O Esquerda Online publicou em seu sítio neste 27 de dezembro um longo artigo de Valerio Arcary sob o título “A armadilha neofascista no Brasil”. São quase 50 mil caracteres divididos em 22 tópicos, dos quais destacamos o último. O resumo da ópera é que a esquerda não deve fazer nada para derrotar a extrema direita, vamos deixar tudo para que o judiciário burguês resolva.
No parágrafo 22, conforme mencionamos, Arcary avalia: “quando pensamos o futuro, estamos diante do problema do papel dos indivíduos na história. Os três cenários esboçados – favoritismo de Lula, eleição em disputa acirrada ou favoritismo da oposição de extrema direita – dependem de tantos fatores, que não é possível fazer um cálculo de probabilidades com antecedência”.
Como se vê, a preocupação de Arcary recai sobre um cenário eleitoral e isso não é por acaso, pois esses setores da esquerda, pensam a política principalmente nesses termos, uma vez que o trabalho de base está relegado a segundo plano. Se rememorarmos o período prévio das eleições, notamos que PSOL fez tudo o que esteve a seu alcance para impedir a candidatura Lula, sua intenção era o fortalecimento da “terceira via”, uma frente ampla com setores da direita, inclusive bolsonaristas enrustidos, ou declarados, que contavam cogitavam lançar como candidatos Ciro Gomes, Eduardo Leite e mesmo João Doria – também conhecido como Bolsodoria.
A desculpa para essa frente amplíssima, seria o combate ao demônio do fascismo, um mal muito maior que os Dorias ou Leites. Guilherme Boulos, para defender a frente, tirou da cartola o movimento pelas Diretas, se “esquecendo” apenas de mencionar que naquela ocasião a classe trabalhadora foi traída.
Valerio Arcary afirma que “Uma análise marxista não pode perder o sentido das proporções. As lideranças fazem representação de forças sociais. Mas seria uma superficialidade imperdoável diminuir o protagonismo de Bolsonaro: a presença dele faz diferença”. E então pergunta: “A extrema-direita teria se transformado em um movimento político, social e cultural com influência de massas, mesmo sem Bolsonaro, depois de 2016?”. Ele mesmo vai dizer que sim.
Antes, no entanto, é preciso perguntar a Arcary se o bolsonarismo teria sido possível sem uma esquerda que lutou a favor do golpe. Como ele foi durante muitos anos dirigente do PSTU, sabe que a pergunta é pertinente. Sem esses setores da esquerda, sem a atuação de um judiciário que conta com um Supremo Tribunal Federal que desrespeita a Constituição, e que essa esquerda apoia, teria havido um Bolsonaro?
Arcary afirma que “o neofascismo é uma corrente internacional”, mas deixa de lado que este conta a conivência de setores que estão dentro da própria esquerda e que são contra a liberdade expressão, que pedem penas de prisão para qualquer coisa, que defendem ideologias imperialistas como o identitarismo. Portanto, Trump, Le Pen, Meloni, Milei etc. São apenas uma parte do problema.
O grande capital, sempre que julgou necessário, lançou mão do fascismo. Com o aumento da polarização social, esse movimento ressurge como uma arma da burguesia contra a classe trabalhadora. O que não significa que não existam diferenças entre o grande capital financeiro e a extrema direita. Os Estados Unidos são uma prova de que o discurso nacionalista de Trump está se chocando com setores poderosos do imperialismo. Na Itália, por outro lado, a plataforma nacionalista de Meloni mostrou que não passa de demagogia, pois seu governo apoia abertamente a OTAN. O nacionalismo da extrema direita encontra força justamente porque a esquerda recuou, deixou de lutar pelo socialismo.
O abandono no socialismo por setores da esquerda merece ainda outra explicação, pois foi substituído pela defesa do “clima”, do identitarismo e da democracia, mas da democracia burguesa, imperialista, que finge lutar contra ditaduras para rapinar as economias de países atrasados.
A classe trabalhadora, ao observar essa esquerda democratizante, a percebe cada vez mais atolada dentro dos regimes que a esfola. É aí que a extrema direita se aproveita para atrair os trabalhadores com um discurso demagógico de ser nacionalista e antissistema.
Arcary diz que “a forma concreta que assumiu o neofascismo dependeu muito do carisma de Bolsonaro”. Mas se esqueceu do papel da imprensa que torna agradáveis as figuras que interessam à burguesia. Na Síria, país em que o imperialismo colocou no poder um terrorista, os grandes meios de comunicação apresentam um sujeito de barba feita, moderado, e até favorável às diversidades sexuais.
Pintar Bolsonaro como “tosco, bruto, intempestivo” não quer dizer nada, pois isso é sempre minimizado ou tratado como coisa pitoresca. Os mesmos adjetivos podem ser usados contra Lula, que é criticado por gostar de cerveja ou por ter carregado uma caixa de isopor na cabeça.
O que Valerio Arcary faz é atacar o próprio povo, pois este sentiria uma de atração por figuras brutas e toscas, ou, em suas palavras, “é o desconcertante carisma que impulsiona uma identificação apaixonada”. Isso não passa de psicologismo barato.
Se Bolsonaro come com a mão, ou se tem desprezo pela vida de milhões de pessoas, o fato é que a burguesia e sua imprensa nunca se preocuparam de fato com isso. O povo também não se importa, se o sujeito fala com a boca cheia, o pequeno-burguês é que não suporta.
Terceirizando a luta
O que importa para a classe trabalhadora é lutar pelos seus interesses e Bolsonaro, assim como a extrema direita internacional, aproveita o vazio deixado pela esquerda, completamente capturada pela ideologia imperialista.
A população foi atraída pela extrema direita porque, como fica provado no último parágrafo do extenso texto de Arcary, a esquerda não faz nada, espera que uma das instituições mais reacionárias do Estado faça o serviço, que prenda Bolsonaro, pois para ele a política também é caso de polícia.
Valerio Arcary, contrariando a realidade, afirma que “se [Bolsonaro] viesse a ser condenado e preso, sua autoridade irá diminuir”. Se desse uma pequena olhada para o mundo lá fora, Arcary teria percebido que Lula, depois de solto, se elegeu presidente; e que Donald Trump, após uma enxurrada de processos, ganhou com folga as eleições nos Estados Unidos.
Fechando seu artigo, Arcary pede que nos rendamos aos onze ministros do STF, sugere que “Esta deveria ser o centro da tática da esquerda: sem anistia, punição de todos os golpistas, cadeia para Bolsonaro”. Uma palavra de ordem capituladora, entreguista que, além de tudo, não vai mobilizar a classe trabalhadora, mas deixá-la refém de “Xandões”.