Acompanhando a repercussão na imprensa burguesa da censura no Brasil da rede social X, o antigo Twitter, temos uma amostra de como a política da burguesia é flexível e dinâmica. Os mesmos jornais que forjaram a figura de “defensor da democracia” para o ministro do STF Alexandre de Moraes, agora explicitamente adotam um tom mais ameno e até crítico da sua atuação. Não chegam ao ponto de denunciar enfaticamente os seus seguidos atropelos à lei, muito menos de elaborar uma crítica retrospectiva desses atropelos, mas nem passa perto de uma defesa aberta das ações do ministro.
Enquanto isso, a esquerda segue apoiando apaixonadamente o “Xandão”, apelido carinhoso ao ex-PSDB, que chegou ao STF no governo do golpista Michel Temer, após atuar como Ministro da Justiça no mesmo governo. Setores que adotaram a ideia de que os atropelos jurídicos são “democráticos” quando voltados a figuras “antidemocráticas” têm na figura de “Xandão” uma farta inspiração para memes e provocações aos bolsonaristas. Ignorando que a escalada repressiva sempre prejudica o conjunto dos trabalhadores e sua expressão política que é a própria esquerda.
Algumas colunas publicadas na imprensa burguesa demonstram essa movimentação da burguesia. Na Folha de S. Paulo, João Pereira Coutinho publicou texto intitulado “Moraes e Musk têm a mesma concepção autoritária do poder”. Sobre a atuação de Moraes, compara que “não se apaga o fogo pela supressão do oxigênio”, no sentido de que isso asfixiaria as pessoas presentes no local de um incêndio. Acrescentando que “o problema de Moraes é com Musk, não com os 21 milhões de usuários que utilizam o X e ficaram às escuras”. Isso colocado, o colunista também dispara contra o bilionário sul-africano naturalizado norte-americano, se saindo por uma tangente de “imparcialidade”, mas fica evidente a preocupação com os desmandos do ministro.
No mesmo jornal da família Frias, Elio Gaspari escreveu a coluna “Musk é um golpista, mas…”. No melhor estilo de colunistas da Folha de S. Paulo que fisgam esquerdistas de ocasião, Gaspari começa seu texto disparando contra o golpismo assumido de Elon Musk. Ele cita, por exemplo, o fato do bilionário ter assumido em uma discussão na internet que os norte-americanos tiveram participação no golpe contra Evo Morales em 2020 na Bolívia. Mas após breve introdução, se volta para os “exageros” de Moraes, como o bloqueio das contas da Starlink e o estabelecimento de multas de R$ 50 mil para brasileiros que utilizem VPN (Rede Privada Virtual na sigla em inglês), o que poderia ser feito para acessar a rede social X, por exemplo. Ele destaca ainda que as manobras de Moraes dentro do STF para punir Musk não passam uma boa imagem do judiciário.
Podemos citar ainda a coluna de Eliane Catanhêde no Estado de S. Paulo. Na mesma linha de bater dos dois atores principais do imbróglio, a coluna está intitulada “STF precisa baixar a bola e evitar excessos que alimentem os inimigos do Estado de Direito”. Assim como nos outros dois textos, temos todo um rodeio para poder criticar as ações de Moraes e parecer imparcial. A “baixada de bola” do STF não seria atuar conforme a lei e não usar a máquina do judiciário como arma política? Catanhêde pede por uma maneirada nas caneladas jurídicas de Moraes, pois isso seria um empecilho ao próprio uso parcial do judiciário.
Ela cita como exemplos que “confundem e constrangem” o “apoio épico” à Lava Jato e toda a desmoralização posterior da operação e os “avanços sobre Executivo e Legislativo”, que ela ainda pondera: “às vezes, com boas razões, como nas emendas parlamentares; às vezes, questionáveis”. Na verdade, não é função do judiciário “avançar” sobre os demais poderes. Mas o fato da coluna pressionar o STF a diminuir a intensidade dos atropelos jurídicos também indica esse novo posicionamento da burguesia em relação a Moraes.