Comumente, consideramos uns aos outros como agentes moralmente responsáveis. Às vezes, culpamos alguém por fazer algo que ele não deveria ter feito, ou elogiamos alguém por um comportamento exemplar. Geralmente se pensa que somos responsáveis por tais coisas somente se as fizermos livremente (ou coisas que resultarem nelas). Duas questões filosóficas fundamentais que surgem aqui são: qual é a natureza da responsabilidade moral, e que tipo de liberdade ela requer? Somente com respostas a estas perguntas podemos decidir se somos de fato moralmente responsáveis.
Suponhamos que, há cerca de trinta anos, uma agente muito engenhosa, Gaia, quisesse uma certa sequência muito específica de ações realizadas trinta anos depois. Gaia tinha, à sua disposição, os materiais necessários para criar muitos diferentes zigotos humanos em placas de Petri. Ela tinha o poder de assegurar que qualquer um que ela criasse desenvolver-se-ia de uma maneira determinista, e que sua vida desdobrar-se-ia inteiramente deterministicamente, e Gaia poderia prever exatamente como cada vida desdobrar-se-ia.
Ela escolheu certos materiais e combinou-os precisamente porque sabia que o indivíduo resultante, e somente aquele, faria os feitos trinta anos depois exatamente como ela queria que fossem realizados. Seu produto é o Roberto. Suas ações são todas determinadas exatamente da maneira que Gaia previu, embora, em todos os outros aspectos, ele seja como nós. Hoje, Roberto faz exatamente as coisas que Gaia o criou para fazer. O que devemos dizer da responsabilidade moral de Roberto por essas ações?
O determinismo e o indeterminismo estão juntos no balaio da moral?
Um argumento para esta última visão observa que as ações pelas quais somos responsáveis são (pelo menos tipicamente) coisas que fazemos por razões. Quando alguém age por uma certa razão, faz o que se faz por causa da maneira como este alguém é, mentalmente falando. Para ser responsável pelo que se faz, então, deve-se ser responsável por ser como é.
Todavia, para ser responsável por ser assim, é preciso ter feito isso, e é preciso ser responsável por ter-se causado. Ao fazer isso, este alguém terá agido por razões; então, este alguém terá agido por causa do modo como era, mentalmente falando.
A responsabilidade por essa ação exigirá que essa pessoa seja responsável por como ela foi; e assim por diante, infinitamente. Para ser responsável por qualquer coisa, então, essa pessoa deve ter completado uma sequência infinita de ações pelas quais ela foi responsável, criando, portanto, a si mesma, com relação a como esta pessoa é mentalmente. No entanto, tal autocriação é impossível, pelo menos para seres finitos como nós. A responsabilidade moral, então, é impossível, pelo menos para seres como nós (STRAWSON, 2002).
E aí então, a ética se faz presente, com sua investigação, regras e exortações, chacoalhando a moral, que é dependente do determinismo viciado, por vezes. O caráter (ético) e o costume (moral) estão no centro do ringue, ou trabalham coadunados?
Difícil estar em um país que espelhe bons costumes e excelentes “modos de ser” (ética); as notícias listadas abaixo demonstram tal limitação.
“O homem preso no último sábado (24) em Goiás, acusado de provocar incêndios em fazendas da região, afirmou em depoimento à polícia que o crime foi motivado por questões políticas, conforme relatado pelo Metrópoles nesta segunda-feira (26). A Polícia Militar calcula que cerca de 700 hectares foram queimados” (Brasil 247).
“Quase meio milhão de cariocas não têm o que comer. Mulheres negras, com baixa escolaridade e no trabalho informal são as principais vítimas. Ao todo, são mais de 2 milhões de habitantes na cidade do Rio que estão vivendo com algum nível de insegurança alimentar na capital, seja leve, moderado ou grave. Ou seja, a fome está presente em 7,8% das casas do município.
É o que mostra um levantamento sobre insegurança alimentar feito pelo Instituto de Nutrição Josué de Castro (INJC), da UFRJ, em parceria com a Frente Parlamentar Contra a Fome e a Miséria, da Câmara Municipal do Rio. É a primeira vez que uma cidade brasileira faz esse estudo.
De acordo com documento, a fome extrema é mais frequentes entre as pessoas que vivem em áreas pobres de bairros como Penha, Madureira, Complexos do Alemão, da Maré e o Jacarezinho, todos na Zona Norte” (O Globo).
“O Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do Rio (Sepe-RJ) elaborou uma cartilha que reúne as perdas salariais da categoria ao longo da última década. Levando em consideração o impacto da inflação e a aplicação do piso nacional do magistério, os cálculos foram elaborados em parceria com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).
O material é parte da campanha salarial da categoria para 2024 e desenha como seriam as remunerações caso o governo efetuasse a reposição inflacionária do período e aplicasse o piso nacional do magistério em todas os níveis das carreiras.
A partir dos resultados, a entidade argumenta que, segundo o estudo, seria necessário, em 30 de abril de 2024, um reajuste de 45,51% para recuperar o poder aquisitivo de julho de 2014″ (O Extra).
Quanto mais o indivíduo – outsider – for agressivo, com seu leque de narrativas fakes, mais quórum ele alcança. E aí, como será o destino dos trabalhadores brasileiros, dos precarizados nacionais, que nunca perderam o título de Jeca Tatu, vejamos:
“Jeca Tatu é o homem do campo real, que leva uma vida miserável nos rincões brasileiros e é praticamente ignorado pelos governantes. É lembrado pelos políticos apenas no momento do voto nas eleições. “O fato mais importante da sua vida é votar no governo. (…) Vota. Não sabe em quem, mas vota. Esfrega a pena no livro eleitoral, arabescando o aranhol de gatafunhos e que chama ‘sua graça”’, diz Lobato, em um dos trechos do livro: Urupês” (Brasil 247).
Agora, a pergunta que não quer calar: O Brasil está sob um determinismo imoral?