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Rui Costa Pimenta

Presidente Nacional do Partido da Causa Operária. Editor do Jornal Causa Operária e do Diário Causa Operária. Escritor, palestrante.

Oriente Próximo

Em defesa do Irã

É um dever para a esquerda revolucionária defender os países, movimentos e partidos que lutam efetivamente contra o imperialismo

Por Rui Costa Pimenta, presidente nacional do Partido da Causa Operária (PCO)

A morte do presidente iraniano Ebraim Raisi deu lugar no Brasil a uma escalada de manifestações contra a nação oriental. O que é um momento de luto para a maioria da população daquele país, serviu como pretexto para um agressivo ataque ao regime político iraniano e ao islamismo xiita.

Os ataques à república islâmica vieram de todos os lados: da grande imprensa capitalista, totalmente alinhada com o imperialismo, o que não é de se estranhar, até a chamada extrema-esquerda, o que mostra a profundidade do desnorteamento político de uma parte das organizações que se reivindicam da esquerda nacional.

O raciocínio que serve de base para esta política completamente reacionária é simples: o Irã seria uma ditadura teocrática que oprime as mulheres, gays e outros grupos. Sobre esta base, o regime político iraniano é julgado conservador ou até mesmo reacionário. Este é todo o conteúdo da propaganda imperialista.

Ocorre, no entanto, que o regime político iraniano e seu atual governo são a mola mestra do que foi denominado pelos seus participantes como o “Eixo da Resistência”: a frente única da resistência palestina que engloba mais de uma dúzia de organizações: islâmicas sunitas, xiitas e partidos se reivindicando do marxismo como a FPLP e a FDLP, bem como o Hesbolá no Líbano, a guerrilha iraquiana e síria e os iemenitas. Este eixo é o agrupamento de forças mais revolucionário no mundo neste exato momento, lutando pela libertação de milhões de pessoas da opressão imperialista. Esta frente, de fato, colocou em xeque o sionismo na Palestina e o imperialismo em toda a região e mundialmente. O Irã, ainda, é o país que maior apoio dá à Venezuela, bloqueada pelo imperialismo.

Aqui temos um problema lógico: pode um regime político ser tão revolucionário fora de casa e completamente reacionário dentro de casa? Mais ainda, pode um país como o Irã, ou seja, um país capitalista atrasado, enfrentar todo o sistema imperialista com o seu regime e governo sendo repudiado pela maioria da população? Qualquer pessoa que conheça minimamente a história do mundo sabe que isso não é possível. A política revolucionária não pode ser levada adiante por um regime reacionário porque o movimento político que ela desperta abalaria o regime em casa. Seria fácil para um regime reacionário impulsionar uma política externa reacionária. O esmagamento dos movimentos revolucionários fortaleceria o regime em casa.

Como explicar o aparente paradoxo do regime islâmico iraniano?

Primeiro, o regime político iraniano é o resultado de uma revolução, a mais importante revolução da segunda metade do século XX que derrubou o que era, junto com o regime sionista, o pilar fundamental da dominação imperialista na Ásia Ocidental e Central, a ditadura do Xá Reza Palevi.

Segundo, o clero xiita era o setor fundamental da oposição popular ao regime do Xá. O atual líder supremo foi preso e torturado sob o regime paleviano.

Terceiro, e este é um ponto fundamental da confusão: a religião islâmica, em particular a xiita, não pode ser confundida com a religiosidade nos países ocidentais, de maioria católica e protestante. Com exceções, principalmente nos países atrasados, estas igrejas foram sempre um instrumento do grande capital e do imperialismo e têm uma larga tradição reacionária que vem desde a Idade Média. Pode ser confuso para um brasileiro ver a preponderância da religião islâmica em todos estes países e compará-la à história da religião no Brasil. Na maioria dos países islâmicos, a religião não teve um papel semelhante ao que teve no Brasil como religião do Estado. A maior parte dos governos em países islâmicos procurou usar a religião e atrelá-la às suas conveniências políticas, mas ela nunca foi efetivamente, com raras exceções, uma verdadeira religião de Estado, mesmo com o poder político na história em diversas oportunidades ser, também, o poder religioso. Além disso, esta é uma religião, sem exceções, de países oprimidos pelo imperialismo, ao contrário do cristianismo. Meca e Qom não são equivalentes de Roma, de Londres e dos EUA. Basta ver que há e houve em toda a história um sem número de grupos políticos revolucionários islâmicos. A ideologia tende a seguir a realidade social e não o contrário. Ao contrário do cristianismo, o islamismo é um fenômeno profundo nas massas de todos os países islâmicos. No Irã, a quase totalidade da população é xiita e, para o entendimento dos brasileiros, praticante.

Os costumes que estranhamos, como, por exemplo, o uso do hijab, a cobertura de cabeça das mulheres iranianas, frequentemente descrito incorretamente como véu, não é mera imposição de um minoria sobre a maioria, mas um costume tradicional.

Quarto, os costumes dos povos do mundo não podem ser julgados segundo um mesmo padrão, pois são parte do desenvolvimento econômico, social e histórico. A moralidade é variável de acordo com a época histórica, as tradições e o desenvolvimento da sociedade. É também muita pretensão acreditar que a qualidade da moralidade em outras sociedades, como as dos países imperialistas, seja um modelo para os povos do mundo com males como a verdadeira epidemia de drogas e outros fenômenos com implicações morais. O sistema capitalista é completamente decadente como sistema econômico e social com gigantescos reflexos na moralidade.

Quinto, o liberalismo de costumes em determinados países do mundo nada mais é que uma crise geral e não propriamente uma evolução. Os EUA de cinco ou seis décadas atrás tinham uma rigidez moral muito intensa, apesar da desagregação social já avançada, e esta rigidez foi destruída principalmente porque a classe dominante não conseguia fazer frente às tendências à rebelião dos explorados. O liberalismo de costumes é, nesse sentido, uma concessão feita à pressão das classes médias sobre o regime, que serve como uma válvula de descompressão social diante da situação explosiva onde a maior ameaça é a rebelião da classe trabalhadora, imensa maioria da nação. 

Sexto, a situação geral das mulheres e do povo no Irã é muito melhor que a brasileira em termos gerais. A revolução de 1979 deu um novo rumo à economia iraniana e melhorou as condições de vida da população de maneira significativa. A opressão é um instrumento a serviço da exploração e não um fato abstrato.

Sétimo, longe de nós pretender que o regime político ou a sociedade iraniana sejam perfeitos, como qualquer outro país do mundo. Ao contrário, um país é um fenômeno complexo e não se pode atribuir todas as mazelas simplesmente ao governo. O próprio regime iraniano sofreu várias transformações desde 1979.

A questão central, no entanto, não são os problemas morais. A luta de classes mundial – e a luta entre Irã e o imperialismo é uma luta de classes – é um fenômeno econômico. É a luta entre os países atrasados que buscam se desenvolver e o imperialismo que impede esse desenvolvimento. Em termos marxistas é a luta das forças produtivas contra um modo de produção caduco que impede o seu desenvolvimento.

É um dever para a esquerda revolucionária defender os países, movimentos e partidos que lutam efetivamente contra o imperialismo, inimigo de todos os povos do mundo, inclusive os dos próprios países imperialistas. Não pode haver liberdade verdadeira para ninguém e em nenhum sentido sem a liquidação do imperialismo. Nesse ponto, o Irã desempenha um papel revolucionário enorme e deve ser apoiado por todos os que se consideram democráticos, progressistas, anti-imperialistas, revolucionários, comunistas e socialistas. Opor-se ao Irã em nome de uma questão de costumes é uma política cem por cento imperialista e reacionária em todos os sentidos.

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