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Caso Alysson Mascaro

Era uma vez a presunção de inocência no Brasil

Bastou que um portal acusasse o professor da Universidade de São Paulo de ter cometido assédio contra ex-alunos que ele se tornou sumariamente culpado

Nessa terça-feira (3), um artigo publicado no portal Intercept Brasil acusou o jurista Alysson Mascaro, professor da Universidade de São Paulo (USP), de ter praticado assédio sexual e de até mesmo ter tentado estupro contra alunos e ex-alunos seus. O artigo, contrariando o esperado de qualquer órgão jornalístico sério, não apresenta qualquer prova, limitando-se a apresentar relatos que, em si mesmo, sequer apontam para qualquer prática criminosa.

Em circunstâncias normais, o artigo de Intercept Brasil deveria ter passado despercebido. Seria tratado apenas como uma fofoca, uma publicação sem valor, como aquelas publicadas em revistas de adolescentes. No entanto, não estamos em circunstâncias normais. Graças aos ataques contra os direitos democráticos do povo brasileiro, ataques esses que têm o Supremo Tribunal Federal (STF) em sua vanguarda, tornou-se comum que uma fofoca se tornasse um fato político de repercussão nacional.

O próprio fato de a denúncia ter partido de Intercept Brasil já chama a atenção. O veículo, afinal de contas, é conhecido por ter publicado várias reportagens sérias de jornalismo investigativo. Em sua melhor época, o veículo chegou a publicar a série conhecida como “Vaza Jato”, comandada pelo jornalista norte-americano Glenn Greenwald, hoje radicado no Brasil. Anos depois, no entanto, o próprio Greenwald seria desligado do portal, após uma campanha histérica contra ele motivada por suas análises acerca das eleições norte-americanas.

Histeria é o que melhor descreve o clima político após a publicação do artigo sobre Alysson Mascaro. Não apenas o portal se lançou na aventura de publicar como verdade supostos testemunhos de fontes “anônimas”, como pessoas nas redes sociais se aproveitaram da “denúncia” para “cancelar” Mascaro. Isto é, para jogar lama em sua reputação.

Foi o caso do youtuber Jones Manoel, que, em uma clara defesa do “cancelamento” de Mascaro, saiu em defesa das tais “denúncias anônimas”, confundindo esse expediente com a ideia de “sigilo da fonte”. Corretamente, o jornalista Leonardo Attuch explicou:

“Jones Manoel, pra variar, desonesto. Eu pergunto a ele publicamente o que faria se qualquer veículo de comunicação publicasse: ‘Jones Manoel é um estuprador’. Quais são as fontes? Anônimos. Isso não tem nada a ver com sigilo da fonte. O sigilo existe quando há provas materiais.”

A denúncia anônima é uma coisa, obviamente, antidemocrática. Qualquer acusado tem o direito de confrontar seus acusadores – do contrário, será automaticamente tratado como culpado. Uma coisa é o anonimato da denúncia, outra coisa é que a pessoa forneça documentos, provas e não queira se expor, pois as provas podem ser confrontadas e analisadas independentemente da fonte.

Em uma denúncia anônima, na qual o próprio denunciante é a suposta vítima, omitir o denunciante é o mesmo que negar o direito de defesa do acusado. Não existe, no direito, uma acusação genérica de “estupro”. Ninguém pode ser julgado simplesmente por “estupro”. É preciso ter estuprado alguém, em um determinado lugar, em uma determinada ocasião. Sem isso, sequer é possível avaliar o que ocorreu ou não.

As únicas circunstâncias em que seriam admitidas denúncias sem prova e anônimas são aquelas contra governos e autoridades, porque são fatos públicos, mas não contra a pessoa comum.

Ao defender que Mascaro seja tratado como assediador sem que tenha sido julgado, pessoas como Jones Manoel já mostram ser inimigos da presunção de inocência. Quando essas mesmas pessoas negam até mesmo que Mascaro, antes de houver qualquer procedimento judicial, sequer tenha o direito de saber quem são seus acusadores, é porque estão defendendo a mais absoluta barbárie jurídica. Estão defendendo a política de caça às bruxas que, há não muito tempo, levou um ex-presidente da República à prisão, sem que tivesse cometido crime algum.

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