No último dia 15 de novembro, o Brasil completou 135 anos de República. A data, que deveria ser um momento de celebração e de reflexão sobre a história de nosso País, foi, mais uma vez, alvo de ataques por parte de setores identitários da esquerda, que buscam reescrever a história nacional conforme interesses do imperialismo. Um exemplo desse fenômeno é o artigo publicado pelo Brasil de Fato intitulado Proclamação da República foi movimento elitista e sem interesse em mudar o Brasil e assinado por Nara Lacerda, que, baseado em nada, decretou a Proclamação da República como um movimento elitista e sem interesse em mudar o Brasil:
“A Proclamação da República, em 1889, consolidou um modelo político que manteve a participação popular completamente distante das decisões e era comandado por donos de terra, militares e empresários. No pensamento do sociólogo Florestan Fernandes, o novo arranjo de poder abriu espaço para a revolução burguesa no Brasil.”
Afirmam, com base em Florestan Fernandes, que o movimento teria sido um arranjo de militares, latifundiários e empresários, excluindo o povo das decisões políticas. Essa versão, no entanto, ignora o caráter revolucionário do republicanismo brasileiro e o papel das forças abolicionistas no processo, partindo de um preconceito que coloca como iguais as Forças Armadas da época e as de hoje.
Um dos mais notórios articuladores do golpe que resultou na proclamação da República nunca é mencionado na ficção criada pelos identitários, mas importantíssimo para o movimento: o coronel Benjamin Constant.
Esquerdista e profundamente envolvido com o movimento abolicionista, Constant foi tirado do comando de tropas por ordem da monarquia e colocado na direção da escola de cadetes. Ele aproveitou essa situação para fazer da escola um verdadeiro centro de recrutamento para os ideais republicanos e positivistas, de oposição frontal ao regime monárquico e do atraso das superstições religiosas. O artigo de Larceda, porém, se aventura a mais pérolas:
“Esse contexto, segundo Florestan Fernandes, não representou um colapso da elite que concentrava o poder, ‘mas o início de uma transição que inaugurava, ainda sob a hegemonia da oligarquia, uma recomposição das estruturas do poder’.”
Ao citar Florestan Fernandes para sustentar que a Proclamação da República foi apenas uma “recomposição das estruturas do poder” sob a “hegemonia oligárquica”, o artigo do Brasil de Fato apenas reproduz uma ignorância sobre o papel revolucionário do republicanismo brasileiro. Embora a transição tenha de fato enfrentado limitações impostas pela conjuntura econômica e social do período, reduzir o movimento a uma mera “troca de elites” ignora o impacto do fim da monarquia sobre o poder dos setores conservadores que a sustentavam.
A aliança entre republicanos e abolicionistas, liderada por figuras como Benjamin Constant, representou um avanço importante na luta contra o atraso escravista e monárquico. O republicanismo não foi um evento isolado ou limitado à burguesia latifundiária; foi parte de um processo popular, mesmo que não tenha seguido o modelo de revoluções de massas europeias. Ignorar isso é avacalhar um processo histórico que foi fundamental para colocar o Brasil no caminho da modernidade política.
O texto ainda tenta desqualificar a Proclamação ao compará-la com revoluções burguesas de outros países, como a francesa. Essa comparação é uma superficialidade grotesca, que desconsidera as especificidades históricas e econômicas do Brasil em 1889.
A luta republicana por aqui se deu em uma conjuntura inflamada pela mobilização revolucionária, resultado da luta abolicionista e pela necessidade de superar o atraso representado pela monarquia. Reduzir o republicanismo a um “pacto de elites” é negar a complexidade do movimento e apagar as conquistas do período.
O mais grave, no entanto, é como esses ataques à República servem a uma tentativa maior de desmoralização da soberania nacional. O identitarismo, travestido de progressismo, atua como uma ferramenta do imperialismo ao fomentar divisões internas e desprezo por nossa história.
Rejeitar essa avacalhação é um dever de quem luta pela emancipação nacional. A Proclamação da República é um símbolo da mobilização revolucionária do povo brasileiro e deve ser defendida contra aqueles que, sob o pretexto de “crítica histórica”, trabalham para desmantelar nossa identidade e nossa luta por soberania.





