Escrito por Paulo Moreira Leite para o portal Brasil 247, o artigo Ganhamos uma batalha mas a guerra continua é um esforço para tornar o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e ex-PSDB Alexandre de Moraes uma personalidade “fundamental” para a luta do povo contra o bolsonarismo. Diz o jornalista em sua coluna:
“Responsável por iniciativas fundamentais para barrar um golpe de Estado em fase de preparativos, quando os resultados oficiais da eleição presidencial de 2022 já haviam sido anunciados mas Lula não assumirá o terceiro mandato, Alexandre de Moraes tornou-se, ao lado do presidente da República e do vice, um dos três alvos principais dos militares organizados na operação Copa 2022, nome de guerra do golpe entre os conspiradores.”
A afirmação com a qual Leite começa sua colocação é repetida à exaustão pela esquerda pequeno-burguesa, que sempre lembra as arbitrariedades cometidas pelo incontível ministro, mas nunca o lembra o episódio mais marcante da relação entre o Judiciário e o Estado-Maior, quando o segundo decidiu atropelar o despacho proferido por Moraes, dois dias antes do segundo turno das eleições de 2022, na qual proibira a realização de bloqueios rodoviários durante o dia da votação. Como que atualizando o famoso aforismo de Karl Marx sobre a força superior da “crítica das armas”, o Exército e a Polícia Rodoviária Federal não tomaram conhecimento da ordem do ministro, organizando bloqueios em regiões onde o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva tinha uma grande maioria. O feito não impediu a vitória do petista, mas ajudou a diminuir a vantagem do atual presidente sobre o postulante à reeleição na época, Jair Messias Bolsonaro (PL), algo visível para todo mundo, menos para a cabeça mais brilhante do STF:
“O prejuízo causado aos eleitores foi o atraso, mas volto a dizer: nenhum ônibus voltou para a origem. Todos seguiram para a seção eleitoral“, disse Moraes à época, justificando que não estenderia o horário de votação por conta dos bloqueios ilegais e acrescentando a pérola: “se houve desvio de finalidade e abuso de poder (grifo nosso), no âmbito do TSE isso é crime eleitoral e, no âmbito da Justiça comum, nós enviaremos para que sejam responsabilizados por ato de improbidade administrativa”. Sem outro recurso, o ministro apela ao cinismo para justificar sua inação.
O episódio é revelador de um fenômeno esclarecedor, mas que a esquerda pequeno-burguesa teima em ignorar: na melhor e mais benigna das hipóteses, Alexandre de Moraes é um ídolo de barro, um mero burocrata sem força real, incapaz de se proteger da própria desmoralização. Em momentos-chave como o ocorrido no segundo turno das eleições gerais de 2022, quando um golpe eleitoral fora efetiva e concretamente executado, o togado nada pode fazer para barrar o golpismo e proteger “a democracia”, isto é, o processo eleitoral que estava sendo fraudado à vista de todo o País, Moraes não foi o “Xandão”, anjo vingador da esquerda pequeno-burguesa, mas uma figura frágil e sem substância, que pode ser tratada como lixo de maneira pública. A realidade, no entanto, é ainda pior.
A falta de coragem para defender suas próprias decisões judiciais diante da pressão do aparato militar e de outras forças políticas não apenas colocou a hierarquia na burocracia estatal do País às claras, mas demonstrou também que ambos servem a um “mestre”, que, claramente, não está do lado de Lula ou da esquerda, mas atua contra o campo. O imperialismo é a grande força social que mobiliza o comando das forças armadas e que faz Moraes (e o STF) avançar, e recuar, conforme a conveniência dos interesses da ditadura mundial.
Foi assim no golpe que levou Getúlio Vargas ao suicídio, no golpe de 1964 e a subsequente Ditadura Militar que perduraria até 1985, foi assim na criação da Lava Jato e todos os seus desdobramentos (golpe de 2016 na queda de Dilma Rousseff, golpe de 2018 na proscrição de Lula das eleições), incluindo, naturalmente, a manipulação das eleições de 2022 para manter Lula sobre o cabresto da direita. O próprio Leite lembra que Moares “foi instalado por determinação do então presidente Michel Temer”, colocação que não entra no mérito sobre quem realmente é Michel Temer, mas, para isso, vamos recorrer a Julian Assange, jornalista preso pela ditadura mundial por revelar os crimes do imperialismo e que ao escritor Fernando Morais, ajudou o povo brasileiro a conhecer melhor quem era o homem responsável por levar “Xandão” ao STF:
“Michel Temer teve reuniões privadas na embaixada americana para passar a eles questões de inteligência política a que não muitos tiveram acesso, discussões das dinâmicas políticas no Brasil. Isso não é para dizer que ele é um espião pago pelo governo americano. Eu não sei, não existem evidências de que ele seja um espião pago, em termos financeiros. Estamos falando de algo mais, de construir uma boa relação de forma a ter trocas de informação entre os lados e apoio político mais adiante”.
Os verdadeiros responsáveis pelo golpe de 2016, pela ascensão de Temer à Presidência da República e de Moraes ao STF tinham intenções “democráticas” ao colocarem o ex-carniceiro da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo na maior instância da burocracia judicial? Claro que não.
Em sua análise, Leite parece partir do princípio de que todos esses personagens agem conforme princípios próprios, mas nada está mais longe da verdade do que isso. Há um componente mais de fundo, de caráter social e que supera as ideias que cada um porventura tenha na cabeça. Esse fundamento social é necessário para a esquerda compreender o verdadeiro papel de Alexandre de Moraes na luta política, que nunca foi ao lado de nenhum interesse popular e continua não sendo agora, mesmo que as desavenças no interior da direita levem desafetos a tramarem sua morte.
A compreensão do papel social dos militares e dos ministros do STF é fundamental para a esquerda entender porque em momentos como no segundo turno das eleições de 2022 o orgulhoso ministro foi desmoralizado publicamente e porque os estudantes, camponeses, trabalhadores e setores oprimidos em geral não devem, em absoluto, apoiar Moraes. Não se está apoiando um elemento que favorece o campo, mas alguém que favorece a derrota da esquerda e a vitória dos piores inimigos das massas brasileiras, os verdadeiros patrões a quem o ministro serve.