Em artigo publicado no último dia 21 no sítio do jornal britânico The Guardian e intitulado The 2016 Republican convention let extremists in. In 2024, they took the stage, o jornalista Jason Wilson analisa a evolução da presença da extrema direita no Partido Republicano, que “de JD Vance [vice na chapa liderada por Trump] a Marjorie Taylor Greene [parlamentar republicana]”, diz, “colocou figuras radicais no centro das atenções” na última convenção da agremiação, encerrada na última quinta-feira (18).
Se no passado, como informa Wilson, “o nacionalista branco Richard Spencer foi um participante importante naquele ano e disse ao [jornal norte-americano] Washington Post que ele e outros extremistas haviam desfrutado de ‘uma grande festa regada a bourbon’ em locais não oficiais ao redor do centro de convenções”, oito anos depois, a situação é completamente diferente na convenção republicana: “não houve um circuito de festas paralelas para a jubilosa extrema direita”, diz, concluindo: “em vez disso, os extremistas realmente dominaram o palco principal, bem como os locais próximos, onde poderosas organizações sem fins lucrativos detalharam a agenda que estão preparando para pressionar um futuro governo Trump”, conclui sua, apresentando o que considera as estrelas do evento e que marcam a acentuada evolução da extrema direita na renovação do partido:
“JD Vance, o companheiro de chapa de Donald Trump, pode ter diminuído o tom de seu discurso de aceitação, conforme o desejo de Trump de passar uma mensagem de unidade nacional. No passado, no entanto, Vance expressou o desejo de que o aborto fosse proibido nacionalmente e resiste a exceções para estupro ou incesto. Em fevereiro, ele disse a um entrevistador que, se tivesse sido vice-presidente em 2020, ao contrário de Mike Pence, ele teria anulado os resultados da eleição de 2020.”
Além disso, segundo o jornalista do diário britânico, pesa contra Vance o crime de ter organizado campanhas financeiras para os réus de 6 de janeiro, afirmando que muitos estavam sendo mantidos sem acusação, ao que o jornalista acrescentou: “falsamente”. Wilson destaca ainda que no passado, o vice de Trump exigiu uma investigação contra críticos da política de Trump.
“O discurso da representante Marjorie Taylor Greene no palco principal da convenção, na noite de segunda-feira [15], foi repleto de falsidades e distorções sobre imigrantes e defensores da comunidade LGBTQ+, além de dog whistles sobre ‘globalistas’, e contou com uma afirmação gratuita de que ‘existem apenas dois gêneros, e somos feitos à imagem de Deus’.”
Termo originado nos EUA, dog whistle é tido como uma forma de comunicação onde a mensagem passa despercebida ou é interpretada de forma inofensiva por outros, mas que contém significados ou apelos ocultos. “Globalista”, por outro lado, é um termo comum usado pela extrema direita, análogo ao imperialismo, do que se deduz que o autor critica posições da representante norte-americana contrárias à política imperialista.
“O vice-governador da Carolina do Norte, Mark Robinson, é agora o candidato republicano ao governo do estado e também discursou no palco da convenção na noite de segunda-feira. Apenas algumas semanas antes, Robinson disse aos fiéis de uma igreja na cidade de White Lake que ‘algumas pessoas precisam ser mortas’, aparentemente em referência a adversários políticos, como aqueles que defendem o ‘socialismo e o comunismo’.
O analista de The Guardian lembra que Robinson é “afro-americano”, mas conta com “longo histórico de publicações” nas redes sociais, voltados especialmente contra “LGBTQ+, judeus e negros”, em alusão a sua oposição à política identitária. “Essas publicações”, afirma Wilson, “incluíam afirmações de ligações entre homossexualidade e pedofilia, que os democratas negros eram ‘escravos’ e que o personagem de quadrinhos Pantera Negra foi ‘criado por um judeu agnóstico’ e o filme baseado nos quadrinhos foi ‘criado para tirar os shekels [moeda israelense]’ dos bolsos dos negros.”
Wilson continua seu artigo destacando que “o extremismo é igualmente evidente nas bases do partido”, indicando não se tratar de um mero deslocamento da nova cúpula republicana, mas de um movimento com fundações sociais sólidas. Uma muito importante, destaca, é a Heritage Foundation.
“A quarteirões de distância da conferência, a Heritage Foundation, uma das mais ricas e influentes organizações conservadoras sem fins lucrativos, reafirmou seu abrangente plano do Projeto 2025 para refazer o governo dos EUA à imagem da direita radical, explicitado em um documento de 922 páginas publicado pela primeira vez em abril”, reforça Wilson, acrescentando:
“Entre outras coisas, o documento de 922 páginas propõe que o novo governo amplie a autoridade executiva do presidente sobre a burocracia governamental. Nesse sentido, recomenda uma ‘vasta expansão’ de nomeados políticos em agências, incluindo os departamentos de justiça e segurança interna, o que daria ao presidente um controle mais direto sobre as investigações criminais do departamento de justiça.”
Wilson lembra que o documento traz uma orientação política para que orientar a distribuição de cargos e fundos, além de instituir um programa de promoções militares com base em opiniões políticas, para excluir do comando das forças armadas norte-americanas oficiais que mais alinhados ao imperialismo, descritos pelo documento como “muito preocupados com a crise climática ou com o ‘extremismo fabricado’, um termo que o documento usa para sugerir que o extremismo doméstico nas fileiras militares é uma ficção da imprensa”, diz.
No artigo, o jornalista de The Guardian informa que Kevin Roberts, presidente da Heritage Foundation, “disse que uma ‘segunda Revolução Americana’ estava em andamento, acrescentando que ela seria incruenta ‘se a esquerda permitisse’”.
O jornalista lembra que o principal líder republicano tem buscado se distanciar da fundação direitista e que seu conselheiro sênior Chris LaCivita, descreveu o documento da Heritage como uma ‘dor de cabeça’. Ocorre que Vance “é um aliado de longa data da Heritage, e a organização é uma pedra angular do que o [sítio] Politico chamou de ‘estabelecimento conservador alternativo’ que ele está construindo em Washington para estabelecer a chamada nova direita – que busca levar o populismo de Trump ‘em uma direção ainda mais radical’ – como a força dominante na política conservadora”.
O documento da Heritage é descrito por Wilson como “incoerente”, mas isso é tratado como um algo secundário. “Agora”, diz o jornalista, citando outra fonte, “Trump recebeu uma licença das elites partidárias e dos eleitores para descobrir uma política autoritária que funcione”.
Trata-se, como se vê, de um verdadeiro programa para consolidar a extrema direita no domínio do país mais poderoso do imperialismo. Com o recrudescimento da crise imperialista, a cisão entre o imperialismo e os setores menos poderosos da burguesia norte-americana, a exemplo do que acontece em outros países, se acirrou, com expressiva vantagem para os últimos.
Nos EUA, rapidamente, o trumpismo deixou de ser um fenômeno marginal e passou a ser dominante no partido republicano. As perseguições judiciais movidas contra o campo, como se vê, longe de arrefecerem a extrema direita, a tornaram mais poderosa.