Algumas discussões da banda progressista que se reúne no portal 247 são um tanto preocupantes por diversas razões, todas convergentes a um ponto central, qual seja, o abandono da perspectiva socialista. Esse parece ser também o problema da esquerda pequeno-burguesa como um todo, que, sucumbindo ao conformismo das políticas identitárias, elege como inimigo político um discurso, não uma classe.
O atentado sofrido por Donald Trump, por exemplo, foi logo interpretado como farsa ou auto atentado por ser essa – supostamente – uma prática dos extremistas de direita. Bolsonaro é o nosso espantalho, Trump é o dos Estados Unidos. A associação imediata de Trump a Bolsonaro, sem cinco minutos de reflexão, chega a ser vexatória. Se a facada de Bolsonaro ainda hoje soa como história mal contada, por “n” razões, um tiro na ponta da orelha de alguém, disparado a mais de 100 m de distância, jamais poderia ser uma armação, dado o tamanho do risco.
O fato é que o atirador mirou a cabeça de Trump e disparou; Trump se moveu e, por segundos, escapou da bala. Ao livrar-se do tiro e, literalmente, sair bem na foto, pode o candidato republicano ganhar mais pontos na disputa, é verdade, mas isso não autoriza a interpretação de que ele se arriscaria a tal ponto para subir nas pesquisas – até porque ele sempre esteve à frente.
Biden, por sua vez, vinha enfrentando pressões para deixar a candidatura, tachado de senil e incapaz. Apoiadores de peso chegaram a suspender o financiamento da campanha até que ele desistisse. Como o candidato democrata assegurou que “só Deus” o tiraria da disputa, que fazer? Ora, se não se pode tirar Biden, por que não mudar seu adversário? Especulações.
De resto, a estratégia puída de fazer analogias entre o Brasil e os EUA é largamente usada pela própria imprensa burguesa que os progressistas dizem criticar. Vejam-se os articulistas da Folha de S. Paulo, por exemplo, que, sem pejo, associaram a senilidade de Biden à idade de Lula – “Lula vai enfrentar o mesmo problema em 2026”, vaticinaram os futurólogos de plantão. O correspondente do 247 nos Estados Unidos entra na programação em tom de torcida pró-Biden, anti-Trump, para o gáudio do chat do canal. Desse jeito, a esquerda não avança.
Dia desses, um comentarista do canal levantou uma questão séria sobre a regulação das mídias sociais a propósito de um comentário de Lula. Voz rara no debate da esquerda pequeno-burguesa, ele se posicionou contrariamente à regulação e propôs que a esquerda melhore seu discurso para fazer frente ao discurso sedutor da direita, que tem sua coerência etc. A discussão não prosperou por falta de interlocutor, mas, se avançasse, poderia chegar ao ponto essencial do problema.
Mais do que melhorar o discurso (embora isso seja parte importante do processo), é preciso ter claro o que se busca. Não dá para ser de esquerda e defender o sistema capitalista, sendo essa a falsificação engendrada pela política identitária, uma política feita pelos patrões, definida nas reuniões de diretoria das grandes empresas e propalada pelas ONGs dos países imperialistas. Sem acreditar no socialismo como objetivo a alcançar, como um modelo superior de sociedade, não temos esquerda de verdade.
Toda vez que apresenta suas longas reportagens sobre o empreendedorismo dos pobres, sobre a “favela como potência” e coisas do gênero, a Rede Globo faz sua parte na propaganda pró-capitalista. A esquerda que se contenta em processar fulano de tal por injúria racista ou homofóbica como se isso fosse um grande avanço também está dando seu aval ao modelo capitalista burguês, expresso na estrutura judicial. Em suma, cabe à esquerda mostrar que é possível almejar uma sociedade diferente e que é preciso lutar por ela.
