No dia 21 de março, o Supremo Tribunal Federal (STF) se reuniu para derrubar, por sete votos a quatro, a tese da “revisão da vida toda”, pondo fim a uma reivindicação antiga dos trabalhadores junto ao regime previdenciário. Com a decisão, milhares de trabalhadores terão o seu valor de aposentadoria projetado diminuído.
A tese da “revisão da vida toda” surgiu após uma manobra do governo neoliberal de Fernando Henrique Cardoso. A Lei 9.876/1999 estabelecia que, para o cálculo do valor da aposentadoria de toda uma geração, seria levado em conta somente os meses trabalhados após a promulgação do Plano Real. Sendo assim, os meses em que esses trabalhadores foram pagos em outras moedas, como o cruzado, não seriam considerados.
O problema é que, para muitas pessoas, especialmente os trabalhadores mais antigos, esse critério é bastante desvantajoso. Afinal, para muitas pessoas, o período em que recebeu um salário mais alto está situado justamente no período em que o real ainda não estava em vigor. Surge, então, a tese da “revisão da vida toda”, que diz que todo o período economicamente ativo deve ser levado em consideração no cálculo da aposentadoria. Essa tese, inclusive, não é mais que a consequência de um princípio do direito previdenciário: o de que o trabalhador tem o direito de escolher, dentre os regimes possíveis, aquele que mais lhe é vantajoso.
A tese da “revisão da vida toda”, ainda que legítima, não poderia, por sua natureza, ser aprovada por um juiz de primeira instância. Afinal, não lhe cabe determinar que a Lei nº 8.213 estaria em contradição com os direitos do contribuinte e que, portanto, ela deveria ser ignorada em determinados casos. Por isso, os defensores da tese tiveram de aguardar que ela fosse julgada pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ). Em 2019, a corte, enfim, decidiu que a tese era procedente.
Eis que, no entanto, após a decisão do STJ, a tese ainda foi submetida ao STF. O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) – isto é, o próprio Estado brasileiro – provocou a mais alta corte do País, alegando que a tese acarretaria um prejuízo para os cofres públicos. Mesmo assim, em 2022, o plenário do STF negou o recurso e manteve a decisão do STJ.
Mas o mesmo STF que decidiu que a tese era constitucional agora voltou atrás e passou a não reconhecer mais a sua legitimidade. O que é uma manobra ilegal, pois não se pode julgar a mesma tese duas vezes. O assunto já havia sido julgado na mesma corte, por que deveria, então, voltar a ser julgado? Qual seria a justificativa? Houve prova de que o julgamento anterior foi viciado? As condições mudaram substancialmente?
Não. Não há nada que justifique, do ponto de vista legal, o novo julgamento. Os motivos são claramente políticos. O que foi explicitado na própria declaração do ministro Flávio Dino: “ao interpretar um sistema jurídico é, não só legítimo, como imperativo, que nós levemos em conta fatores econômicos“. Os tais “fatores econômicos” seriam a alegação de que há um “rombo” de R$480 bilhões no orçamento do INSS.
Ainda que fosse verdade, não seria motivo para violar os direitos dos contribuintes. Trata-se de um direito – algo, portanto, que não poderia estar vinculado a questões econômicas. Até porque, se fosse sério que o Estado brasileiro estaria prestes a falir – e, assim, correria risco de “dar calote” nos aposentados -, seu maior problema está na dívida pública. Mais de 60% do orçamento público é drenado pelos bancos, o que torna qualquer discussão sobre dívida previdenciária ridícula.
Mas sequer a história dos R$480 bilhões é verdade. Conforme explicado por Fernando Castilho em artigo no Brasil 247, “embora o INSS tenha juntado aos autos um cálculo de 480 bilhões, constante na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) deste ano, este valor é totalmente mentiroso, uma vez que, segundo associações de aposentados provam, o impacto seria de SOMENTE 3 bilhões na economia“. O autor ainda lembra que “a Revisão da Vida Toda é uma ação de exceção, pois procura reparar erros do INSS para uma minoria de aposentados que, no início de sua vida laboral, contribuíam com altos salários, mas ao longo de sua existência, foram, aos poucos, vendo serem reduzidos seus proventos“.
Além de toda a ilegalidade e do óbvio ataque aos direitos trabalhistas e previdenciários, a decisão do STF também mostra um outro problema político. Os dois ministros nomeados pelo governo Lula, Cristiano Zanin e Flávio Dino, votaram a favor da medida, que acabou sendo vista como uma “vitória” do governo por causa da folga orçamentária.