar é responsável pelo confronto com “Israel”, com a guerra de guerrilha e com todas as ferramentas permitidas pelo direito internacional para confrontar “Israel”. Esse é nosso direito legítimo. A ala política é a instituição política, responsável pelo processo político como qualquer instituição partidária, e cumpre todos os requisitos dos partidos políticos.
Nas eleições de 2006, constituímos o Comitê para Mudança e Reforma, que ganhou as eleições e ocupou 76 assentos, do total de 133, no Conselho Legislativo Palestino. Formou-se o primeiro governo, e seu líder foi o Sr. Ismail Hanié, que agora é o chefe do gabinete político do movimento Hamas, com quem vocês se encontrarão, se Deus quiser, em breve. Ele foi indicado como primeiro-ministro, mas os EUA vetaram o resultado das urnas, estipulando três condições que o movimento rejeitou. Quando rejeitou essas condições, o movimento foi sitiado e houve uma divisão entre a Cisjordânia e a Faixa de Gaza, como resultado da pressão norte-americana e israelense contra o movimento.
Que atividades o Hamas realiza no interior da comunidade palestina? O Hamas é um movimento abrangente. Como movimento, cumpre tudo o que é exigido pelos partidos políticos e os movimentos de resistência, além da gestão do governo na Faixa de Gaza. Gere todos os assuntos políticos e sociais da Faixa de Gaza e outros assuntos governamentais e departamentos, inclusive energia elétrica, alimentação, água e o Ministério do Abastecimento, entre outros assuntos. Além disso, nessa administração governamental, o movimento também tem uma área mediática, uma relativa aos prisioneiros nas prisões israelenses e uma área relativa aos mártires e aos feridos, aqueles que caem durante a agressão israelense contra o nosso povo.
Além disso, existe um sistema financeiro e um movimento diplomático ativo e relações com muitos países do mundo, dezenas de países no mundo. Temos escritórios que representam o movimento nesses países, especialmente no mundo árabe e islâmico, na Rússia e temos relações com a China, a África do Sul e um grande número de países ao redor do mundo.
Além disso, temos grande interesse na estrutura da resistência na Cisjordânia, em al-Quds [Jerusalém] e na Faixa de Gaza, mas na Faixa de Gaza a resistência se transformou quase num exército, porque somos nós que governamos a Faixa de Gaza. Por isso, na Faixa de Gaza, al-Qassam cumpre a função de exército. Mas também temos comitês em todos os campos de refugiados palestinos. Nossa missão é realizar o tão sonhado desejo do povo palestino, que é o retorno a sua terra e a libertação do território palestino.
O Hamas é um movimento abrangente inserido em todos os aspectos da vida. Opera a serviço do nosso povo palestino para alcançar o objetivo da libertação da Palestina e do regresso do povo palestino.
Na atualidade, o sistema político palestino está dividido em duas partes. Depois dos Acordos de Oslo, criaram um sistema atrelado ao acordo com “Israel” na Cisjordânia, na Faixa de Gaza e em Jerusalém. Esse é o resultado dos Acordos de Oslo.
O outro sistema político em que estamos inseridos como palestinos é um sistema abrangente sob a bandeira da Organização para a Libertação da Palestina, que representa os palestinos na Palestina e na diáspora, que elegeram seus representantes no Conselho Legislativo Palestino, inserido no sistema político pós-Oslo, e no interior do povo palestino que está sob ocupação.
Então, esse é o sistema político. Disputamos as eleições em 2006 e ganhamos, e foi a primeira vez que participamos das eleições, porque rejeitamos eleições sob ocupação. Quando entramos nas eleições dessa vez, ganhamos a maioria dos assentos, como mencionei na pergunta anterior. Mas os EUA nos sitiaram, e assim começou a divisão dentro da casa Palestina, a qual foi dividida em duas partes: Abu Mazen [Mahmoud Abbas, presidente da Autoridade Nacional Palestina] e Fatá foram para a Cisjordânia e levaram consigo a OLP, e a outra seção é o Hamas na Faixa de Gaza, que permaneceu como um movimento de resistência a “Israel”, se opondo aos acordos políticos de Oslo, a que o presidente Abu Mazen aderiu na Cisjordânia.
Assim, o povo palestino ficou dividido em duas partes: o Hamas e o Fatá. O Fatá está comprometido com um caminho político com “Israel”, e o Hamas é um movimento de resistência que confronta “Israel” e resiste à ocupação. O sistema político ficou dividido, mas não partilhamos o poder com Abu Mazen. Nós nos opomos a ele na Cisjordânia, onde temos uma enorme popularidade. E ele perturbou todas as instituições democráticas na Cisjordânia: aboliu o Conselho Legislativo, aboliu o Tribunal de Justiça, o tribunal do sistema judicial foi abolido e concentrou todas as ações do Executivo em suas próprias mãos, as medidas judiciárias em suas próprias mãos, e trabalhos legislativos em suas próprias mãos. Tornou-se uma autoridade ditatorial em Ramalá, que deriva seu poder de “Israel” e seu orçamento do Ocidente, dos EUA e de “Israel”.
Quanto ao Hamas, foi sitiado, e suas capacidades são limitadas, mas suas ações são maiores do que essas capacidades, porque não há corrupção no Hamas. Quanto à corrupção, ela é enorme no Fatá, na OLP e na Autoridade [Palestina], portanto, suas crises financeiras são graves, enquanto nós não temos nenhum problema financeiro.
Qual é o peso relativo do Hamas em relação às outras organizações políticas do povo palestino? Na atual fase, como disse, somos um movimento de libertação, portanto, gostaríamos que todos os movimentos, partidos e facções do povo palestino participassem conosco num quadro único. Independentemente das porcentagens relativas de participação de cada um deles. Porém, se considerarmos as últimas eleições que ocorreram no Conselho Legislativo, o Hamas conquistou 76 assentos, o Fatá conquistou 42, a esquerda conquistou três e os independentes ganharam dois assentos, e o Conselho Legislativo foi formado por 133 membros.
A porcentagem das outras facções significa que a porcentagem da maior parte das outras facções é fraca, e sua representação entre o povo palestino é muito pequena. No entanto, eles têm uma história. No passado, eram grandes, mas agora são fracos. Por exemplo, a Saeka foi a segunda maior organização da Organização para a Libertação da Palestina, maior que a Frente Popular e maior que a Frente Democrática, mas agora não representa nada. A Frente Popular, em outra fase, foi a segunda maior organização, mas também se tornou uma organização pequena entre o povo palestino. O povo palestino está dividido entre duas grandes organizações: Fatá e Hamas.
O método de luta do Hamas é de aterrorizar a população israelense? Certamente está aterrorizando a população, é verdade. E qual é o nosso trabalho na luta contra a ocupação israelense? Esses israelenses vieram do Ocidente, vieram do Oriente, vieram de todo lado, e expulsaram a população palestina nativa, que foi confinada nos campos de refugiados. Estamos resistindo a isso para que nosso povo palestino retorne a sua terra.
Então, a guerra certamente aterroriza ambas as partes. Como nosso povo palestino, se compararmos os prisioneiros israelenses e os prisioneiros palestinos, estamos sob ocupação. Há 10 mil prisioneiros palestinos enquanto mantemos 134 israelenses. Os números chegam agora a 30 mil mártires e 70 mil feridos, enquanto morreram 1.200 israelenses. Ou seja, nessa batalha maior de 7 de outubro, 1.200 mortos, em comparação com 30 mil palestinos.
Certamente é uma guerra, uma guerra entre um povo ocupado e os ocupantes. E esses ocupantes, infelizmente, quero dizer, estão todos armados, todos eles. O povo inteiro é um exército e tem um Estado. Ao contrário de todos os países do mundo, a norma é que o Estado tenha um exército, mas “Israel” é um exército que tem um Estado e tem um sistema.
Agora, essa é definitivamente uma situação invertida, porque “Israel” é um país que foi plantado no lugar errado e na hora errada, e o Ocidente quer que ele permaneça para servir ali ao Ocidente colonial. Então, não temos escolha, devemos resistir, e ainda assim dizemos que estamos dispostos a viver juntos, nós e os judeus, contanto que eles permitam que o povo palestino retorne a seu país.
Quanto à lei de retorno para judeus de todo o mundo, com a justificativa de que eles tinham um Estado judeu quatro mil anos atrás, que teriam vivido na Palestina e, por isso, teriam o direito de voltar, 4.000 anos atrás… Eles dizem isso. Mas eu, que nasci na Palestina, meu pai nasceu na Palestina e meu avô nasceu na Palestina e, desde nosso mestre Adão, estamos na Palestina, essas pessoas não têm o direito de viver na Palestina. Quanto àquele que viveu apenas setenta anos na Palestina, há quatro mil anos, ele tem o direito de retornar à Palestina hoje, e eu não tenho esse direito. Isso é uma grande injustiça. Por isso somos uma resistência, e a resistência é certamente uma intimidação para todos.
Qual é o método de luta fundamental do Hamas? Usamos todos os instrumentos jurídicos de que dispomos ao abrigo do direito internacional para resistir à ocupação. Nossa resistência é legitima também do ponto de vista legal. Temos resistência legal, temos resistência popular, temos resistência armada, temos resistência econômica, e temos também a solidariedade dos povos do mundo todo contra a ocupação israelense. Resistimos à ocupação por todos os meios.
Por que o Hamas considera necessário o recurso da luta armada? Acredito que a luta armada é necessária, porque nenhuma ocupação no mundo lhe dará sua independência por meio de negociações. Nunca aconteceu na história uma ação política que libertasse um país, ou lhe desse independência. Temos a experiência dos nossos irmãos do Fatá e da OLP, que disseram: “não queremos resistência, queremos negociação política”. No entanto, assinaram os Acordos de Oslo em 1994, que previa sua implantação em cinco anos. Depois de cinco anos, o acordo previa a independência dos palestinos na Cisjordânia e na Faixa de Gaza, e al-Quds [Jerusalém] como capital.
Hoje estamos em 2024, ou seja, já se passaram trinta anos desde esse acordo, e não avançamos um único passo, porque é impossível a ocupação dar, em palavras, um Estado. Por quê? Por que o daria a você, se você não consegue conquistá-lo? É sabido que a liberdade é conquistada, não é dada. Ninguém dá liberdade a ninguém. Ela deve ser conquistada com suas forças e defesas, e continuamos nossa resistência até obter nossa liberdade.
A luta armada do Hamas é uma luta isolada do povo? Absolutamente não. Todo o nosso povo deveria ser chamado a lutar com armas, mas as circunstâncias do povo palestino são diferentes. Por exemplo, temos quatro milhões de palestinos na Jordânia que são impedidos pelo regime jordaniano de exercer seu direito de resistir à ocupação. Temos meio milhão de palestinos na Síria, onde o regime não permite resistir à ocupação. No Líbano, há 200 mil palestinos, mas eles resistem à ocupação. Na Cisjordânia, há 3,5 milhões de palestinos que tentam resistir à ocupação, mas a Autoridade Palestina, liderada por Abu Mazen, não o permite.
Quanto à Faixa de Gaza, existe uma autoridade, mas que permite a resistência, e por isso há milhares de combatentes, presentes em todos os partidos e de todas as facções. Portanto, é isso que é nosso povo palestino.
O Hamas tem a intenção de exterminar os judeus ou qualquer outra religião, ou grupo étnico? Certamente não. Não estamos falando de genocídio, nem estamos falando de uma religião específica. Tinha judeus que viviam junto com os palestinos na Palestina, e eram palestinos. Nossa relação com eles era de amizade, de amor. É um povo com quem não temos problemas.
Nós, como muçulmanos, acreditamos na Bíblia Sagrada dos judeus e na Bíblia Sagrada dos cristãos. Acreditamos que eles têm o direito de existir. E, como muçulmanos, devemos preservar o judeu e sua religião e o cristão e sua religião, porque Deus Todo-Poderoso nos ordenou. Você tem sua religião e eu a minha.
Nossa religião não nos permite forçar ninguém a ter uma fé, nem forçar alguém a mudar de religião. Não é permitido. Portanto, onde quer que haja um país muçulmano, você encontra liberdade para todas as outras religiões.
O Iraque é um país de maioria muçulmana, mas você encontra lá aqueles que adoram o fogo. E você encontra no Iraque aqueles que adoram Satanás, e você encontra lá aqueles que adoram a luz. Cada um é livre, e isso vem desde o início da história. É assim.
Não tem na história dos árabes e muçulmanos nenhum registro de extermínio de qualquer grupo étnico, nem mesmo de um grupo muçulmano dissidente. A prática de extermínio não é permitida. Assim determina nossa religião. Não queremos exterminar os judeus. Queremos viver com os judeus em nosso país, mas eles dizem que esse é um Estado religioso, apenas para os judeus. Nenhum palestino tem o direito de viver nesse país. O que fazer?
Para o Hamas, a religião judaica e o sionismo são a mesma coisa? Para nós, não. O sionismo é um movimento político que explorou a religião como fachada para agrupar os judeus na Palestina. Mas existem milhares, milhões de judeus que não apoiam o sionismo. Infelizmente, há muitos cristãos, especialmente nos EUA, que são mais sionistas do que muitos judeus.
O Hamas é um inimigo dos partidos de esquerda em geral? Certamente não. Estamos agora aliados à Frente Popular, à Frente Democrática e a todos os partidos de esquerda. Não somos oponentes de nenhuma facção palestina por causa de ideologia política. Nos unimos por objetivos políticos e divergimos por objetivos políticos, não por crenças.
A propaganda sionista no Brasil afirma que o seu partido impõe uma ditadura violenta em Gaza. A imprensa ocidental controla todos os meios de comunicação. No início do 7 de outubro, tentaram nos equiparar ao ISIS [Estado Islâmico]. Não conseguiram sustentar essa propaganda porque não somos como o ISIS. Disseram muitas coisas, e era tudo mentira, e pediram desculpas.
A propaganda ocidental é extremamente forte, mas não impomos nada a ninguém. Temos as leis, que devem ser observadas, e as instituições que as implementam. E, na Faixa de Gaza, todas as pessoas têm total liberdade para praticar suas crenças, sejam elas cristãs ou de outra religião. Nós não impusemos nossas crenças a ninguém. Todos são livres para acreditar no que acreditam.
As mesmas fontes procuram apresentar “Israel” como uma democracia. É fato isso? Quero dizer, isso é engraçado… a democracia em “Israel” é só para os judeus, e não para todos os judeus. Os judeus… Há uma distinção entre os judeus ocidentais e os judeus orientais. Então, judeus que vieram da Etiópia são tratados com racismo, e, portanto, trabalham em empregos inferiores, varrendo ruas, e em outras tarefas inferiores, e sempre se manifestam contra a injustiça nessa sociedade. Também discriminam judeus, muçulmanos e cristãos. Portanto, os muçulmanos e os cristãos não têm os mesmos direitos que os judeus. Não são os mesmos direitos. A terceira coisa é que ocupam um outro país, e, se constroem uma rua, por exemplo, em Jerusalém, permitem a passagem de judeus, mas não permitem a passagem de muçulmanos. Esse é um país de apartheid, um país de discriminação e um país, quero dizer… Nunca se pode afirmar que esse é um país democrático, onde as pessoas são iguais.
Estamos satisfeitos e, a partir de agora, podemos dizer que haverá um Estado em que todos os israelenses, os seis milhões, e todos os palestinos, os sete milhões da Palestina histórica, serão cidadãos de um Estado, com igualdade de direitos e igualdade de deveres. Se fizermos isso, será um Estado democrático para todos os cidadãos.
Como você vê a reação dos povos árabes à luta contra o sionismo na Palestina? A reação da juventude árabe é excelente. Podemos dizer que todo o povo árabe apoia o Hamas, a luta do Hamas. Talvez você tenha acompanhado as manifestações, em todo o mundo árabe, que apoiam o Hamas. Mas os governos divergem porque estão sob pressão do imperialismo global, especialmente dos EUA e do Ocidente. Estão sob intensa pressão. Mas é inútil. Efetivamente, o apoio do povo vai se refletir nos governos.
O movimento de resistência foi acusado de estuprar mulheres no dia 7 de outubro. O seu partido tem uma atitude que aceita o estupro? A verdade é que o problema da violação, que é o termo que usamos, não existe entre nós, como muçulmanos. Nunca há estupro. Eu nunca ouço falar em estupro. Tenho agora 73 anos. Nunca ouvi um único caso de violação na nossa sociedade. Não existe essa cultura.
Mas o problema é que eles trazem sua cultura doentia. No dia em que ocuparam a Alemanha — os exércitos russo, inglês, francês e todos os exércitos que ocuparam a Alemanha — não deixaram uma mulher sem ser estuprada. Nem uma única mulher sem estupro. Portanto, tornou-se um problema na Alemanha. Como trabalhar com os filhos dos aliados que ocuparam a Alemanha? Tornou-se um problema na Alemanha.
Então, é isso. Essa história foi inventada. Mas eles voltaram atrás, se retrataram e desmentiram. Não produziram nem uma única prova de estupro. Portanto, todas as declarações de “Israel” são mentiras que requerem provas. Mas, para tudo o que disseram, não há provas de nada. Eu desafio você se houver um único caso de estupro. A propósito, quando as prisioneiras que estavam com o Hamas, foram libertas, e uma centena de mulheres foi liberta. Eles pressionaram uma das mulheres para dizer que, sim, houvera um estupro. E um jornalista perguntou: “Foi com você?” Ela disse: “Sim”. Ele perguntou: “Como?” Ela respondeu: “Eles estupraram com os olhos”. Como alguém pode estuprar com os olhos?
Ainda sobre as mulheres. A propaganda imperialista diz que o Hamas é contra os direitos e evolução das mulheres, qual é a realidade? Se você perguntar a qualquer palestino ou muçulmano sobre a questão das mulheres, brincamos que são o “Ministério do Interior”, pois elas controlam tudo. O homem trabalha e ela pega o dinheiro e decide como gastar. Para nós, a mulher… o homem é responsável por ela e pelas despesas dela, mesmo que ela se case, alguém deve cuidar dela. Ela tem liberdade absoluta com seu dinheiro, e o homem é obrigado a cuidar dela financeiramente. Nossas mulheres recebem mais do que é seu direito por lei, e é por isso que as chamamos de “Ministério do Interior”. Aqui no Birô Político, temos a Dra. Jamila Al-Shanti, que é uma mártir. Ela também foi martirizada. Que Deus tenha misericórdia dela. Temos mulheres.… Não ganhamos eleições exceto graças às nossas mulheres.
Temos mais apoio entre as mulheres do que entre os homens. Na Assembleia Legislativa, 25% são mulheres. Mulheres do nosso partido, claro. [Um assessor de Marzuq diz: “o povo palestino foi criado por nossas mães, e não por homens”]. Por Deus, diga a eles.
Mudando um pouco de assunto, quantos prisioneiros políticos palestinos há nesse momento em “Israel”? Todos os políticos que estavam na Cisjordânia foram presos depois de 7 de outubro, os do Hamas. Prenderam 5,5 mil homens, todos sem nenhuma acusação. Foram presos porque declaravam apoio ao Hamas. Então, temos as detenções, porque agora parece que é crime ser do Hamas. E temos muitos prisioneiros do povo palestino, cerca de 11 mil. Os presos políticos do Hamas são mais de seis mil.
Todos esses prisioneiros são combatentes militares? Não, esses são políticos. Os combatentes membros do Hamas presos são cerca de dois mil. Dos 11 mil, dois mil combatentes do Hamas, seis mil do Hamas no total, e o restante do Fatá e de outras organizações.
Esses prisioneiros, por que eles estão presos, qual é o crime deles? É ser do Hamas. É um crime.
Não há tribunais, nada? A maioria desses presos políticos são presos administrativos. A prisão é renovada segundo uma antiga lei britânica. Durante a colonização britânica da Palestina, instaurou-se uma prisão administrativa. Essa prisão administrativa é renovada a cada seis meses. Há pessoas que passaram 18 anos em prisão administrativa.
Há prisioneiros que são crianças? Ainda existem crianças e mulheres presas, todas as categorias. Mas o pior problema que enfrentamos é a tortura de todos os presos. A tortura é tão severa, que um grande número de presos morreu sob tortura. Alguns tiveram os membros quebrados, e as mulheres são deixadas nuas, humilhadas. A verdade é que está uma tragédia agora nas prisões.
A tortura é generalizada nas prisões israelenses? Depois de 7 de outubro, aumentou significativamente. A tortura ocorria sempre antes do julgamento e durante a investigação. Depois do julgamento não havia tortura. Mas, depois de 7 de outubro, todos são submetidos a tortura. Podemos fornecer fotos para apoiar a entrevista. Fotos de detidos nus, fotos de crianças e mártires. Não sei os números porque se recusaram a dar qualquer informação à Cruz Vermelha. Nos acordos de troca podemos saber exatamente todos os detidos e a sua classificação, porque eles também nos perguntam nomes e classificações dos prisioneiros que temos.
Uma última pergunta. Como você vê o futuro da Operação Dilúvio de al-Aqsa e da luta palestina? Nós vencemos desde o primeiro dia. Desde o primeiro dia, o Dilúvio de al-Aqsa, as Brigadas al-Qassam foram vitoriosas contra o exército israelense. Embora contassem com apenas algumas centenas de combatentes, eles foram capazes de destruir um exército inteiro. Nas fronteiras da Faixa de Gaza, mataram mais de 1.200, capturaram centenas e feriram milhares. Não existe mais uma força chamada Divisão de Gaza, que sitiava Gaza. Já não existe mais. Passamos a uma nova fase, e é difícil enfrentá-la, porque se tornou uma guerra mundial.
Tome nota, porque é uma resposta longa. Esse é o primeiro ponto, o que mencionei agora.
Depois da primeira batalha que nós vencemos, os EUA mobilizaram imediatamente seu poder e criaram uma aliança ocidental muito grande, na qual entraram a Grã-Bretanha, a França, a Espanha, a Alemanha, a Holanda, a Itália, a maioria dos países ocidentais, além do Canadá e da Austrália. Fizeram uma aliança contra o Hamas, contra o movimento Hamas. Então, o Ocidente aliou-se a “Israel” e forneceu-lhe armas, tanques, aviões. Os aviões que a Grã-Bretanha tinha sobre a Ucrânia, foram enviados a Gaza. Trouxeram todos os soldados dos “comandos” antiterrorismo do Chipre.
Uma guerra global contra quem? Contra Gaza e contra o Hamas. Todos pensaram que, em uma semana, o Hamas acabaria, não haveria salvação, porque a Faixa de Gaza tem 360 km² e enfrenta um exército de 350 mil soldados com tanques e veículos blindados, escavadeiras, aviões de todos os tipos enchendo o céu. Os aviões mais modernos, F-35 e F-16, tudo isso atacou o Hamas.
O Hamas certamente ficou na defensiva diante dessa guerra mundial que foi lançada contra ele. Mas o Hamas estava preparado para isso. Seus combatentes se entrincheiram nos túneis, e, graças a Deus, conseguimos aguentar quatro meses, e ainda estamos conseguindo. Estamos presentes no campo de batalha. Todo esse exército israelense não aguenta resistir no campo. Estamos presentes ainda na nossa resistência contra os israelenses, e nós controlamos o terreno, não eles. Destruímos milhares de tanques, veículos blindados e veículos de transporte de pessoal e matamos milhares deles, ferimos milhares. Admitiram que o número de israelenses mortos foi 500 soldados e 15 mil feridos, mas os números são muito maiores do que esses. Ainda estamos presentes na batalha de defesa e podemos nos defender. Portanto, venceremos inevitavelmente essa batalha.
O problema que enfrentamos, muito francamente, é o problema dos civis que eles atingem. Eles só matam civis. Mataram médicos, centenas de jornalistas e centenas de homens da defesa civil. Temos 70% dos mortos de mulheres e crianças. O resto, incluindo jornalistas, médicos, homens da defesa civil e idosos. São os que eles matam. É realmente um problema estarmos nessa situação. Tragam num pendrive as fotos dos prisioneiros e das crianças (pedindo para um assessor). As fotos das pessoas nuas, prisioneiros e crianças. Então, o que estou dizendo é que essa é exatamente nossa situação no terreno.
Agora, estamos numa fase de negociação. No início, recusaram-se a negociar com o Hamas, porque queriam destruir o Hamas, mas não conseguiram. Por isso, agora recorreram à negociação com o Hamas para libertar os prisioneiros.
Temos alguns pontos fortes. Nossa maior força é a nossa frente interna. Nosso povo é sólido, forte e paciente, e também temos nossa resistência com boa saúde, forte e paciente. Somos capazes de lutar e temos prisioneiros israelenses. Esses são três pontos de força que possuímos, e agora vamos negociar. Estamos negociando a troca de prisioneiros, a entrega dos prisioneiros que temos, a libertação dos prisioneiros deles, a quebra do cerco imposto à Faixa de Gaza e a prestação de socorro aos civis, com comida, bebida e abrigo. Essa é a fase em que estamos agora com os israelenses, os norte-americanos, os egípcios e os catarenses. Esses são os que certamente estão travando a batalha de negociação.
Até agora, eu falei sobre as etapas pelas quais passou a Operação Dilúvio de al-Aqsa. Agora, quero falar sobre a próxima situação. O que vem depois dessa batalha. E isso também diz respeito às negociações. As negociações são relativas à reconstrução. Abrigo, socorro e reconstrução da infraestrutura, além dos serviços públicos. Os israelenses destruíram todos os hospitais. Destruíram universidades, escolas e municípios. Não deixaram sobrar nada. Destruíram 46% das casas das pessoas. Vou passar para vocês as estatísticas que foram divulgadas. Quer dizer, o que foi feito detalhadamente até agora. Então, temos de discutir todas essas questões.
Deve também haver um diálogo nacional, a fim de criar um governo palestino competente que não seja nem do Hamas, nem da Jiade Islâmica, nem do Fatá. Um governo palestino competente para lidar com a comunidade internacional e com o povo palestino, para reconstruir, realojar as pessoas, além de gerir a vida econômica, política e social dentro da Faixa de Gaza. Abrir um diálogo nacional para reconstruir a Organização de Libertação e a participação de todos os palestinos na OLP.
Se fizermos isso, também teremos apresentado nossa visão política à comunidade internacional em relação ao futuro. Estamos confiantes na vitória, se Deus quiser, e também estamos confiantes de que estabeleceremos um Estado Palestino independente na Cisjordânia e na Faixa de Gaza, com Jerusalém como capital. Se Deus quiser, nossos prisioneiros serão libertos, e preservaremos nossa mesquita de al-Aqsa, se Deus quiser.